Cannes Lions

Luiz Sanches: agências estão no “survival mode”

Chief creative and design officer global da Kimberly-Clark analisa momento de transição da criatividade para dentro das estruturas dos clientes e os motivos que têm levado a isso

i 17 de junho de 2025 - 20h27

Luiz Sanches

Luiz Sanches é o atual CCO da Kimberly-Clark (Crédito: Celina Filgueiras)

Desde janeiro deste ano, Luiz Sanches faz parte do time da Kimberly-Clark como chief creative and design officer global da multinacional de bens de consumo. E, nesses primeiros meses, já começou a imprimir sua influência na comunicação de algumas das principais marcas da empresa. Como a criação do Kleenex Score, em parceria com o IMDb, plataforma sobre cinema, em que as pessoas podem classificar os filmes de acordo com a emoção despertada – logo, a quantidade de lencinhos de papel necessários para enxugar as lágrimas – ou o Drops of Hope, para a marca de absorventes Poise, em que mulheres morando em lugares remotos dos EUA, com pouco acesso à saúde, enfrentavam incontinência urinária, especialmente no período da menopausa, sem saber dos sintomas. A marca ajudou que muitas delas diagnosticassem isso ao enviar pelo serviço postal um absorvente usado para análise da urina (detectando até outras questões de saúde, como infecções e diabetes).

Participando do Cannes Lions esta semana, Sanches, agora do lado anunciante do balcão, falou ao Meio & Mensagem sobre a mudança de carreira, a convite da também brasileira Patricia Corsi, chief growth officer global da Kimberly-Clark (e com quem já havia trabalhado quando ela estava na Bayer e ele, na AlmapBBDO) e questões que têm afligido a indústria publicitária como um todo e as agências, especificamente, no ano em que o Brasil receberá, na cerimônia de encerramento, na sexta à noite, a homenagem como Creative Country of the Year. Essa é a primeira vez que o evento concede esse reconhecimento e a trajetória de Sanches contribuiu para o que o festival chama de “desempenho contínuo e excepcional no Cannes Lions”. Durante o tempo que que esteve na AlmapBBDO, a agência venceu em quatro ocasiões o título de Agency of the Year (2016, 2011, 2010 e 2000).

Ida para a Kimberly Clark

“Nunca tinha atuado no mundo corporativo. Eu não saberia respirar. Essa gentileza, parceria e humildade de ambos os lados de querer aprender e entender que para chegar do ponto A até o B talvez não seja uma linha reta, essa transformação não podia ser uma escola melhor. Hoje, sou um profissional melhor do que era há seis meses. No sentido de entender várias coisas, desconexões, conexões. Entender sobre valores internos: onde você pode reestabelecer cultura, criar transformações. Por onde começar, em que momento a criatividade pode ser um divisor de águas. E entender pessoas, isso aqui, no fim do dia, como a propaganda, também é um negócio feito por pessoas. Como você transforma… Não é aquela “bullshitagem” de “todo mundo é um time”. Não. É como você usa o melhor de cada um. Não é um time, é um supertime. No seu supertime você tem que usar a melhor parte de cada um. Todo mundo tem uma melhor parte. Me ajudou tirar uma arrogância que a gente tem na nossa indústria, de achar que é superior ao cliente. Acho que agora não é… Isso é um negócio que nunca foi feito. Trazer um criativo para dentro de uma empresa tão grande, com marcas tão presentes na vida das pessoas. Tem uma reinvenção no papel da criatividade, da indústria e estar fazendo parte disso hoje é uma honra para mim. Acordo todo dia, e o que a gente se diverte! Isso é uma coisa que estava deixando de fazer e foi sempre o que motivou minha vida nos últimos 30 anos: me divertir.”

