Dados, transparência e consistência: os três passos da inclusão na visão de Gabriela Augusto
CEO da consultoria Transcendemos conta como tem ajudado empresas a serem mais diversas
Dados, transparência e consistência: os três passos da inclusão na visão de Gabriela Augusto
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Marina Vergueiro
3 de julho de 2023 - 15h55
Eleita pela Forbes Under 30 como uma das pessoas que mais se destacam com menos de 30 anos, Gabriela Augusto é empreendedora social e fundadora da consultoria Transcendemos, especializada em Diversidade e Inclusão. Através de sua empresa, já ajudou marcas como Amazon, Nestlé e Disney a iniciarem processos de implementação de políticas de inclusão, ações de aquisição de talentos e de educação corporativa, bem como mudança de processos internos.
Beneficiária do programa ProUni, Gabriela é formada em Direito pela PUC-SP com especialização em Design Thinking pela Ecos e decidiu guiar sua carreira através do ativismo corporativo a partir do momento em que ao buscar empresas nas quais gostaria de trabalhar, não encontrou profissionais como ela. “Eu entendi, enquanto estava na universidade – que foi quando eu passei pela minha transição de gênero – que o preconceito é, de fato, um dos grandes problemas da nossa sociedade atual. E eu passei a me dedicar a isso exclusivamente. Ou inclusivamente.”
Confira a entrevista.
Quem é você? De onde você veio?
Eu sou uma mulher negra e sou uma mulher trans.
Sobre esse último ponto, eu sou a primeira pessoa trans a ser reconhecida na lista Forbes Under 30 aqui no Brasil. Me orgulho bastante disso. Eu acho que a gente precisa ocupar esses espaços.
Além da Forbes, eu recebi outros reconhecimentos, como 50 Mulheres de Impacto pela Bloomberg Línea. Recebi reconhecimentos como LGBTQ+ Achievement Award da consultoria McKinsey & Company.
E hoje me orgulho de alguns números que eu e a nossa equipe aqui da Transcendemos temos alcançado. Eu sou fundadora da Transcendemos, que é uma empresa de consultoria em diversidade e inclusão. E nós temos mais de 320 empresas atendidas, não só aqui no Brasil, mas em vários outros países da América Latina como Argentina, Chile e México. Eu já fiz mais de 750 palestras sobre os mais variados temas de inclusão, liderança inclusiva, igualdade de gênero, questão LGBT. Enfim, hoje me dedico única e exclusivamente a ajudar outras organizações a se tornarem mais inclusivas.
Mas se a gente voltar um pouquinho no tempo, eu devo dizer também que eu sou formada em Direito pela PUC, sou especialista em Design Thinking pela Ecos e venho de uma família bastante simples. Minha mãe estudou até a quarta série do ensino fundamental, meu pai concluiu ensino médio somente, trabalhou grande parte da vida em trabalhos informais. Foi bastante difícil essa trajetória inicial de conseguir uma bolsa de estudos na PUC, onde só consegui estudar porque fui beneficiária do ProUni. E como fruto dessa política afirmativa, eu consegui me instrumentalizar para promover uma mudança na sociedade.
Eu entendi, enquanto estava na universidade – que foi quando eu passei pela minha transição de gênero – que o preconceito é, de fato, um dos grandes problemas da nossa sociedade atual. E eu passei a me dedicar a isso exclusivamente. Ou inclusivamente.
Quando você soube que a sua carreira seria guiada pelo ativismo?
Quando eu passei pela minha transição de gênero, comecei a olhar para as empresas onde eu queria trabalhar e eu não vi pessoas parecidas comigo. Eu também passei a vivenciar diariamente, ou pelo menos semanalmente, a transfobia na pele. Eu fiquei profundamente arrasada com isso.
A minha vida virou de cabeça pra baixo depois da transição. De um lado foi bom, mas de outro, eu passei a vivenciar violências que eu não conhecia antes. E isso me motivou a fazer alguma coisa pra mudar o cenário. Eu pensei “o que eu posso fazer pra que outras pessoas não passem por isso que eu estou passando agora”? Pra que a gente tenha mulheres que possam viver num mundo com menos assédio, que a gente possa ter pessoas LGBTs que possam viver num mundo com menos LGBTfobia? Eu preciso botar a mão na massa e promover algum tipo de mudança na sociedade. Mas uma coisa importante que eu percebi foi o seguinte. De um lado nós temos um ativismo, uma militância nas universidades, né? Movimentos sociais importantes que estão promovendo reflexões, estão promovendo mudança na sociedade de maneira geral. Mas notei que tinha um gap no mundo corporativo pra um outro tipo de ativismo. Pra uma conversa em um outro tom. E foi aí que eu me especializei na promoção da diversidade e inclusão no contexto de negócios, que é algo completamente diferente de um ativismo universitário. É complementar, mas é bem diferente do trabalho que eu faço na empresa.
Na empresa, a gente precisa ser estratégico pra conquistar o coração das pessoas sem cair em polêmicas desnecessárias. A gente quer, de maneira objetiva, promover letramento, informação e conhecimento sobre o assunto, mas sem criar barreiras e muros. Eu sempre digo aqui na Transcendemos que o nosso princípio é criar pontes e não muros. Então, a gente não entra numa empresa pra apontar dedo, pra falar sobre a culpa das pessoas, sobre o preconceito. Não, a gente não fala sobre culpa, a gente fala sobre responsabilidade. A gente não aponta dedos. A gente conquista pessoas pra se tornarem aliadas de uma cultura de respeito.
