Quando a urgência bate à porta
O feminicídio, essa palavra que carrega em si um país inteiro de omissões, voltou ao centro do debate público

(Crédito: Reprodução)
Nos últimos dias, o Brasil acordou novamente diante de manchetes que parecem não cessar: mulheres assassinadas, vidas interrompidas, histórias que não tiveram chance de continuar. O feminicídio, essa palavra que carrega em si um país inteiro de omissões, voltou ao centro do debate público não apenas pelos números, mas pelas vidas que foram brutalmente arrancadas de seus caminhos.
Diante desse cenário, milhares de mulheres (e alguns homens) ocuparam as ruas de São Paulo e de outras capitais neste domingo, 7, em marcha. Marcharam por justiça, por memória, por políticas públicas, por educação. Marcharam, sobretudo, para lembrar o óbvio que ainda teima em não ser entendido: o feminicídio não é um problema das mulheres. É uma falha estrutural da sociedade.
E se é estrutural, é de todos nós. É necessário que se entenda que silêncio também mata. Que “não é comigo” é parte do problema. Que não existe neutralidade quando vidas estão em risco.
A luta contra o feminicídio não será vencida apenas com mulheres marchando. Será vencida quando os homens se dispuserem a rever comportamentos, confrontar amigos, desnaturalizar piadas, romper pactos silenciosos e assumir seu papel na mudança cultural que este país tanto precisa.
Somos parte de uma indústria que constrói narrativas, que molda repertórios, que dita tendências simbólicas e emocionais. Diariamente, fabricamos imaginários. E imaginários são decisivos para transformar comportamentos ou perpetuar violências.
Se há algo que aprendemos nas discussões atuais sobre confiança, propósito, emoção e impacto cultural é que não existe neutralidade na comunicação. Toda peça, toda campanha, toda fala institucional, mesmo as que parecem “apenas vender um produto”, carregam valores, espelham crenças, reforçam estruturas.
Como indústria, precisamos nos perguntar: Quais imaginários estamos reforçando? Que masculinidade estamos ajudando a construir? Como estamos educando, ainda que de forma indireta, milhões de pessoas todos os dias?
A resposta não pode ser protocolar. Ela precisa ser transformadora. E passa por alguns caminhos. O primeiro deles é reescrever o papel dos homens nas narrativas, mostrando masculinidades plurais, afetivas, responsáveis, que cuidam sem questionar seu lugar no mundo.
O segundo ponto de reflexão aqui é a necessidade de desnaturalizar a violência simbólica. Clichês, estereótipos e “humores inofensivos” são a base de sustentação da violência extrema. Precisamos ter coragem de romper com eles. Terceiro: usar o alcance das marcas para educar. Somos um país onde a educação e a inclusão são emuladas pelo consumo. Marcas são hoje, segundo o Trust Barometer, da Edelman, instituições mais confiáveis do que governos e mídia. Isso não é detalhe: é responsabilidade histórica.
Quarto ponto: Desenvolver políticas internas coerentes. Não adianta campanhas brilhantes se, dentro das empresas, mulheres seguem inseguras, silenciadas ou não acreditadas.
E por, fim, mas não menos importante: colocar o tema no centro, e não apenas no calendário. Feminicídio não é pauta de março. É pauta de agora. De ontem. De amanhã. Enquanto uma só mulher morrer pelo fato de ser mulher, estamos falhando coletivamente.