Paula Trabulsi: “Saí da frente das câmeras e fui para trás delas”
A cineasta e fundadora do coletivo Asas fala sobre sua carreira e como passou de apresentadora de telejornal da Globo a diretora de filmes publicitários no Brasil
Paula Trabulsi: “Saí da frente das câmeras e fui para trás delas”
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Michelle Borborema
7 de julho de 2022 - 11h32
Cineasta, fundadora do coletivo Asas e sócia do cinema Petra Belas Artes (Crédito: Divulgação)
Mais velha de quatro filhas de uma família matriarcal bem forte, de italianos e libaneses, Paula Trabulsi diz que nunca gostou do caminho do meio. “Sempre fui roots e cosmopolita ao mesmo tempo. Tenho um revestimento de capital, mas sei ler nuvem e rebanhar bicho. Tudo o que não queria era o médio. Ou estou em uma super metrópole, ou no mato.”
Também não há caminho do meio em sua carreira: a alta exposição dos primeiros anos deu lugar a uma atuação de sucesso nos bastidores, como diretora de produções audiovisuais. Se hoje ela não gosta de aparecer, o começo de sua trajetória profissional, como apresentadora de um telejornal da atual EPTV Campinas, afiliada da Globo, passando pelo Jornal Hoje e TV Globinho, ajuda a responder o porquê. “Com 19 anos eu dava autógrafos na rua, mas me deslumbrei e bati a cara jovem o suficiente para querer sair de frente das câmeras e ir para trás delas. Entendi também sobre os encontros de verdade, e como ter ternura para tê-los”, conta a executiva.
Após a experiência como apresentadora, ela passou a trabalhar em grandes agências de publicidade e produtoras até fundar em 2005 seu próprio negócio, a Bossa Nova Filmes, onde permaneceu na liderança ao lado de cinco sócios até 2014. Com o aumento dos investimentos e o plano de expansão da empresa por meio de projetos de entretenimento, Paula sentiu que era hora de fazer aquilo que acreditava: apoiar a produção de filmes, de publicidade ou não, que inspiram e proporcionam reflexões mais profundas. Assim foi fundado o coletivo Asas.
A Asas começou como uma produtora de projetos audiovisuais, e hoje se posiciona como um coletivo internacional de inteligência criativa que ajuda marcas, projetos e pessoas a construírem conteúdo para linguagens midiáticas que vão além das telas e das telonas. A empresa acumula no portfólio produções nacionais e globais, como Pai, por Guga Kuerten (2013); Beco das Garrafas (2015); Marias (2016); O incerto lugar do desejo (2019) e #AsMulheresQueMeHabitam (2021).
“Nosso trabalho é profundo, não é volume que procuramos. Vivemos um momento de ‘fat media’, onde temos muito conteúdo ao nosso redor, mas a maioria não nos nutre, só serve para nos deixar obesos. Então existimos para criar projetos de multinarrativas que inspirem e movam a sociedade para lugares mais duradouros, plurais e diversos. Somos um núcleo de resistência”, comenta.
Paula foi uma das primeiras diretoras de filmes de publicidade no Brasil, e a primeira no México. Dirigiu mais de 2 mil comerciais para anunciantes como Unilever, Honda, McDonald’s, Itaú, Shell, Petrobrás, Perdigão, entre outros, e ganhou seu primeiro Leão em Cannes com o filme “Bye Bye Love”, da agência DM9DDB para Dunkin’ Donuts, em 1991.
Com o extenso currículo e os diversos prêmios nacionais e internacionais, ela chegou a uma conclusão: são as brechas de oportunidade com propósito que a interessam nos negócios. No comando da produtora, ela diz ter autonomia para identificar necessidades do consumidor ainda pouco exploradas pelo mercado que estejam alinhadas com os valores do coletivo. Para isso, ela conta com muita intuição e com o exercício de olhar constantemente para o outro.
“Cheguei até aqui pela soma de ter um olhar muito atento para onde estão essas frestas, e minha intuição virou minha ferramenta mais refinada e afiada. À medida que amadurecemos, ela fica mais certeira. Adoro aprender com outro. Sou determinada, mas não sou aquele tipo de cabeça dura que não olha para o lado. Adoro que o outro me faça mudar de ideia e me acrescente.”
Exemplo das brechas de Paula é Constanza e Marilu, sucesso no YouTube com interações entre a empresária e consultora de moda italiana Constanza Pascolato e a artista plástica argentina Marilu Beer, uma amizade que existe desde os anos 60. Os encontros trazem muitas conversas irreverentes, espontâneas e inspiradoras. Lançada em 2013, a série de mini-episódios foi o primeiro projeto de Asas e já carregava esse olhar para o encontro entre oportunidade de mercado e propósito.
“Ninguém falava de etarismo ainda, mas estávamos lá, identificando o que hoje é uma tendência e um perfil importante de consumidor. Lembro que me questionava: ‘onde estão as sábias?’, e foi em uma conversa com Mônica Waldvogel, Constanza e Marilu que pensei: ‘que delícia esse papo, queria que minhas irmãs ouvissem isso. Queria que minha família ouvisse isso… na verdade, queria que todo mundo ouvisse isso’. E aí caiu a ficha. Na época, me perguntaram se eu ia mesmo apostar em um programa com apenas duas senhoras, se não ia colocar uma jovem no meio”, lembra.
