Assinar

Análise de Entertainment: sua história precisa ser maior que você

Buscar

Cannes Lions

17 a 21 de junho de 2024 | Cannes - França
Cannes

Análise de Entertainment: sua história precisa ser maior que você

Alexandre Peralta avalia os insights das categorias de entretenimento do festival, incluindo música e esportes

Meio & Mensagem
24 de junho de 2019 - 14h58

Alexandre Peralta, fundador da Séries Para Marcas

Alexandre Peralta (Crédito: divulgação)

1. Um jogador se recusa a levantar em reverência à bandeira americana, em protesto contra a brutalidade da polícia nas ruas. 2. Um homem, negro, corre. Não da polícia, mas simplesmente porque está atrasado. As duas sinopses poderiam fazer parte de uma mesma história. Mas não são. A primeira se refere ao case que ganhou Grand Prix em Entertainment Lions for Sport – “Nike Dream Crazy”. A segunda, ao case que venceu o Grand Prix em Entertainment Lions for Music – “Bluesman”.

Há muito mais coincidências entre esses cases além do fato de os dois terem levado Grand Prix no Festival de Cannes desse ano. Embora um venda tênis e o outro venda um álbum, ambos fazem muito mais do que vender: se colocam, com atitude e coragem, ao lado de uma opinião. E, quando uma marca assume uma opinião, ela faz o que toda marca precisa fazer hoje em dia se quiser conversar de verdade com pessoas: se humaniza.

Muitos anunciantes diriam que o tema da violência policial não é um assunto deles. Não a Nike. A Nike conseguiu enxergar na polêmica uma associação clara com o que ela pensa e fala: “Dream Crazy”. E, assim, decidiu estampar bem grande em sua campanha a foto do Colin Kaepernickem, jogador pivô da polêmica. A própria marca assumindo a atitude que ela prega.

https://www.youtube.com/watch?v=Fq2CvmgoO7I

Conseguimos imaginar as pessoas que aprovam dizendo “Não, por favor, vamos ficar fora dessa discussão. Vamos focar no nosso produto que é o que precisamos”. Mas ficar fora dessas discussões, hoje, é ficar fora do game. Toda marca precisa estar disposta a narrar histórias que não são apenas sobre ela. Isso é o que esses dois cases – e outros vencedores da categoria Entertainment esse ano – trazem em comum.

“Dream Crazy” e “Bluesman” não têm medo de tomar partido em uma discussão mesmo em tempos de redes sociais. É sempre mais confortável se posicionar ao lado da maioria. Difícil é desafiar a maioria. “Por que o Ouro vale mais? Por que ele é mais raro que a prata? A prata é um metal puro”, provoca “Bluesman” em um determinado momento do vídeo fazendo a analogia com a pele negra. “Então o branco vale mais porque os negros são maioria?”

Em vez de falar sobre o compromisso que tem com profissionais de saúde, a Johnson & Johnson apoiou um documentário sobre as enfermeiras heroínas que cuidaram dos primeiros pacientes de Aids em San Francisco, dando afeto e carinho, numa época de desinformação, em que ninguém queria chegar perto desses pacientes por causa do preconceito e do medo de contágio. Em vez de falar (“Nós valorizamos os profissionais de saúde”), narrar. Gostou? Os jurados também: deram Grand Prix.

Wendy’s entrou em um dos games mais assistidos de todos os tempos para destruir os freezers de hambúrgueres das lanchonetes dentro da história. Por quê? Wendy’s não trabalha com bifes congelados. Será que se a rede tivesse apenas feito um anúncio dizendo “Não trabalhamos com bifes congelados”, teria conseguido gerar o mesmo impacto cultural? Não. E não é por acaso que esse case – o “Keeping Fortunite Fresh” – foi Silver Lion em Entertainment.

Ainda em videogame, que hoje é uma indústria maior que a de filme e de música juntas, uma outra oportunidade foi bem aproveitada. A de chamar atenção, através de um jogo, sobre a diferença salarial entre trabalhadores homens e mulheres. A Vivo se juntou a diversos gamers para criar um jogo chamado “E-quality”, onde um time obtinha 32% menos dinheiro que o outro dentro do jogo fazendo as mesmas coisas – a mesma diferença salarial que existe entre os homens e as mulheres no mundo real.

São todos cases com atitude, temas fortes, de marcas que não têm medo de entrar em uma discussão maior do que elas próprias. Histórias onde a conexão cultural acaba sendo inevitável. Não é só sobre promover uma marca; é sobre promover um desconforto na sociedade. Não é só sobre lançar uma música; é sobre lançar uma discussão. O que tem mais valor? Apresentar um novo álbum ou ressignificar a cultura negra ao mesmo tempo em que você faz isso?

Particularmente, eu senti falta de cases também como “The Beauty Inside”, “Beyond The Money” e “The Wolf”, que têm a dramaturgia como motor. Mas parece que o recado que os jurados quiseram dar esse ano foi um só: se você quer que a sua marca não seja só mais uma marca, que o seu produto não seja só mais um produto, entre tantos outros, narre algo maior que você.

Publicidade

Compartilhe