Marketing

Impactos de paralisia e pausa na gestão de negócios

Professor Zeca de Mello, da FDC, contrapõe o conceito de “paralisia frenética” da sociedade atual, ao de “pausa como momento ético”

i 6 de outubro de 2025 - 6h00

Zeca de Mello, professor de ética da Fundação Dom Cabral

Zeca de Mello, professor de ética da Fundação Dom Cabral: crítica à sociedade do cansaço e à estética do liso (Crédito: Eduardo Lopes/ Máquina da Foto)

Professor da Fundação Dom Cabral (FDC) há mais de uma década – hoje leciona ética -, Zeca de Mello foi um dos destaques deste ano no Marketing Network Knowledge (MNK), evento promovido anualmente pelo Meio & Mensagem, em parceria com a FDC.

Formado em filosofia e teologia (graduações exigidas a todos os sacerdotes católicos), Zeca, ao deixar a batina, fez um MBA em gestão e desde quando ainda cursava essa pós-graduação já percebia anseios de muitos colegas de turma sobre assuntos que não compunham a grade dos MBAs tradicionais até então, especialmente relacionadas a questões socioambientais e humanas. Muitos colegas, lembra ele, enfrentavam também dilemas de carreira.

As atividades como professor, que ele já exercia desde os primeiros anos de seminário, voltaram-se mais para o mundo dos negócios, desde que passou a compor o rol de educadores da FDC. E em suas aulas ele explora alguns conceitos que impactam tanto a gestão de negócios quanto a vida do cidadão, por trás do profissional de marketing.

Paralisia frenética

Zeca acredita que existe hoje entre as pessoas uma “crise de sentido”, inclusive como “direção”. Isso porque num mundo tão acelerado pela lógica digital a direção vem sendo substituída pela velocidade.

“Trago a imagem da roda do hamster, que todo mundo conhece. E brinco que essa imagem se realizou profeticamente durante a pandemia. Veja nós agora, estamos imóveis nós dois (a entrevista ocorreu online), mas acelerados. Tem que estar paradinho aqui, disciplinado”, afirmou o professor, para explicar, em seguida as implicações do conceito de “paralisia frenética” que domina a sociedade atual.

Entre os impactos, diz, estão a exigência da superprodutividade e a intensificação de mecanismos mais extremos de vigilância das pessoas, até por meio de softwares criados para tal, inclusive no mundo corporativo.

O professor cita o filósofo sul-coreano Byung-Chun Han como um crítico da sociedade hiperconectada, sob monitoramento constante e refém do dataísmo ou “da idolatria do dado e da informação”, uma vez que a vida acontece “na surpresa, no não dito”.

“Como eu falo, acontece na rachadura, na crise, no imprevisto. Isso é uma visão profundamente teológica, que perpassa toda a obra do Byung: a crítica à sociedade da transparência, à sociedade do cansaço, da estética do liso. E está muito ligado com essa ideia da paralisia frenética, que é mostrar os paradoxos. Vivemos numa sociedade hiperacelerada, mas paralisada, como na roda do hamster.”

Pausa e ética

Se a paralisia está imbuída de uma carga negativa, de estagnação, a pausa, por sua vez, tem lugar positivo nos ensinamentos do professor da FDC.

Ele descreve a pausa como “um momento ético por excelência” e as fissuras, imperfeições e espaços de vulnerabilidade como locais de onde a verdade surge, de fato. Mas, o mundo dos negócios, muitas vezes procurava evitar tudo isso ou, justamente, evitava pausar para ver.

Agora, diz Zeca, a história tem mudado e o C-level compreende essa necessidade. Especialmente, uma vez que 8,5 milhões de pessoas deixaram seus empregos voluntariamente no Brasil, em 2024, segundo dados do Ministério do Trabalho.

“Há uma rachadura em todas as coisas. Só não vê quem não quer”, argumenta. E demonstra “esperança” nessas rachaduras como espaços por onde “a explosão da verdade passa”, já citando outro filósofo: o nigeriano Bayo Akomoláf.

“Esses momentos são de epifania. A gente não quer ver, então cabe a mim, como professor, apontar, botar o dedo justamente na ferida. A palavra vulnerabilidade vem disso, de ferida. Vulnera, em latim, é ferida. Vumos, é ferimento, machucado. Nós estamos todos. A condição humana é essa, claudicante. A condição humana é tropeço e me interessa esse tropeço”, afirma Zeca.

Com isso, seu papel, quando leciona – em turmas cada vez maiores – é promover em seus alunos da escola de negócios a reflexão sobre onde estão as rachaduras em suas organizações. Assim como, nos estilos de liderança atuais, quem tem coragem de encará-las de frente. Pois, alerta, somente por meio de uma atenção maior a essas fissuras, irregularidades e vulnerabilidades é que as transformações mais profundas acontecem.

O que demanda dos profissionais do mercado um exercício de sair do automatismo e aceleração de um mundo no qual as interações todas têm sido mediadas por telas e superfícies planas e lisas que, não raro, têm escamoteado a verdade.