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Opinião

Quando o corpo muda antes da carreira

Mais do que um processo biológico, a menopausa marca uma travessia simbólica na vida das mulheres que ainda é ignorada, silenciada ou mal compreendida no trabalho


9 de junho de 2025 - 12h38

(Crédito: Shutterstock)

Durante muito tempo, falamos sobre a carreira da mulher como uma jornada linear. Entrar, crescer, equilibrar e liderar. Como se todas passássemos pelos mesmos estágios, nas mesmas idades, com os mesmos desafios. Mas a verdade é que há um marco profundo e pouco discutido que transforma a trajetória profissional de muitas de nós e que ainda segue à margem das conversas: a menopausa.

Para algumas, ela chega de surpresa. Para outras, dá sinais durante anos, numa fase chamada perimenopausa, que pode começar ainda antes dos 40. Os sintomas vão muito além dos conhecidos calores: insônia, ansiedade, lapsos de memória, queda de energia, mudanças de humor, insegurança, nevoeiro mental. Tudo isso num momento em que, muitas vezes, já ocupamos posições de liderança, temos times sob nossa responsabilidade e somos referência para outras mulheres.

É como se o corpo dissesse: “você precisa parar um pouco para se escutar”. Mas o mercado respondesse: “não pare, não fraqueje, não mostre”. E aí começa o grande conflito.

Eu sei porque vivi isso. Tive menopausa precoce aos 34 anos, em plena ascensão da minha carreira. Quando os sintomas começaram, achei que estava sobrecarregada, estressada, fora de foco e só depois de muitas consultas e questionamentos internos entendi o que estava acontecendo. Foi um susto, não só biológico, mas emocional e profissional.

Sentir o corpo mudar tão cedo, sem ter com quem conversar sobre isso no ambiente de trabalho. Foi como atravessar uma fronteira invisível e solitária. A produtividade caiu, a autoconfiança oscilou, a energia parecia acabar antes do dia terminar. Mas o mais difícil não foi o que senti, mas a sensação de que não havia espaço para sentir. Que eu precisava seguir em silêncio, fingindo que nada estava acontecendo quando, na verdade, tudo tinha mudado. Inclusive eu.

A menopausa ainda é tratada como um tabu no mundo corporativo. E não é exagero: segundo um artigo do The Guardian, 1 em cada 10 mulheres pedem demissão por causa dos sintomas do climatério. O mesmo artigo fala que 63% dizem que isso impacta negativamente sua carreira. E essas são só as que sabem nomear o que estão sentindo.

Raramente se fala no impacto real que a transição hormonal tem na performance, na confiança e no bem-estar de mulheres maduras. Como se o silêncio resolvesse, ou se esconder fosse mais confortável do que acolher. O ponto é: a menopausa não é doença ou decadência. E muito menos sinônimo de fim.

Ela pode, sim, ser difícil. Mas também pode ser libertadora. É um ponto de virada que convida ao autoquestionamento: o que faz sentido agora? O que já não cabe? O que posso deixar morrer para algo novo nascer?

Profissionalmente, pode ser o momento de virar a chave. Mudar de área, assumir outro tipo de liderança, investir em um projeto com mais propósito. Ou, simplesmente, começar a se colocar no centro da própria história, depois de tantos anos de entrega, cuidado e dcontenção.

É por isso que as empresas que queiram, de fato, promover a equidade de gênero precisam também incluir a menopausa na pauta de cuidado. Não como exceção, mas como parte natural da vida de qualquer equipe diversa. Isso significa repensar políticas de saúde, abrir espaço para conversas abertas, treinar lideranças para escuta ativa e, acima de tudo, validar a experiência como um ativo, e não como um risco.

Porque é justamente nesse momento que muitas mulheres atingem um novo patamar de clareza, foco e autonomia. Quando a régua do que vale a pena muda, a energia também muda. E isso é a maturidade virando potência.

Se estivermos prontos para ouvir, e não apenas acolher, mas reconhecer, o mercado como um todo tem muito a ganhar.

Porque quando a menopausa entra em cena, muita coisa se transforma. E, entre todas as transformações possíveis, talvez a mais bonita seja essa: deixar de pedir licença para existir. E começar, enfim, a liderar do nosso próprio jeito.

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