Quais são as novas apostas das marcas de saúde?
Lideranças femininas de empresas e agências do segmento discutem as estratégias usadas para criar campanhas relevantes no setor
Apesar dos grandes desafios, como a forte regulamentação e a seriedade do tema, o setor de saúde segue se consolidando com grandes marcas que se destacam na publicidade. A EMS Farmacêutica lidera o ranking dos 300 maiores anunciantes do mercado brasileiro de 2024, elaborado pela Kantar Ibope Media e publicado com exclusividade por Meio & Mensagem. De um ano para o outro, a empresa saltou da oitava para a primeira posição com aportes de R$ 1,4 bilhão, alta de 91%. De acordo com o levantamento da InFigures, o mercado farmacêutico da América Latina pode crescer mais de 22% até 2027.
Frente a um contexto da comunicação marcado pela hiperconectividade, a avalanche de informação e a fragmentação da atenção, a publicidade precisou se adaptar, principalmente no segmento da saúde. “Nessa economia da atenção, onde empresas e marcas disputam um espaço na mente das pessoas, é muito difícil chamar atenção para temas realmente relevantes”, afirma Patrícia Odenbreit, diretora de atendimento da InPress Porter Novelli.

Patrícia Odenbreit, diretora de atendimento da InPress Porter Novelli (Crédito: Divulgação)
“Não é à toa que o humor e o entretenimento são os assuntos mais consumidos nas redes. As pessoas procuram isso como válvula de escape para o que já vivem no dia a dia. Elas não querem falar de problemas futuros ou possíveis, que é justamente o que a gente mais trata no ambiente da saúde, com a prevenção”, continua.
Abordagem humanizada
Por isso, uma das estratégias usadas pelas agências e clientes do setor é trazer o tom de leveza para as conversas. “Uma coisa que tem mudado bastante é como contamos a história. Precisamos trazer emoção, propósito. Uma tendência bem forte que observamos são as narrativas reais, histórias de pessoas, para criar conexão”, pontua Gabriela Zorzi, diretora executiva de negócios da Publicis Brasil.

Gabriela Zorzi, diretora executiva de negócios da Publicis Brasil (Crédito: Divulgação)
Uma campanha que leva esse mote é a “De Carona”, para GSK, estrelada por Mônica Martelli e Ingrid Guimarães, que trata sobre o herpes zoster e foi desenvolvida pelas agências InPress Porter Novelli e Publicis Brasil. São três episódios de conversas descontraídas com convidados diferentes: o ator Marcelo Faria, que já teve a doença, o médico Drauzio Varella e a atriz Edvana Carvalho.
Trazer figuras de autoridade e credibilidade é outra estratégia usada pela indústria. Seja para trazer informações importantes, desmistificar assuntos complexos ou criar conexão, os porta-vozes atuam como pontes de contato e conexão com o público. Para além das celebridades e artistas, médicos e pacientes também exercem essas funções para as marcas.
Para falar da herpes zoster de maneira mais humorada, as agências criaram uma campanha com o Porta dos Fundos, estrelada pelo Drauzio Varella, chamada “Reunião de rebranding”. O vídeo traz os humoristas João Vicente e Thati Lopes apresentando uma campanha de rebranding da própria herpes zoster.
A Medley usa a mesma tática ao se apropriar o território dos esportes para falar sobre prevenção. “Nossa estratégia se baseia em três pilares: eficácia, saúde física e mental, e esportes”, aponta Valéria Borghi, head de branding da Medley. “Há mais de quatro anos, trabalhamos com o conceito ‘Eficaz em tudo o que faz’, com o Rodrigo Hilbert como porta-voz. Ele é conhecido como ‘eficaz em tudo o que faz’, mas destaca que quem realmente é eficaz em fazer medicamentos é a Medley”, continua.

