Código de Defesa e Inclusão do Consumidor Negro é resposta ao racismo no varejo de luxo
A visão de lideranças por trás das normas antirracistas propostas pela L’Oréal Luxo em parceria com o Movimento pela Equidade Racial (Mover)
Código de Defesa e Inclusão do Consumidor Negro é resposta ao racismo no varejo de luxo
BuscarA visão de lideranças por trás das normas antirracistas propostas pela L’Oréal Luxo em parceria com o Movimento pela Equidade Racial (Mover)
Lidia Capitani
30 de maio de 2025 - 8h37
(Crédito: Shutterstock)
Em abril deste ano, a L’Oréal Luxo lançou o Código de Defesa e Inclusão do Consumidor Negro em parceria com o Movimento pela Equidade Racial (Mover) e a Black Sisters in Law. Trata-se de um documento sem validade jurídica que propõe dez normas para combater o racismo no mercado de luxo. A iniciativa é uma resposta à pesquisa realizada pela marca de beleza no ano passado, que encontrou 21 formas de discriminação que o consumidor negro sofre no segmento de produtos premium.
“91% dos consumidores negros das classes A e B entrevistados já sofreram racismo dentro das lojas de luxo em todo o Brasil”, afirma Bianca Ferreira, head de comunicação e diversidade, equidade e inclusão da L’Oréal Luxo. “Isso mostra que o racismo não está ligado à classe social. Mesmo com poder aquisitivo e pertencendo àquele ambiente, essas pessoas não são tratadas como consumidoras. Elas são desrespeitadas, discriminadas e violentadas”, continua.
A pesquisa “Racismo no Varejo de Beleza de Luxo”, proposta pela L’Oréal Luxo em parceria com o Estúdio Nina, buscou entender a experiência dos consumidores negros das classes mais altas no varejo de luxo, pois, como pontua Bianca, eles compõem uma grande parcela deste público: “Hoje, com a melhora na pirâmide social, 37% da população das classes A e B são negras, segundo o Instituto Locomotiva. Então, não dá para ignorar esse consumidor”, defende.
Segundo a pesquisa, em média, cada consumidor negro vivencia 9 dos 21 dispositivos racistas identificados no levantamento. O estudo detalha várias manifestações específicas e ainda traz resultados concretos sobre sua incidência:
– 55% sentiram que foram olhados de maneira julgadora;
– 51% sentiram que foram atendidos com desdém ou com um atendimento monossilábico;
– 54% não foram atendidos ou demoraram muito para serem atendidos, com outras pessoas passando a sua vez;
– 74% se sentiram vigiados em alguns estabelecimentos;
– 69% lhes falaram de descontos, parcelamentos, promoções e condições de pagamento sem que perguntassem;
– 57% lhes ofereceram uma opção de produto ou serviço mais barata do que a que pediram ou estavam interessados;
– 47% sentiram que as propagandas na loja não os representavam.
Para além das atitudes listadas acima, outras formas de discriminação elencadas pelo estudo foram pedidos de revista de bolsas sem justificativa, ausência de atendentes negros, uso de linguagem infantilizada ou excesso de intimidade, falta de produtos específicos para pessoas negras e falta de conhecimento sobre a pele e cabelos de pessoas negras.
“São questões muito subjetivas, porque o racismo também opera no silêncio. Ele te faz duvidar: ‘Será que isso está acontecendo mesmo?’. E isso faz parte da natureza da ação discriminatória”, explica Natália Paiva, diretora-geral da Mover. Como consumidora deste mercado, Dione Assis, advogada e fundadora do Black Sisters in Law (grupo de advogadas negras), sempre enfrentou essas microagressões, mas não sabia nomeá-las como racismo. “Quando a L’Oréal trouxe isso para mim, percebi que enfrento isso todo dia e nunca tinha falado sobre porque achava que era menor. Só que racismo é racismo, não existe um mais ou menos, ele machuca do mesmo jeito”, pontua.
“Quando isso acontece, cerca de metade dessas pessoas nem finaliza a compra e nem volta ao estabelecimento. Ou seja, tem um impacto direto na dignidade das pessoas, mas também nos negócios”, complementa Paiva. Afinal, conforme a pesquisa constatou, elas são uma parte representatividade do público do mercado de luxo: 40% dos consumidores de fragrâncias são mulheres negras. “O fato de uma parcela significativa dos seus consumidores ter uma péssima experiência de compra deveria ser uma preocupação central para qualquer negócio”, continua a executiva.
“A nossa Constituição Federal, de 1988, trouxe pela primeira vez a obrigatoriedade de uma lei que defendesse e protegesse o consumidor. Então, em 1990, foi publicado o Código de Defesa do Consumidor que temos em vigor hoje”, explica Dione Assis. “Agora, esse código trata especificamente das violências vividas pelo consumidor negro? Não. Desde a sua redação original até hoje, nunca houve qualquer previsão específica de proteção ao consumidor negro”, adiciona.
