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Acessibilidade como parte do processo criativo, com Ana Clara Schneider

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Acessibilidade como parte do processo criativo, com Ana Clara Schneider

Fundadora da Sondery idealizou consultoria de acessibilidade criativa para promover a inclusão de pessoas com deficiência em campanhas e projetos


11 de janeiro de 2024 - 16h41

Ana Clara Schneider é fundadora da Sondery, consultoria de acessibilidade criativa para promover a inclusão de pessoas com deficiência em campanhas e projetos (Crédito: Divulgação)

A curiosidade e a empatia foram elementos fundamentais para que Ana Clara Schneider se aprofundasse no tema da acessibilidade e inclusão. A partir de uma experiência pessoal, ela passou a se questionar como pessoas com deficiência faziam certas coisas, a princípio cotidianas, como ir a cinemas, parques e fazer compras. Eventualmente, essa motivação a levaria a fundar a Sondery, uma consultoria de acessibilidade criativa para projetos e campanhas inclusivas envolvendo pessoas com deficiência. Após sete anos de empresa, a Sondery já teve clientes como YouTube, Lacta, Uber, Vivo, Bradesco, Gol Linhas Aéreas e até mesmo agências como Soko, Publicis, CP+B e Mutato. 

Nesta entrevista, Ana Clara Schneider conta como surgiu a Sondery e reflete sobre os principais desafios de acessibilidade que as empresas ainda enfrentam. Além disso, ela também comenta os benefícios que a inclusão e a acessibilidade trazem para as organizações.

Queria que você começasse fazendo um resumo da sua trajetória profissional. 

Sou formada em publicidade pela ESPM e iniciei minha carreira na área de planejamento em agências do mercado publicitário. No entanto, meu contato inicial com a acessibilidade e o universo das pessoas com deficiência ocorreu muito antes, aos 12 anos, com o nascimento da Ana Luíza, minha prima, que tem síndrome de Down. Ela foi a primeira pessoa com deficiência na nossa família. 

Durante uma visita ao museu, ao observar uma versão tátil de uma pintura, comecei a questionar a falta desse recurso em outros museus. Ao retornar à faculdade e questionar meus professores sobre a ausência de abordagens acessíveis em nossos estudos, recebi a resposta de que era uma minoria e não tinha relevância. Essa situação motivou minha busca autônoma pelo conhecimento no universo da acessibilidade. 

Enquanto continuava trabalhando em agências, especialmente na área de planejamento, percebi em 2016 que não poderia mais ignorar a necessidade de incorporar a acessibilidade no meu trabalho. Decidi então criar a Sondery, um negócio que visa integrar a comunicação e a criatividade à acessibilidade. 

Como surgiu a Sondery e quais serviços vocês oferecem hoje? 

Desde essa experiência, comecei a me questionar sobre como uma pessoa com deficiência realiza certas atividades, como frequentar shows, teatros, cinemas e até mesmo ações relacionadas à publicidade, como compras em shoppings e interações em redes sociais. 

Quando percebi que queria mesmo transformar essas reflexões em ações concretas, decidi criar a Sondery. A ideia era entender como as pessoas com deficiência poderiam ser reconhecidas, atendidas e representadas como consumidoras. Elas já existem e consomem, mas enfrentam mais barreiras do que as pessoas sem deficiência.  

O objetivo principal era dialogar com as empresas, sejam anunciantes, prestadoras de serviços, fabricantes de produtos, agências e organizadoras de eventos. Queria que compreendessem a responsabilidade delas nesse processo. A decisão de tornar a comunicação acessível ou não caberia ao cliente, à agência e aos criativos.  

Hoje, a Sondery oferece serviços que abrangem consultoria, diagnóstico, treinamentos, workshops, palestras, oficinas e produção de recursos comunicacionais. Sempre com o objetivo de reconhecer, representar e atender pessoas com deficiência de maneira eficaz. 

Como foi a receptividade das empresas e dos clientes quando você lançou a Sondery no mercado? 