Valéria Borghi, head de branding da Medley (Crédito: Divulgação)
Em uma pesquisa, a marca identificou que uma parcela da população coloca o esporte como uma maneira de cuidar da saúde física e mental. Por isso, a Medley, desde 2023, entrou como patrocinadora do Comitê Olímpico Brasileiro. “Em 2023, lançamos um filme com a Rebeca Andrade falando abertamente sobre saúde mental e o impacto desse tema em sua carreira. Continuamos com ela até o ano passado e, neste ano, ampliamos com novas atletas da ginástica, como a Júlia Soares e a Lorrane Oliveira”, conta Valeria.
Como o setor é altamente regulado, muitas vezes as marcas não podem simplesmente anunciar a venda de certos produtos como medicamentos e vacinas. Por isso, precisam buscar alternativas, como campanhas de causa e conscientização, que focam na educação e na prevenção. O Grupo Sabin, de medicina diagnóstica, por exemplo, criou uma exposição para celebrar os 40 anos, chamada “Odisseia pelo Corpo Humano: Transformando Ciência em Cuidado”, que aconteceu em Brasília.
“A exposição funcionava como uma nave que entrava no corpo humano, mostrando células, órgãos, e como o corpo reage à imunização e às doenças. Era uma imersão didática e acessível, com tecnologias a favor da saúde, e um espaço sobre nossas ações sociais para comunidades vulneráveis”, conta Andrea Pinheiro, diretora de relações institucionais e comunicação corporativa do Grupo Sabin.

Andrea Pinheiro, diretora de relações institucionais e comunicação corporativa do Grupo Sabin (Crédito: Divulgação)
A Sanofi também criou uma exposição que ocorreu no museu Catavento, em São Paulo, chamada “Nosso Corpo, Nosso Mundo: Uma Aventura Imunológica”. “Um dos nossos desafios de comunicação deste ano era reforçar nosso posicionamento como líderes em imunociência. Então, pra nós, falar sobre imunologia e ajudar as pessoas a entenderem o que é o sistema imunológico era muito importante”, explica Márcia Goraieb, diretora de comunicação e responsabilidade social corporativa da Sanofi.
A exposição tinha uma área dedicada a contar a história de Carlota, uma menina com dermatite atópica. “O visitante entrava no quarto dela e tinha a sensação de estar pequenininho, no mundo dela. Isso fez com que muita gente, principalmente quem tem a doença, se identificasse”, conta a diretora. Estratégias como essas trazem o paciente para o centro da comunicação, focando nos aspectos emocionais.
Para Regina Moura, diretora de comunicação corporativa da Roche, uma estratégia forte e muito usada pela marca é trazer histórias verídicas para a narrativa. “É muito difícil fazer uma campanha sem trazer um paciente para o centro. Por isso, trabalhamos com comunidades médicas, associações de pacientes e outros parceiros, para contar histórias reais e importantes para contar. Só assim a campanha informa, empodera e leva a uma ação concreta em saúde”, afirma.

Regina Moura, diretora de comunicação corporativa da Roche (Crédito: Divulgação)
Conteúdo e mensagem
Para as marcas que não podem anunciar diretamente seus produtos, a conscientização e a prevenção são as saídas. Muitas focam em campanhas de “awareness” sobre doenças, sintomas e tratamentos de doenças complexas ou pouco conhecidas. Associado a este ponto está o letramento em saúde, que foca desmitificam informações falsas e desinformação. Tais mensagens precisam focar na transparência e credibilidade das fontes para fortalecer a reputação da indústria.
Por isso, a produção de conteúdo é uma das muitas táticas utilizadas pelas marcas. Um exemplo recente é da Roche, que criou “O Tempo é Cura”, uma série de entrevistas para o streaming e via branded content, para falar sobre o câncer de mama, em parceria com o Uol. “Abordamos desde a prevenção até a importância do diagnóstico precoce e as possibilidades de tratamento que muitas pessoas ainda não conhecem”, diz Regina Moura.
“Convidamos pessoas com legitimidade: médicos, associações de pacientes e especialistas. Todos debatem o câncer de mama sob diferentes óticas, mas sempre construindo uma narrativa de prevenção, diagnóstico e tratamento que pode levar à cura ou a uma vida com mais qualidade”, continua.
A EMS também criou um hub de conteúdo para o produto Lacday, com foco na desmistificação da enzima lactase e da intolerância à lactose, já que um dos grandes desafios da marca era ensinar o público o modo correto de usar o medicamento. Como forma de aumentar o engajamento e uso adequado, a EMS também criou o clube de fidelização LacLovers.
“Paramos de falar na TV sobre remédio, até porque enzima não é remédio, é um alimento funcional, e passamos a comunicar o clube de vantagens Laclovers. Criamos uma promoção ‘leve 3, pague 2’, que dá direito a 180 comprimidos e acesso a um aplicativo com descontos em comida congelada, consultas com nutricionista, personal trainer e outros benefícios”, explica Cinthia Ribeiro, diretora da unidade de negócios OTC da EMS.