Segundo a ANTRA (Associacão Nacional de Travestis e Transexuais), 90% das mulheres trans têm a prostituição como fonte de renda. O que você acredita que é preciso ser feito pra mudar esse cenário?
A gente precisa ter, de um lado, políticas públicas, pra que o Estado consiga apoiar populações mais vulneráveis. Por exemplo, aqui em São Paulo, um dos exemplos é o Transcidadania, um programa de apoio à população trans em maior vulnerabilidade, por meio do qual se oferece uma bolsa em dinheiro, formação e uma série de coisas. Acho que existe uma responsabilidade do poder público. Mas o meu objeto de atuação é iniciativa privada. Eu acredito que as empresas têm um papel muito importante nesse cenário. As empresas precisam, inicialmente, se posicionar, demonstrar que diversidade e inclusão é uma prioridade pra esses negócios. Mas não só se posicionar, não só comunicar isso. É preciso fazer. Nesse ponto, acho que cultura é o primeiro investimento, na sequência é preciso investir no desenvolvimento desses talentos, education recruiting, vagas afirmativas, atrair essas pessoas para processos seletivos também. Assim, a gente tira essas pessoas que estão em empregos informais, que estão muitas vezes no trabalho sexual. A gente traz humanidade para essas pessoas por meio do emprego.
Qual é a atuação da consultoria Transcendemos?
A Transcendemos é uma empresa de consultoria que ajuda outras empresas a se tornarem mais inclusivas. Ajudamos uma empresa a efetuar um diagnóstico sobre quais são suas principais barreiras, seus principais desafios sobre inclusão. E a partir desse diagnóstico, trazemos um plano do que pode ser melhorado, do que pode ser mudado. E esse plano pode envolver implementação de políticas de inclusão, mudança de processos, ações de aquisição de talentos e ações de educação corporativa. E sobre esse último ponto, é o segundo pilar da Transcendemos. Nós somos bem conhecidas nossas ações de aprendizagem. Nós fazemos palestras, treinamentos, workshops. Mais recentemente, lançamos uma solução que batizamos de Empresa de Respeito. Por meio dessa plataforma, as organizações assinam o serviço e passam a ter acesso a dois importantes entregáveis. Um deles é um assessment, um diagnóstico com plano de ações. O outro é o desenvolvimento de conteúdos de conscientização e letramento que são produzidos mensalmente e que podem ser veiculados internamente nas empresas que fazem parte da plataforma. Também as empresas que atingem um determinado nível na avaliação recebem a certificação Empresa de Respeito, para aquelas que têm uma maturidade nesse assunto.
Quais são os benefícios de uma empresa ser mais diversa e inclusiva?
São vários. Inicialmente eu diria que inovação e criatividade, na medida em que a gente tem pessoas com diferentes visões, diferentes trajetórias de vida, pensando nos produtos e serviços desenvolvidos por esse negócio, então isso é uma vantagem. Outra vantagem é o aumento do engajamento, porque se a gente tem um lugar onde as pessoas são livres para serem quem são, essas pessoas vão trabalhar com um sorriso no rosto. Se elas vão trabalhar com um sorriso no rosto, é natural que elas se engajem mais nas suas tarefas. Isso se reflete em uma maior produtividade. Mas de outro lado, isso também se reverte em decisões de compra de consumidores. As pessoas querem comprar de empresas que têm uma responsabilidade social. Isso tem a ver com a reputação da marca, traz bons negócios. Diversidade e inclusão estão relacionadas com a performance financeira de uma empresa. Acho que tudo isso leva a um ciclo virtuoso que faz com que os negócios prosperem cada vez mais.
Qual você diria que é a maior dificuldade das empresas em relação à inclusão das pessoas trans?
Eu acho que tem uma coisa de desenvolvimento, de impulsionar esses talentos para que eles alcancem posições de liderança. Porque de maneira geral, pessoas que fazem parte de grupos sub-representados, e aí eu menciono pessoas trans, que estão em posições de suporte, de base. Não queremos só isso, não queremos a diversidade só na equipe de limpeza, diversidade só na posição de analista. Queremos diretoria trans, gerência trans, que a diversidade esteja uniformemente distribuída dentro de uma empresa.
Quais são os passos que uma empresa deve seguir para se tornar mais diversa e mais inclusiva?
Eu sempre digo que um programa de diversidade e inclusão de sucesso é baseado em três pilares. O primeiro deles são dados. É necessário obter dados confiáveis sobre como as pessoas estão se sentindo em determinado lugar e quais as barreiras que elas vivenciam no dia a dia. Uma estratégia de diversidade e inclusão de sucesso é baseada em dados. O segundo pilar é transparência. Precisamos conduzir as ações de diversidade e inclusão das nossas empresas de modo transparente. É necessário mostrar para as pessoas o porquê estamos fazendo aquilo, aonde queremos chegar. Manter as pessoas informadas sobre o que de fato está acontecendo. E o terceiro ponto é a consistência. Eu acho que as empresas não devem pensar em diversidade e inclusão só em uma data do ano, só em junho, quando se concentra a maior parte dos investimentos nisso. É necessário ter isso uniformemente distribuído ao longo do ano. Ações consistentes de letramento, desses monitoramentos de dados de diversidade e inclusão. É preciso fazer sempre e fazer bem.
Quais as marcas que você já atendeu na Transcendemos?
A gente se orgulha de trabalhar com a 99 dos aplicativos de transporte, com a Cirela, Nestlé, General Electric, Disney, L’Oreal, Amazon, entre outras.
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