Criatividade, performance, craft criativo e eficiência de escala

“A criatividade é o maior asset que existe nessa indústria. É um acelerador de escalar, multiplicar resultados. Deixou de ser o principal produto que nossa indústria criativa, de agências, entregava como benefício. Isso entregava maior valor agregado. Agora, existe uma transição: essa criatividade está indo para dentro do cliente. E a escala desse movimento é inimaginável. Como você pode usar a criatividade em todos os pontos de contato end-to-end e para mudar a cultura de uma empresa. Com a IA vindo, já está acontecendo, hoje tem um monte de algoritmos que separam as mensagens que existem e fazem isso pelos seus hábitos de consumo. Marcas com baixo valor emocional deixam de ser selecionáveis. E aí o algoritmo vai fazer uma competindo com a outra por margens muito pequenas. Vai ser preço versus preço. Em compensação, marcas que tiverem alto valor emocional agregado, que vem da criatividade, de como interpretar as marcas em todos os pontos de contato passam a ser marcas que o consumidor procura. E quando você tem um valor emocional agregado, as margens são maiores. Então, criatividade é multiplicável, escalável e o principal produto para fazer essa ponte entre as marcas e as pessoas.”

Falta de foco das agências

“Até outro dia eu era agência. De uma forma delicada, mas considerando que contra fatos não há argumentos, o que se vê é uma consolidação dessa indústria.  Você vê essa indústria às vezes esquecendo de citar a palavra criatividade. Mais preocupada em montar um complexo de “como” chegar lá e não de “o que” vai chegar lá. Vemos essa indústria perdendo um pouco de valor em termos de parceria estratégica com os clientes, porque se perdeu isso de olhar para o cliente como seu principal parceiro estratégico e vice-versa. Hoje, todo mundo está no “survival mode”. Como sobrevivo? Como trago receita para dentro das agências? A onda é IA. “Vamos lá!”. Daqui a pouco, estão as agências vendendo IA para os clientes. E não é sobre isso. É sobre parceria de visão estratégica e de criatividade que, sim, vai criar love brands. Posso enumerar marcas com as quais tive oportunidade de trabalhar que fizeram isso. Mas o que mais me chama atenção é quando olho toda essa indústria e vejo que do lado do cliente a criatividade é mais importante do que para a indústria que foi feita em cima de criatividade. Isso me assusta.”

Ponto de vista sobre a IA

“Poderia ficar falando horas a respeito. A IA pega tudo que existe e transforma numa coisa que é genérica. Vai mudar, na indústria de comunicação, o job description. Meu filho, de 19 anos, quer ser diretor de arte, minha filha, de 21, quer ser designer. Não é mais como você chega lá. O bem-feito, quando se chegava lá, era de um jeito. Agora, diz a respeito a quais perguntas você precisa fazer e qual sua visão para chegar no bem-feito. O que na sua mão a IA vai ter de diferente em relação a estar na mão de outra pessoa. Na verdade, não é muito diferente do que já aconteceu no passado, com o computador. A  diferença é a velocidade com que está mudando e a maneira como as pessoas estão absorvendo isso. Mas o que acontece é que está se padronizando tudo, o que era bom caindo e o que era ruim subindo, fica tudo medíocre, não no mau sentido da palavra, mas do mediano. Isso é um perigo. E para a gente, como interpretar isso criativamente, é um outro lado. De repente, o que era bem-feito no craft não é mais a linguagem. É preciso usar criatividade para achar outros ângulos. E, hoje, nossa indústria de propaganda está com tanto medo, tanto medo, tanto medo, que não está usando e experimentando o novo. Porque está vendo a IA como uma coisa que vai tirar o valor. O valor não está ali no como você faz, mas no que você vai fazer. Isso faz toda diferença. Estamos vivendo um momento delicioso. Os pontos que a gente deveria estar hoje realmente usando na indústria como pilares, estamos com medo. Tem vergonha de dizer que é publicitário. Faz o básico, põe uma folha de papel em branco na sua frente e coloca uma ideia numa linha. Isso é difícil para caramba. E a IA não vai fazer. Vai misturar isso, aquilo, e é tudo igual. Então, como é que você cria diferenciação? Esse é o papel da criatividade daqui para frente: criar diferenciação.”

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