Pyr Marcondes
27 de março de 2018 - 8h00
A ideia de que o futuro é uma dimensão por vir é falsa.
Na verdade, passado, presente e futuro são invenções humanas para não ficarmos perdidos no tempo, que é contínuo e sem fim.
Então, ora, como prever algo que nem sabemos direito quando começa?
Vamos nos valer do básico.
Se o tempo é contínuo e o futuro não é algo que está por vir, que tal olhar em volta agora e ver se conseguimos enxergar algo que ainda não aconteceu, mas que pode ser que, em algum momento aconteça?
Anos atrás fiz um daqueles posts de final de ano prevendo o que iria acontecer no ano seguinte e, nele, comentei que o futuro não é algo que começa em algum ponto adiante de onde estamos agora, mas que parte dele está sendo construído exatamente hoje e que prever o futuro começa por olhar o presente.
Pois não foi sem imensa alegria que descobri este ano no SXSW uma mulher chamada Amy Webb que, confesso, não tinha a menor ideia da existência até Austin.
Amy é sócia fundadora do Future Today Institute e se qualifica como futurista quantitativa, porque analisa as tendências do futuro com base em dados e em seu método proprietário, bastante complexo e, aparentemente, bem legal.
E sabe qual a principal dica dela? Os sinais do futuro estão visíveis exatamente agora, basta olhar a nossa volta com olhos de ver.
Seu livro “The Signals are Talking” é um resumão de sua tese e de seu método, uma obra indispensável para nós que vivemos numa armadilha, a de que as coisas hoje acontecem tão rápido, que podemos ser pegos pelo desconhecido do futuro logo ali na curva e sermos engolidos (nós, profissionalmente, e nossas marcas e empresas, corporativamente), de alguma forma, por ele.
Pois a ideia de que os sinais (do futuro) estão falando e estão a nossa volta neste exato instante é altamente estimulante e apaziguadora. Pois essa lógica coloca em nossas mãos, e não nas de um destino errático e descontrolado, evitarmos as surpresas. Basta olharmos com atenção e, defende ela, método.
O problema não é o futuro, é o paradoxo do presente
Amy revela que não conseguimos prever o futuro não porque não tenhamos informação suficiente sobre ele, mas porque, ao contrário, temos um excesso de informação sobre tudo e não conseguimos distinguir o que é o que, sendo que o futuro e seu por vir já estão bem aqui, no meio de todo esse caos. Nós só não percebemos.
É o que ela chama de Paradoxo do Presente. Diz dona Amy sobre esse tema: “Without a guide process, we fall victim to the paradox of the present. We have hard time seeing the future because we lack a shared point o reference rooted in our present circumstances”.
Quando vou ao SXSW costumo dizer que ele funciona pra mim como um buraco na fechadura do futuro. Está tudo lá. Tudo o que vai acontecer está lá. Você só precisa espiar pelo buraquinho com atenção. E olhos de querer ver.
Minha dica pessoal, complementando as que vou mostrar aqui da Amy, é que não vejo a maior parte das empresas e dos profissionais do nosso mercado (cerca de 1200 brasileiros este ano no SXSW) muito preocupados, menos ainda atentos, ao que virá. Portanto, cegos de futuro.
Não é nada bom ser cego de futuro num mundo com a velocidade em que o nosso se auto-acelera hoje. Só há desvantagens nisso. Bom, eu acho, né.
Este texto aqui é um exemplo vivo disso. Estou certo que terá um índice de leitura bem baixo no meu analytics, porque não fala do presente e de como bater a meta do quarter.
Quem pensa apenas no imedaito ignora que bater a meta do quarter é algo que começou há já bastante tempo atrás e que nada é de uma hora para outra. Enfim… vai lá bater a meta do quarter.
Um pouco das percepções e método da Amy
“One of the reasons you don´t recognize this moment in time as an era of great transformations is because it´s hard to recognize change. Another reason: novelty has become the new normal.”
Ora, se a mudança é o novo normal, o que é mudança? Mais: quais são as mudanças que de fato importam?
“Future forecasting is a process”, conceitua ela. Me parece lógico.
O ponto é, você não precisa deixar de focar no presente para poder melhor prever o futuro. Use seus dois neurônios. Um para uma coisa, outro para outra. Capicce?
Amy nos dá um caminho. Brilhante, sobre como olhar o futuro
“The future is not predetermined, but rather woven together by numerous threads that are themseves being woven in the present.”
Ou seja, como estamos dizendo aqui, futuro e presente estão misturados justamente agora e o futuro não é algo que se auto-determina do nada, mas resultado e reflexo de tudo o que está rolando já.