Dione Assis, advogada e fundadora do Black Sisters in Law (Crédito: Divulgação)
Há quem possa questionar a necessidade de dispositivos que assegurem a proteção do consumidor negro, uma vez que o código já prevê normas anti-discriminação. Porém, Dione já responde: “Sim, é necessário. Porque, desde sua primeira versão, o código já trazia previsões reconhecendo que certos consumidores têm características que aumentam ainda mais a sua vulnerabilidade, e, por isso, precisam de regras específicas”. Ela menciona, por exemplo, a existência de regras específicas sobre publicidade e propaganda para as crianças e também normas para o público idoso, que foram adicionadas posteriormente.
Apesar de não ter validade legal, o Código de Defesa e Inclusão do Consumidor Negro é uma iniciativa que atualiza a discussão. “Acreditamos que ele tem um valor não só moral e ético, mas também imperativo para um bom negócio”, destaca Natália. “E não tem valor legal ainda, mas nada impede que futuramente se proponha uma alteração legislativa para incluir essa camada extra de proteção para o consumidor negro, assim como já foram implementados outros dispositivos que citei antes”, complementa Dione.
A partir dos 21 dispositivos racistas encontrados na pesquisa, foram desenvolvidos dez normas que compõem o Código de Defesa e Inclusão do Consumidor Negro. “Estes protocolos incluem desde treinamento e letramento racial para os vendedores, até garantir representatividade, tanto de vendedores quanto nas campanhas. Ou seja, passar a mensagem de que aquele produto e serviço é para todo mundo”, pontua Natália.
Natália Paiva, diretora-geral da Mover (Crédito: Divulgação)
Entre as propostas, estão o letramento racial dos atendentes para erradicar vieses e práticas racistas, sejam verbais ou não verbais; a garantia da livre circulação e manuseio dos produtos por tais consumidores; a exigência de provas inequívocas de delito antes da abordagem para revista; a garantia de representatividade racial entre os funcionários atendentes; a obrigação de garantir representatividade na comunicação visual (publicidade); a obrigação de manter estoque de produtos que atendam às características específicas de consumidores negros (tons de pele, tipos de cabelo); e a exigência de capacitação técnica de funcionários para atender o consumidor negro, considerando suas especificidades e necessidades.
O código foi uma ação do Afroluxo, iniciativa da L’Oréal Luxo para combater o racismo neste setor. “Em setembro do ano passado, lançamos o Pacto AfroLuxo de Enfrentamento ao Racismo, uma coalizão entre a indústria, a L’Oréal, e nossos clientes varejistas, para enfrentar o racismo juntos”, explica Bianca. Além deste documento, o grupo já promoveu uma série de ações nesse sentido, incluindo a pesquisa citada e a formulação de protocolos de atendimento para acabar com a discriminação racial nos pontos de venda, pois, conforme a pesquisa aponta, o principal agente ofensor é o atendente.
“Das dez normas do código, todas as que dizem respeito ao atendimento já estão sendo adotadas na L’Oréal. Nosso time de força de vendas, por exemplo, já recebeu treinamentos sobre o protocolo de atendimento antirracista muito antes do código ser oficial”, destaca a head. “Também estamos auditando e capacitando nossa força de vendas, e implementamos o Black Mystery Shopper, um cliente oculto negro que traz um viés racial para identificar a incidência dos dispositivos racistas no varejo”, continua.
Bianca Ferreira, head de comunicação, diversidade e sustentabilidade da L’Oréal Luxo (Crédito: Divulgação)
Apesar de trazer normas focadas no mercado de luxo, o código é abrangente o suficiente para ser adaptado para outros setores e indústrias. “O que trazemos no código é um convite para que as empresas adotem essas normas como regulamento interno. Para isso, elas precisam se debruçar sobre cada norma. Muitas dizem respeito ao atendimento, mas várias exigem ações concretas da própria empresa. Por exemplo, garantir a disponibilidade de estoque adequado de produtos para a população negra: essa é uma responsabilidade que a empresa deve criar e se comprometer a cumprir”, ressalta Bianca. Na L’Oréal, a empresa expandiu em 50% a oferta de tons de base para a pele negra nos produtos da Lancôme.
O objetivo principal deste código é inspirar a autorregulação das empresas, lojistas e de toda a cadeia produtiva. “O nosso olhar é um chamado à responsabilização e à ação das empresas. Na esfera pública, se isso vai virar lei ou não, é uma discussão mais de longo prazo, mas temos muita urgência para enfrentar o racismo agora”, conclui a head a L’Oréal. O documento está disponível no site da Black Sisters in Law e da L’Oréal.
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