Cinthia Ribeiro, diretora da unidade de negócios OTC da EMS (Crédito: Divulgação)
Canais e formatos
Assim como o Grupo Sabin e a Sanofi criaram exposições imersivas, os anunciantes estão buscando novas formas de entrar em contato com o consumidor.
A Sanofi criou outra ativação interativa para falar sobre uma condição pouco conhecida: a anosmia, quando a pessoa para de sentir cheiros. “No ano passado, fizemos a campanha ‘Desafio da Jujuba’. Criamos kits para influenciadores: potinhos de bala de goma, prendedor de nariz e venda para os olhos. A ideia era comer a jujuba sem ver a cor nem sentir o cheiro, e tentar descobrir o sabor, o que é impossível, porque o sabor é definido pela essência, e sem olfato você só sente açúcar”, explica Marcia.
Este ano, a marca levou a ação para os metrôs de São Paulo, na mesma dinâmica. “Teve gente que descobriu que não sentir cheiro não era normal. Uma pessoa disse: ‘eu achava normal não sentir cheiro depois de certa idade’. Ela saiu de lá decidida a marcar um médico”, continua.
“Se eu pudesse resumir, comunicação em saúde só é eficaz, só é bem-sucedida, quando a gente consegue combinar o rigor científico e técnico, que uma comunicação como essa exige, com empatia e diversidade de formatos e canais, sempre pensando em todos os públicos”, reflete a diretora da Sanofi.

Márcia Goraieb, diretora de comunicação e responsabilidade social corporativa da Sanofi (Crédito: Divulgação)
Para além da Sanofi, a Medley também está experimentando incluir os influenciadores e o TikTok em sua estratégia de comunicação. “Queríamos gerar conexão com esse público, que é mais jovem, mas também se preocupa com a saúde. Essa foi uma forma nova e diferente de trabalhar a comunicação dos genéricos, que têm um portfólio amplo, inclusive para doenças crônicas, mas que também precisam começar a dialogar com os mais jovens”, explica Valeria.
Outra campanha que foi além do vídeo clássico foi a ativação de GSK no bloco da Pabllo Vittar durante o carnaval deste ano. A missão era falar de prevenção de forma completa e abordar testagem, camisinha, PrEP (profilaxia pré-exposição), PEP (pós-exposição) e uma novidade, a PrEP injetável de longa duração, uma injeção a cada dois meses, já disponível no SUS.
“A gente não fala só do que interessa, mas leva informação de qualidade sobre todas as opções. Para isso, trabalhamos no trio elétrico da Pabllo Vittar”, conta Patrícia. A cantora anunciou a ação nas redes sociais e abordou o tema durante o evento, esclarecendo dúvidas e informando sobre prevenção.
Papel social
A saúde mental também tem sido um território fértil para a comunicação das marcas de saúde. A Medley criou uma assistente virtual, a Cássia, para ser um hub de conteúdo sobre saúde mental, com o objetivo de orientar a população sobre como buscar ajuda e como reconhecer os primeiros sinais.
“Para ampliar essa conversa, levamos a Cássia ao ponto de venda, em parceria com a RD e a Impulso, braço de retail media do grupo RD Saúde. Essa ação alcançou mais de 85 mil pessoas no PDV, levando informação e apoio sobre saúde mental”, conta a líder.
Se antes a linguagem trazia um tom de alerta, hoje, as campanhas de saúde focam na prevenção e na promoção de qualidade de vida. Por isso, as marcas têm focado em ações de conscientização, buscando inovação nos formatos, canais e mensagens. “Para mim, a beleza de uma campanha de awareness está em não ser só informativa. Se você só informa, mas não ajuda a pessoa a se empoderar, perde a oportunidade social. E a indústria farmacêutica pode, e deve, prestar esse serviço”, defende Regina.
Entretanto, nem toda estratégia combina com o anunciante. “Cada marca tem um papel, e cada uma se comunica de um jeito com seu consumidor. Sempre digo: muita gente na agência traz propostas criativas e diferentes, mas é preciso entender se cabem naquela marca”, reflete Cinthia. “Muita gente acha que, para ser diferente, tem que ser engraçado. Não. Para ser diferente, você deve entender seu consumidor”, finaliza.