ProXXIma
27 de junho de 2017 - 6h59
Por Paula Puppi (*)
Passei 10 anos exclamando aos 7 ventos que Cannes não era pra mim, que meu mundo era outro, etc e tal. Mas achei que era hora de comparecer, nem que fosse para poder continuar criticando depois, ranzinza que sou. Mas fui de coração aberto também, até porque para dividir uma casa com mais oito pessoas, criativos em sua maioria, esta era a única forma de aproveitar o festival.
O que de cara me impressionou é que a cidade estava incrivelmente tomada por tendas de marcas como Youtube, Facebook, Spotify, Oracle, IBM, Oath, Twitter, todas empresas do meu mundo, o mercado de tecnologia/ digital. Opa, estes caras eu conheço, me senti em casa!
Uma dúvida, no entanto, me acompanhou durante todos os dias que passei por lá: quem ocupava esses espaços antes? Quais eram os grandes players globais há dez anos no mundo da publicidade?
Saí como uma louca fazendo essa pergunta para todos que encontrei no caminho e descobri para meu espanto que ali haviam antes apenas cadeiras e as pessoas eram livres para ir à praia sem passar por um credenciamento e colocar uma pulseirinha. Ou seja, todo esse ambiente de invasão dos gigantes da tecnologia é bem recente.
Ao ver pela minha primeira vez os trabalhos concorrentes de print e promo expostos para apreciação no subsolo do Palais, confesso que me senti em uma feira da escola das crianças com aqueles cartazes todos pendurados em galerias. Me diverti pensando no contraste do que se falaria nas palestras sobre realidade aumentada e de como estavam expostos os trabalhos de promo e ativação naqueles painéis.
Compreendi ao longo da semana que esse contraste iria me acompanhar o tempo todo. Enquanto se julga print, rádio ou promo no subsolo das galerias, lá em cima nos grandes palcos só se fala em Google, Facebook e Amazon.
Afinal, como disse o CMO global da Unilever, clarificando o óbvio para todos os presentes: Se é lá que minha audiência está, é para lá que irá meu dinheiro.
Aliás, quantas mensagens óbvias e importantes ele nos deu: Se quiser muito reach, mas pagar pouco, é importante entender os riscos envolvidos. Crie mensagens diferentes para audiências diferentes. Não é possível agradar a todos, todo o tempo. O produto tem que ser bom primeiro, depois ajudar o meio-ambiente. As marcas têm que ajudar aos veículos novos para melhorar suas plataformas, pois precisam um do outro. Toda vez que sua marca aparecer, use o mesmo tom de voz, até no Alexa. Já dizia o filósofo, agua mole em pedra dura… não é à toa que ele é o CMO da Unilever, brilhante!
Mas nem só de grandes palcos se faz Cannes. Lá longe, escondidinho no anexo do Palais, uma Meca para nerds como eu, o Cannes Innovation no Palais II.
Minha primeira grande inspiração veio de uma palestra pequenina. Trinta, quarenta, pessoas ouviam com atenção a incrível Carolina Coppoli, diretora de estratégia da Accenture Interactive falando sobre creative data.
Em um brilhante paralelo com Romeu e Julieta, ela conseguiu trazer à tona alguns dos meus maiores questionamentos atuais: Como traduzir todos os nossos dados e insights da mídia digital para a criação? Como construir esta ponte, achar o idioma comum? Ouso dizer que foi em cima deste tema que gastei grande parte do meu tempo em Cannes. E ouso também dizer que essa foi a minha palestra favorita em todo o festival. Apesar de ter que discordar dela quando afirmou que “Data” não é sexy e não nos faz liberar oxitocina, que ninguém se apaixona por raciocínios lógicos. Hum… fale por você.
E foi ali também, no puxadinho, que meu ídolo e polêmico Terence Kawaja falou que, para que haja inovação, precisam continuar existindo negócios rentáveis e saídas para os investidores. Foi ali que ele comentou, mesmo que en passant, que o mercado de martech vai continuar passando por grandes consolidações. E que os dados das exchanges são inúteis e que “shit happens, privacy happens”.
Claro que, assim como no SXSW, o Watson produziu música baseado em inteligência artificial e os “Óculos” trouxeram uma dimensão extra ao conteúdo. Mas em Cannes, estas novidades são o meio e não o fim. O que traz uma graça extra ao assunto para nós que somos de software e não de hardware.