Ao apresentar a consultoria para potenciais clientes, muitas vezes ainda é preciso contextualizar o tema. A aceitação das empresas varia de acordo com a maturidade que têm em relação à acessibilidade. Algumas já estão familiarizadas e engajadas, enquanto outras podem estar apenas começando a considerar essa abordagem, seja por iniciativa própria ou motivadas por pressões externas, como o receio de multas. Mesmo que o impulso inicial seja por obrigatoriedade, muitas empresas acabam compreendendo os benefícios associados à acessibilidade ao longo do processo. 

Em geral, percebemos que as empresas saem dos projetos com uma consciência mais aguçada e uma segurança maior ao abordar o tema, especialmente ao conhecerem pessoas com deficiência, já que trabalhamos com consultores que são PCDs. As interações proporcionam experiências novas para muitos clientes que talvez nunca tenham trabalhado com esse público. Felizmente, recebemos feedbacks positivos de forma unânime por parte dos clientes. 

No Big Brother Brasil 24, houve uma situação com o atleta paralímpico Vinícius Rodrigues que gerou uma discussão sobre a falta de acessibilidade da prova do líder do programa. Ele precisou tirar a prótese no meio do circuito, antes de entrar na piscina de slime, por receio de estragá-la, já que o material não era à prova d’água. Como você avalia o ocorrido e o que a produção poderia ter feito para evitá-lo?  

Na minha interpretação, o ocorrido pareceu uma combinação de erros que poderiam ter sido evitados. É fundamental pensar na segurança de todos os participantes, não apenas em questões específicas. Parece haver uma falta de dedicação à acessibilidade, tanto em termos de acomodações quanto de comunicação. Se houvesse uma abordagem mais proativa na avaliação das necessidades específicas, como a adaptação de materiais à prova d’água, a situação poderia ter sido evitada. 

Apesar de entender que a dinâmica da prova pode ser ajustada para futuras edições, o discurso capacitista do participante Maycon, com suas piadas e comentários, gerou um desconforto que merece maior atenção. [O participante perguntou ao Vinícius se poderia apelidar sua meia perna de “cotinho”]. A preocupação recai não apenas na prova com slime, mas também na necessidade de lidar com discursos que perpetuam estereótipos prejudiciais. 

A presença de participantes como ele pode contribuir para desmistificar e desconstruir estereótipos, mas é crucial que a emissora assuma a responsabilidade de educar sobre o capacitismo de forma mais consciente. Em relação às provas, penso que é essencial ter profissionais, preferencialmente consultores especializados, para colaborar na elaboração e na execução de dinâmicas mais inclusivas e seguras. 

O que as marcas devem levar em conta para incluir acessibilidade e retratar pessoas com deficiência em campanhas e outros projetos? 

A palavra-chave é planejamento. Uma das maiores barreiras quando se aborda a acessibilidade é a falta de tempo ou de recursos financeiros. Muitas vezes, as pessoas argumentam que não estava previsto no orçamento, mas essa justificativa só pode ser usada uma vez. Se não estava previsto, no futuro ela deve estar inclusa. 

O planejamento, nesse contexto, envolve a previsão de tempo, dinheiro e pessoas. É essencial desenhar um cronograma que contemple as etapas de acessibilidade e elaborar um orçamento que inclua remuneração adequada para profissionais envolvidos. Existe um pensamento viciado de que questões relacionadas a pessoas com deficiência estão atreladas ao trabalho voluntário de ONGs ou instituições de caridade. 

Na Sondery, trabalhamos para educar o mercado, destacando que profissionais com deficiência devem ser remunerados pelo seu conhecimento e expertise. Isso envolve não apenas representar pessoas com deficiência como consumidores, mas também como profissionais e consultores especializados. 

A falta de envolvimento de pessoas com deficiência na equipe pode resultar em peças criativas que parecem distantes e não refletem a experiência real. Muitos líderes falam que a questão da acessibilidade é urgente, mas muitas vezes ela não é priorizada, ficando relegada ao final da lista de preocupações de uma empresa. 

A abordagem ideal é encarar a acessibilidade como parte integrante e criativa do projeto desde o início. Isso implica em ter tempo, profissionais adequados e uma equipe bem alinhada. A acessibilidade não deve ser uma etapa isolada ou a última a ser considerada, mas sim uma parte integrante e essencial do processo criativo. 

