Perguntar ou não ouvir, eis a questão
Qualquer consulta precisa partir de uma hipótese e com ela você define quais partes que precisa de inputs para validar
Qualquer consulta precisa partir de uma hipótese e com ela você define quais partes que precisa de inputs para validar
Como é comum não só na nossa indústria, mas no grande esquema do desenvolvimento humano, a gente se encanta pelos extremos. O problema é que normalmente a sabedoria está em algum lugar ali pelo meio, por menos sexy que isso possa ser.
Um exemplo disso é o que acontece com as discussões sobre o papel de pesquisa de mercado e dos dados na definição de portfólio, inovação e estratégia de crescimento. De um lado, vemos executivos perdendo contato com a demanda dos seus consumidores. Do outro lado desse nosso mundo de extremos, está a ilusão de que ouvir seus consumidores vai definir sua estratégia de crescimento.
Vou falar um pouco sobre o que acho que são as armadilhas em pesquisa, dados e insights. E, claro, como tentar correr delas.
Dados não tomam decisões, não substituem as discussões estratégicas. No entanto, frequentemente são usados para mascarar a falta de sofisticação nesse processo. Saber que o chocolate é o sabor mais vendido, não é igual a definir que seu próximo lançamento terá sabor chocolate. Essa decisão vai depender de qual a aposta estratégica da companhia – sua maior fortaleza é jogar nos maiores espaços? Ou sua estrutura está pensada para competir por preço, e a variável que realmente importa é saber onde há menos domínio de marcas? Tendo clareza da visão da companhia, as informações de mercado são um input fundamental; sem essa clareza, qualquer número serve de desculpa.
O segundo caso de mau uso de informação afeta desproporcionalmente os profissionais de marketing: a ilusão de que tudo que pode ser perguntado pode ser respondido. Tão importante quanto definir que dados você quer olhar, é entender quais respostas o seu consumidor não pode te dar. Um exemplo recorrente no meu dia a dia é o infame “source of awareness”. Dizem que foi John Wanamaker que no final do século XIX declarou (tradução livre minha): “Metade do que eu gasto em publicidade vai pro lixo. O problema é saber qual metade”. Fato é que há mais de um século nós tentamos descobrir qual é a metade que está trazendo nosso crescimento. Nessa ânsia, surgiu a perguntinha: “Onde você viu o nosso anúncio?”. Seria lindo saber isso, mas… não tem a menor chance de um consumidor comum, gente como eu e você, que está preocupada com o que fazer pro jantar ou pensando na próxima viagem, saber onde ouviu falar da sua marca. Ninguém se importa! Se você perguntar, eles vão responder – para tirar o entrevistador ou o pop up da frente. Mas qual é a qualidade dessa informação? Bem, até atribuição de mídia online é mais confiável.
São muitos exemplos desse tipo, e meu aprendizado é: procure outra métrica, seja criativo e honesto na busca de aproximações, ou conforme-se com a falta de informação. Se iludir é pior.
Por último, um caso espantosamente comum: o paradoxo da inovação sendo julgada pelo passado resistente. É provável que você já tenha ouvido a frase atribuída a Henry Ford: “Se eu tivesse perguntado às pessoas o que elas querem, elas teriam dito ‘cavalos mais rápidos ́”. E é ainda mais provável que ele nunca nem tenha dito isso – mas isso não é o que importa aqui. Normalmente, essa frase aparece para sustentar a posição de que basta uma visão genial e assim surgem os grandes saltos. Acho uma posição simplista e equivocada. Mas sim temos que nos lembrar constantemente de não colocar nos ombros do consumidor o nosso trabalho: ler o contexto e propor a mudança.
Vou me arriscar a dividir com vocês um caso muito mais recente, mas também de atribuição duvidosa. A culpa da atribuição duvidosa é minha – eu não lembro onde li sobre isso, então me desculpem a falta de crédito. Essa história conta que, quando a Nike leva protótipos para avaliação entre consumidores, os que têm grande aceitação são imediatamente descartados. O entendimento é que, se a maioria aceitou, é porque aquela proposta visual já não é mais inovadora. Afinal, o novo sempre causa estranhamento.
Eu posso não lembrar o contexto em que escutei esse caso – e a história pode nem ser real, como é comum nos casos de negócio – mas o fato é que esse exemplo está na minha cabeça há mais de dez anos. Testar mata inovação? Dá pra inovar e não testar aceitação? Pra mim, a resposta está mais uma vez em “o que você quer saber”. Qualquer consulta precisa partir de uma hipótese e com ela você define quais as partes que você precisa de inputs para validar. Não vale perguntar se o consumidor gostou ou não gostou.
No final, a qualidade do insight depende mais da qualidade da pergunta do que da resposta. Pense nisso e não fuja do trabalho de definir o que você precisa saber, como encontrar os dados verdadeiros e relevantes, o que perguntar – e o que não perguntar.
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