O que a liderança precisa aprender com quem cuida do futuro
Educar filhos em um mundo de rápidas transformações tem me ensinado mais sobre liderança, inovação e propósito do que qualquer manual de gestão
O que a liderança precisa aprender com quem cuida do futuro
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16 de junho de 2025 - 12h37
(Crédito: Shutterstock)
Equilibrar carreira e maternidade ainda é, para muitas mulheres, um campo de prova diário. Um levantamento realizado em 134 países pela London School of Economics em parceria com a Universidade Princeton mostra que 24% das mulheres deixam o mercado de trabalho no primeiro ano após o nascimento do primeiro filho. E, uma década depois, 15% seguem afastadas.
Não se trata de falta de competência, mas de uma estrutura que ainda exige que sejamos as mesmas profissionais de antes, “apenas” com uma jornada invisível a mais. Em cargos de liderança, essa pressão é ainda mais intensa. O espaço para falhar é menor. O julgamento, mais rápido. E a cobrança, muitas vezes silenciosa, é a de provar o tempo todo que se é capaz de entregar como se nada tivesse mudado.
No meu caso, mudou tudo. Me tornei mãe de dois meninos gêmeos, da geração Alfa, nativos digitais, nascidos num mundo veloz, conectado e hiperestimulante. Mas, ao contrário do que muitos supõem, a maternidade não me desconectou da minha carreira, nem desacelerou minha trajetória. Refinou meu olhar. Me mostrou que liderar pessoas e criar filhos compartilham uma base em comum: intenção, escuta e coragem.
Essa convivência com uma geração que já nasceu no digital me forçou a me atualizar. Não apenas em ferramentas, mas em mentalidade. Aprendi a pensar o futuro com mais responsabilidade e a escutar com mais profundidade. Se em casa ensino respeito, curiosidade e colaboração, no trabalho procuro aplicar os mesmos valores. Foi nesse cotidiano, entre decisões profissionais e conversas infantis, que percebi como educar e liderar têm muito em comum.
A partir dessa vivência, comecei a perceber o quanto subestimamos as habilidades desenvolvidas na vida pessoal quando falamos de liderança no mercado. Gerenciar crises, tomar decisões rápidas, lidar com múltiplas prioridades e manter o foco no que realmente importa são práticas cotidianas de muitas mães, e também competências cada vez mais exigidas em ambientes inovadores.
No setor de games, onde atuo, essas habilidades se tornaram centrais. A indústria exige adaptação constante, pensamento estratégico e sensibilidade para ler cenários em transformação. E, embora 51% dos jogadores brasileiros com mais de 16 anos sejam mulheres, apenas 29,8% dos profissionais que atuam no setor se identificam como tal. A discrepância entre presença e protagonismo ainda é gritante.
O desafio de permanecer, crescer e liderar nesse ambiente se soma à estatística revelada por outro levantamento, da Catho: no Brasil, seis em cada dez mães estão fora do mercado de trabalho. Entre as que permanecem, só 15% ocupam cargos de liderança. É um retrato claro de um sistema que não foi desenhado para a realidade de quem precisa dividir o tempo entre decisões de negócio e febres noturnas.
Mas se o mercado ainda olha com dúvida, a prática mostra outra coisa. A maternidade aguçou minha escuta, minha capacidade de priorização e minha leitura de contexto. Me ensinou a agir com mais intenção e a liderar com mais humanidade. E isso não me afastou da inovação. Me aproximou dela.
Liderar, hoje, é muito menos sobre controle e muito mais sobre criação. É sobre sustentar ambientes onde talentos crescem com segurança e propósito. É sobre formar times que performam não só porque têm metas, mas porque entendem por que fazem o que fazem.
Esse tipo de cultura não se cria com fórmulas prontas. Se constrói com consistência, vulnerabilidade e visão de longo prazo. Valores que aprendi dentro e fora de casa, e que carrego todos os dias no meu trabalho.
Quando penso no futuro da liderança, não penso em dar conta de tudo. Penso em redesenhar o que significa “dar conta”. Penso em uma estrutura que permita que mais mulheres, com ou sem filhos, ocupem seus espaços com liberdade e inteireza. Penso em lideranças que não precisam esconder suas camadas para serem levadas a sério. E em um mercado que entenda: quem cuida do futuro também deve ter lugar para moldá-lo.
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