Cite um exemplo positivo de case que vocês participaram. 

Em campanhas tradicionais, temos quatro cases que valorizamos muito. O primeiro, bastante reconhecido e motivo de orgulho para nós, é o do Burger King. O comercial apresenta um rapaz cego e foi o primeiro a ter uma audiodescrição aberta na TV brasileira, sem a necessidade de acionar pelo controle remoto. Essa foi uma mudança significativa para a comunidade de pessoas com deficiência visual. Foi também um dos primeiros casos em que conseguimos aproximar grupos, reunindo redator, diretor de arte, diretor de criação da agência e o cliente com uma pessoa cega na mesma reunião. 

Em serviços de consultoria, validamos o roteiro e discutimos cenas para evitar o reforço de estereótipos. A comunicação direta entre a equipe criativa e os consultores é essencial para não termos abordagens equivocadas. Um exemplo tangível desse processo foi o conhecimento da coroa de cartolina clássica do Burger King pelo público com deficiência visual, que antes desta campanha era desconhecida. 

Qual é o maior desafio que as empresas enfrentam atualmente quando falamos de acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência? 

Inicialmente, o primeiro desafio ainda é o convencimento, principalmente em termos de atitudes. Mesmo quando há a vontade de implementar acessibilidade, pode haver resistência, seja por falta de compreensão ou por questões internas, como lideranças que ainda não foram completamente persuadidas. Portanto, o processo inicial envolve conscientização e convencimento, apresentando argumentos positivos relacionados a negócios e reputação, para mostrar que investir em acessibilidade é benéfico para todos. 

Após superar essa barreira atitudinal, os desafios tornam-se mais operacionais. Por exemplo, muitas vezes, as empresas expressam o desejo de implementar acessibilidade, mas não sabem por onde começar. Nossa abordagem envolve desenhar soluções que atendam ao contexto atual, ao mesmo tempo em que consideramos o legado a longo prazo. Procuramos garantir que a acessibilidade não seja uma iniciativa única, mas algo incorporado continuamente. 

Quais são os argumentos de convencimento que vocês utilizam com os clientes? 

Em primeiro lugar, ao tornar a mensagem acessível, ela atinge um público mais amplo, aumentando o potencial de alcance, o que pode resultar numa maior conversão de vendas. Além disso, criar uma mensagem mais diversa e representativa é crucial, pois o público moderno é mais atento e criterioso, buscando empresas alinhadas com seus valores. Isso impacta diretamente na reputação, tanto com o público final quanto com stakeholders, especialmente em um contexto em que investidores valorizam ações atreladas à agenda ESG. 

A acessibilidade também estimula a criatividade, abrindo possibilidades de formatos e mensagens mais diversas desde o início, diferenciando a marca dos concorrentes. A construção da imagem como uma marca empregadora, que se preocupa em se comunicar e representar diversas pessoas, também contribui para atrair e reter talentos. 

Além dos benefícios positivos, há questões de prevenção, como cumprir a lei para evitar multas e processos. Manter uma reputação positiva é vital, pois experiências negativas têm um impacto mais duradouro que as positivas. A acessibilidade não se limita apenas à porcentagem de pessoas com deficiência, mas é um conceito que se aplica a todos os seres humanos, resultando em produtos, serviços e campanhas melhores. 

Como você descreveria seu estilo de liderança? 

Ao longo desses sete anos, busco criar um ambiente de trabalho baseado em respeito às pessoas e ao tempo delas, oferecendo acolhimento e flexibilidade. Para mim, o tempo é a coisa mais preciosa que temos. Mesmo antes da pandemia, eu já questionava a necessidade de um expediente de oito horas. Ao trabalharmos remotamente, compreendi as diferenças entre o trabalho síncrono e assíncrono, organizando agendas para permitir que as pessoas trabalhem no horário em que se sentem mais produtivas. 

Meu estilo de liderança busca respeitar o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, onde todos possam desfrutar de uma vida saudável. Evito reuniões excessivas. Elas precisam ter objetivos claros e serem produtivas. A flexibilidade é crucial não apenas para pessoas com deficiência, mas para todos. 

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