Efeito imediato da crise do metanol é a generalização da desconfiança
Roberto Kanter, economista e professor de MBAs da FGV, analisa os impactos iniciais do caso sobre o consumo, marcas e varejo
O Brasil está em alerta desde que os primeiros casos decorrentes de possível intoxicação por consumo de bebidas alcoólicas vieram à tona. Até o momento, mortes e hospitalizações foram confirmadas majoritariamente no estado de São Paulo, com ocorrências também em Pernambuco.

Com recomendações da suspensão de bebidas alcoólicas no País, desconfiança cresce e exige posicionamento das marcas (Crédito: Roman Fenton/Shutterstock)
O maior risco está associado à ingestão de destilados, como vodka, whisky e gin. Apesar disso, a recomendação é de que a população suspenda o consumo de bebidas alcoólicas de qualquer tipo até que as investigações alcancem conclusões mais assertivas.
Em nota, a Associação Brasileira de Bebidas Destiladas (ABBD) lamentou os episódios e afirmou que “segue atuando de forma propositiva, colaborando com autoridades e instituições parceiras para proteger a sociedade, valorizar o setor produtivo formal e garantir um ambiente de negócios mais seguro e competitivo.”
“É fundamental distinguir o setor produtivo formal — que segue rigorosos padrões de qualidade, segurança e conformidade regulatória — do mercado ilegal. O avanço do mercado ilegal de bebidas alcoólicas no Brasil representa uma ameaça grave à saúde pública, fragiliza a arrecadação tributária e alimenta a cadeia do crime organizado”, indica o comunicado.
Outras empresas e entidades, como Pernod Ricard e o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), também emitiram seus posicionamentos. Já bares e restaurantes vêm utilizando seus perfis oficiais nas redes sociais para reforçar o compromisso com a segurança dos clientes.
Em entrevista à reportagem de Meio & Mensagem, Roberto Kanter, economista e professor de MBAs da FGV, traça os reflexos da crise para o curto prazo, impactos para o varejo em um semestre crucial para os negócios e recomendações sobre a transparência das marcas.
Meio & Mensagem – Ainda que, até o momento, a imprensa ou o próprio Ministério da Saúde não tenham divulgado as marcas ou bebidas envolvidas no caso de adulteração de bebidas com metanol. Como essa dúvida, por parte do consumidor, afeta o segmento como um todo? Há uma tendência de interrupção do consumo de todo tipo de bebida alcoólica?
Roberto Kanter – O efeito imediato é a generalização da desconfiança. Sem saber quais bebidas estão envolvidas, o consumidor passa a questionar todo o setor. Marcas menos conhecidas são as mais atingidas, pois não conseguem sustentar confiança no mesmo nível. Já as grandes e mais conceituadas sofrem menos, porque possuem padrões de segurança e controle de qualidade mais sólidos. Ainda assim, precisam ser transparentes e orientar o consumidor sobre como identificar uma garrafa original, reforçando credibilidade.
M&M – Em termos de marca e vendas, quais são os impactos imediatos para as empresas do segmento? E para o ecossistema como um todo, envolvendo bares e restaurantes?
Kanter – As marcas mais fortes tendem a atravessar a crise com impacto reduzido, justamente pelo histórico de qualidade e distribuição confiável. Porém, bares e restaurantes — especialmente os focados em drinks — sentem mais fortemente, porque o cliente fica inseguro em relação à procedência da bebida que está sendo servida. Isso atinge diretamente o ticket médio e a frequência, prejudicando o giro do negócio.
M&M – O mercado já lida com um consumidor desconfiado, sobretudo na era das redes sociais. O caso tende a intensificar este cenário?
Kanter – Sem dúvida. O consumidor já está atento à autenticidade do que consome, e o episódio intensifica a cautela. A diferença é que, neste momento, até marcas consolidadas precisam reforçar a comunicação de segurança. Redes sociais ampliam a desconfiança e qualquer ruído pode se transformar em crise. O desafio não é apenas manter a reputação, mas evitar que a insegurança derrube a disposição de compra.
M&M – O segundo semestre é um período crucial para o varejo e, consequentemente, para as empresas de bebidas. De alguma forma o caso pode refletir nas vendas até novembro e dezembro?
Kanter – Sim, sobretudo porque a indústria já abastece o mercado para Black Friday e festas de fim de ano. Mesmo que as marcas consolidadas consigam segurar a confiança, a retração em bares, restaurantes e eventos pode reduzir o ritmo de vendas. O setor de drinks e coquetelaria é o mais exposto, pois depende diretamente da percepção de segurança no ato do consumo.
M&M – Algumas das companhias que fornecem bebidas alcoólicas no País ainda não se posicionaram sobre o assunto. A que se deve o silêncio a seu ver?
Kanter – O silêncio é estratégico, para evitar declarações precipitadas sem dados concretos. Mas há um limite: se a demora se prolongar, a falta de posicionamento pode ser interpretada como omissão. As grandes marcas deveriam aproveitar o momento para reforçar práticas de segurança e mostrar transparência, antes que a narrativa fique fora do controle delas.
M&M – O que as marcas podem fazer para evitar uma crise de reputação mais ampla? Quais seriam as estratégias mais eficazes neste momento?
Kanter – O movimento certo é comunicação proativa: abrir processos de verificação, reforçar selos de qualidade e ensinar o consumidor a identificar embalagens originais e canais de compra confiáveis. Mostrar os bastidores do controle de produção fortalece a relação de confiança. Uma ação coletiva do setor também é eficaz, sinalizando união e compromisso com segurança. Quanto maior a transparência, menor o espaço para especulação e mais clara a diferenciação em relação a produtos clandestinos.