“We can observe probable future trhreads in the present, as they are being woven.”
O forno do tempo está assando o futuro agora. Abra e veja. Antes que ele te queime.
“We can impact our possible and probable futures in the present.”
Essa é demais. Não somos passageiros de nada. Podemos pilotar o que virá. Sermos protagonistas e não vítimas.
O método
O método da Amy tem 6 passos, que obviamente não tenho nenhum condição de resumir direito aqui (por isso recomendo a leitura do livro da moça). Mas os pontos são:
- The Fringe – é nas bordas que estão escondidas as verdades do futuro, não no mainstream. Observe o que ainda não vingou, mas leva jeito. Investigue, como ela diz, “the unusual suspects”;
- Cipher – essa palavra em inglês quer dizer “cifra”, ou “código”. As cifras do futuro estão escondidas em padrões observáveis agora. Analise contradições, extremos, raridades, recomenda ela. Que se repitam em padrões;
- Ask The Right Questions – o nosso já saudoso Julio Ribeiro, o mais brilhante planejador que nossa indústria já teve, dizia que estamos no negócio de fazer perguntas e não de dar respostas. Amy recomenda que para encontramos padrões temos que levantar as questões certas com o objetivo de descobri-los;
- Calculate the ETA – ETA é um princípio matemático (ETA = distância + velocidade +/- (eventos ao longo da rota) que os GPS usam para calcular o tempo de deslocamento de objetos móveis no espaço. Waze, por exemplo, usa. A Amy empresta esse conceito para aplicar aos eventos que vão, ao se movimentarem no tempo e nos espaço, chegarem até nós. E determinarem nossos caminhos;
- Write Scenarios – De posse das valiosas informações que você obteve até aqui na jornada, é possível então traçar uma estratégia que, levando em conta as premissas do presente, projetem o que você quer fazer no futuro;
- Pressure-Test the Future – é o lado agile do método da Amy, ou seja, vai lá e testa a porra de hipótese na prática, em vez de ficar viajando na mandioca e construindo planejamentos-mamutes, que nunca se executam e que, quando forem executados, já foram vitimados pelo futuro.
Munida desse método, Amy produz estudos memoráveis. No SXSW mostrou um que se chama “2018. Tech Trends Report”, que como o nome entrega, tem as tendências que ela e seu instituto identificam como as mais prováveis já para este ano. São 225. Isso 225!
Já na abertura do documento ela recomenda não tentar lê-lo numa sentada. Eu tentei. Não rola. É extenso e profundo.
Nele encontramos projeções para empresas, governos, a sociedade em geral.
Algo importante, outra dica da Amy e sua empresa: para entender o futuro, você não pode olhar apenas para um setor ou tendência isoladas, tem que olhar para todos os futuros.
Para mapear o relevante, ela nos entrega os setores que são vitais de serem monitorados, Veja quadro abaixo.
Uma das principais possibilidades de 2018 é que este seja o ano do começo do fim dos smartphones. Isso se dará, aponta ela, porque estamos entrando em uma nova era da computação e da conectividade e tudo estará conectado. Em uma década, possivelmente, não usaremos mais os smartphones como usamos hoje. Os assistentes virtuais como Alexa e outros seriam a ponta desse iceberg. Repare que ele já está visível hoje claramente.
Uma outra tendência é a convergências de grandes tecnologias, entrelaçando-se coisas como Inteligência Artificial, Internet das Coisas, AR/VR, por aí. De fato, já está acontecendo. Conseguimos ver o futuro começando agora.
Para o mundo digital, ela aponta a Inteligência Artificial como um dos grandes drivers de todas as transformações. Exemplo, AI Cloud, ou seja, a nuvem inteligente, quando a armazenagem de bid data remotamente ganha funcionalidades de Inteligência Artificial, algo ainda em andamento, mas que de fato dá para entender que em breve seja absolutamente possível.
Outro exemplo: AI nos devices usados pelos consumidores.
Uma doida: markeplaces para troca de algoritmos de Inteligência Artificial.
A velocidade do Machine Learning vai aumentar. A computação cognitiva vai junto. E com eles tecnologias de reconhecimento de voz e rosto (face recognition).
Ela prevê ainda o aumento do hacking por todas as partes e da influência das comunidades online comandadas pela Rússia.
Bom, são 225 e não dá para citar tudo aqui.
Mas dá para você ter acesso ao documento completo aqui.
Para concluir, acrescento algo vital: o futuro é cruel! Ele mata coisas. Assassina inertes. Elimina o que não está em alinhamento com sua linha de tempo e de espaço.
Leia o estudo e o livro, por favor.
E faça algo importante para o seu futuro. Começando já.