DAS TELONAS PARA A PALMA DA MÃO
Segundo Paula, o audiovisual mudou profundamente do início da sua carreira para cá, sobretudo a partir do momento em que passamos a consumir conteúdo em vídeo no celular. “Antes, a imagem era lugar dos artesãos, de quem rebobinava filme. Para produzir filmes publicitários, você precisava de muito dinheiro. Cada três minutos e meio de lata eram cobrados em dólar, e ‘ai de você’ se não fizesse certo. No cinema, isso era muito forte. Na transição da película para vídeo, já houve uma virada no jeito de fazer imagem, mas quando o vídeo passou a cair no celular, ele se tornou uma linguagem de fato, e hoje domina o mundo. Depois disso, todos viraram produtores de conteúdo”, diz.
A cineasta também associa o audiovisual à sociologia: “É uma das coisas mais profundas que aconteceram sociologicamente no mundo. Hoje nos comunicamos e produzimos imagens e, com isso, lemos subjetividades que não líamos antes. A sutileza, a abstração e os detalhes que já integram a nossa mente com essa mudança são incríveis. Você consegue compor a partir de si mesmo”.
Paula também é sócia do cinema Petra Belas Artes, em São Paulo, desde o movimento de reabertura do grande ícone cultural do audiovisual da capital. Ela foi convidada por André Sturm, que buscava alguém para o investimento. Coincidiu com o período em que ela havia saído da Bossa Nova Filmes e desejava ter um investimento cultural importante.
MATURIDADE COM PROPÓSITO
Entre sua cidade-natal Campinas, São Paulo e a fazenda do avô no Pantanal, para onde ia pelo menos quatro vezes por ano na juventude, Paula criou as bases para sua personalidade irreverente, curiosa e profunda. Em meio a risos, lágrimas e pausas demoradas para reflexão, ela conta como foi estar na vanguarda como uma mulher diretora de filmes de publicidade no Brasil, mas sua emoção parece surgir mesmo quando fala onde mora seu desejo hoje: acelerar o propósito das pessoas por meio de projetos humanistas.
Novamente, o propósito volta à pauta. Para a executiva, ele parece atravessar negócios e vida pessoal: “Abri este ano com a seguinte questão: qual legado queremos deixar para além da nossa existência? Para responder essa pergunta, precisamos pensar em um tempo muito além do nosso e considerar filhas, netas e bisnetas para entender como podemos chegar a uma sociedade mais igual”, diz.
Ela faz sua parte. É integrante de três coletivos de mulheres no audiovisual brasileiro e participa de grupos de judias e árabes. O mais importante, conta, é defender a possibilidade de profissionais femininas estarem em evidência na indústria. “Nossa luta é para que mais mulheres estejam nos palcos, atrás e na frente das câmeras. Precisamos de diretoras, roteiristas, atrizes e produtoras. Devemos ter sororidade e empoderar a outra, porque as dores são parecidas há muitos anos. E é impressionante como demora. As mudanças ainda são muito difíceis de serem feitas, mesmo em 2022. “
Mas a cineasta encara a missão para além do feminino. “Os desafios do mundo estão cada vez mais terríveis, porque estamos em decadência. Há muita dor. Sinto que estamos num período de nevoeiro, de pandemia emocional. Por isso, precisamos abraçar cada vez mais projetos sociais. Claro que não podemos fazer tudo, mas é possível contribuir. E as empresas têm um importante papel nisso, pois as instituições e os governos não estão dando conta”, diz.
DESEJO E CURIOSIDADE
Quando fala de arrependimentos, Paula diz que sua “curiosidade compulsiva” atrapalhou sua vida pessoal e familiar em alguns momentos. “Estou sempre estudando, em busca de conhecimento e de coisas que possam me compor, e faço isso com muita voracidade. Minha curiosidade é quase obsessiva. E não falo isso com orgulho, porque o desequilíbrio disso me fez agir com minha família, com amores e amigos de um jeito que agora faria diferente. Hoje, tento buscar o equilíbrio”.
Sem se dar tanta conta, Paula talvez tenha outra resposta para sua compulsão quando comenta sobre a diferença entre as jornadas do herói e da heroína, tema do projeto Linha do Desejo, desdobramento do documentário O incerto lugar do desejo, dirigido por ela. “Quando falamos desse caminho para o homem, ele tem que passar por vários desafios. A jornada de heroína de uma mulher, ao contrário, é realizar todos os desejos dos outros antes dos dela. Mas ela se empoderar dos seus desejos é libertador e a chave fundamental para uma sociedade com equidade. Por isso, nossa pergunta nesse trabalho é: o que você deixou para trás para ser quem você é?”
Curiosa, cheia de propósitos e com um olhar atento para o ângulo das pessoas que ninguém está notando, Paula parece nunca ter abandonado seus desejos ao longo da vida, seja na frente ou atrás das câmeras. “Sou sapiossexual [atração sexual ou romântica por pessoas inteligentes]. Me seduzo pela inteligência do outro.”
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