Enquanto isso, no grande palco, uma enorme fila se acumula para assistir ao quase patético bate papo do Youtube com a estrela Demi Lovato. Veja bem, nada contra um nem o outro, sou grande fã dos dois e entendo trazê-la para anunciar os conteúdos originais que a plataforma vai lançar. Mas daí para fazer todo este teatro e dar a ela o super troféu de 10 milhões de seguidores, achei pra lá de forçado. Parece muito para quem não acompanha estes números de perto, mas vamos lá, até o Felipe Neto, youtuber ídolo dos meus filhos tem mais de 10 milhões de seguidores. Aliás, ele muda a cor do cabelo a cada milhão.
Boa essa discussão, sempre a tenho com o Google. A Demi Lovato e o Felipe Neto têm audiências bem parecidas, quem define qual deles é o prime time? Mas deixa quieto, não vou seguir por esta linha e sim para o grande hit do momento: Todos querem ser a Netflix. Todas as grandes potências estão produzindo conteúdo original e buscando formatos de monetização destes conteúdos com as marcas.
Esse movimento, da mesma forma que me incomoda um pouco porque vivo de mídia, também me anima porque traz uma alternativa muito legal para os criativos da nossa indústria, que estão se sentindo subvalorizados. Agora eles poderão passar a criar filmes e séries inteiras para suas marcas ao invés de apenas reclames de 30 segundos. Pensa só que maravilhoso mundo novo.
O que me deixou mais chateada foi ter pedido a palestra do Scott Gallaway, parece que foi a sensação do Palais. Scott fundou uma empresa de metodologia de excelência digital e subiu ao palco provido da coragem (e falta de filtro como eu) de falar que a Amazon vai engolir não só o varejo inteiro, mas também as empresas de CPG. Quem mais tem coragem de dizer que os verdadeiros concorrentes das agências estão nas tendas na praia e não no subsolo do Palais? Quem mais consegue tão lindamente associar os quatro gigantes GFAA aos sentimentos essenciais que temos em nossas vidas? Ainda bem que ele tem um canal do Youtube e a que a apresentação dele já ficou disponível no app de Cannes. E viva a democratização do conteúdo!
Falando em democratização do conteúdo: Está tudo, tudinho disponível na internet.
Então para que gastar tantos euros e ir lá ouvir pessoalmente essas pessoas falarem na França? Pelo mesmo motivo que fazemos campanhas para topo do funil: porque se não o fizermos, não saberemos sequer que este conteúdo existe.
E vamos falar a verdade, o conteúdo é apenas um dos pilares do festival.
Até porque nem todo conteúdo mereceu meus aplausos. Ouvir a Unilever falar de startups foi frustrante. Tive a mesma sensação de quando fui pra África e resolvi ir até a praia após o Safari. Ninguém deveria fazer isso. Ouvir agências e empresas falarem de startups é até interessante, as praias da África são até bonitas, mas convenhamos, não é o seu core business.
Cannes é uma mistura de bons conteúdos, com grandes reuniões e muito networking. Afinal, me parece que grande parte de quem importa está por lá.
Consegui conversar calmamente com os heads regionais e globais do Google e do Facebook, entendendo o alinhamento destes para poder direcionar melhor a minha empresa. Conheci agências parecidas com a minha que atuam na Alemanha, na Inglaterra e nos Estados Unidos. Enchi de perguntas meus colegas da WPP ao redor do mundo. Só por estes momentos, o festival valeu a pena para mim.
Muito se falou durante este ano que o festival precisa se reinventar, que ficou grande demais e caro demais. Eu realmente não conhecia antes para poder fazer as devidas comparações, mas me pareceu uma boa mistura. Grandes personalidades como o presidente (e Nobel da Paz) da Colômbia dividiram o palco com a judia ortodoxa CEO da 360i. Entrevistas de Sir Martin dividiram as atenções com um duelo entre in house agencies e agências externas. Conteúdo eclético, para um público mais eclético ainda. Achei a agenda enriquecedora.
E os leões que fui ver de perto? Vixe, esqueci completamente. Talvez seja esse o verdadeiro problema de Cannes. A prioridade mudou.
(*) Sócia e CEO da Blinks.
Crédito: Foto The Drum