Análise: Os dois GPS do Brasil são propaganda?
Diretor geral da M&M Consulting, Pyr Marcondes avalia a conceituação dos trabalhos brasileiros com premiação máxima no festival
Análise: Os dois GPS do Brasil são propaganda?
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20 de junho de 2019 - 8h52
Por Pyr Marcondes, diretor-geral da M&M Consulting
Vamos brincar de decupar? Vaaaamoooossss! Vi um montão de gente levantando a mãozinha aí. Eba.
Muito bem, turminha, então, vamos lá.
É comercial de TV? Nããããoo. É anúncio de Revista? Nããããoo. É outdoor? Nããããoo. É rádio? Nããããoo. É jornal? Nããããoo. É internet? Nããããoo. É promoção? Nããããoo. É live marketing? Nããããoo. ´É só ON? Nããããoo. É só OFF? Nããããoo.
Então o que é, o que é, gente??? Cerveja na faixa na cantiga no final da aula pra quem adivinhar!
Fato é que um dos GPs, o video clip para promoção do álbum Bluesman, do Baco Exú do Blues, inscrito na categoria Entertainment for Music, é aquele numa categoria não classicamente considerada propaganda. Voltamos a isso, mas tem pegadinha aqui, já aviso. Já o outro, “Air Max Grafitti Stories”, foi criado pela agência AKQA para celebrar o aniversário do modelo de tênis Air Max, da Nike, e ganhou seu prêmio na categoria Media, essa sim uma categoria clássica da indústria (embora, como veremos a seguir, o projeto está bem longe de ser um case de mídia clássico).
OK, e daí?
Daí que um (Exu) é um video clip engajado, porreta de amargor e revolta, preto retinto, que de tão preto vira prata, preto e prata a serviço de uma causa, causa a serviço de propósito, tudo em nome da arte. Tudo é blues.
Mas peraí! Responde pra mim aí, classe… É pra estimular as vendas do álbum Bluesman, do Baco Exú do Blues? Éééééé! Teve veiculação? Teveeeee! Foi agência que criou? Siiiimmm. Teve produtora que produziu ? Siiimmm! (Neste caso, congrats a produtora Stink Filmes pelo brilhante trabalho de fotografia, edição e linguagem).
Então, reserva.
Já o GP de Nike foi ganho na categoria Media, por uma empresa que nem mídia tem (insight do nosso editor Alê Zaghi Lemos, thanks Alê). Êita? Erraram então?
O Paulo Ilha, vice-presidente de mídia da DPZ&T e jurado brasileiro na categoria, virou a cabeça dos jurados lá e provou que o trabalho era, sim, mídia, que obedecia a todos e a cada um dos critérios que o festival considera para premiar na categoria, e não só isso, como exatamente por usar os critérios de forma brilhantemente diversa e fora da caixa, que mereceria o GP. Fora a causa.
Então, vamos lá (não esquecendo que a aula aqui é de decupação, hein turminha?). O projeto foi feito quando havia em São Paulo um movimento de pressão contra os grafites (propósito) e agência e marca convidaram grafiteiros para criar, em muros da cidade (mídia, sim mídia), peças com sua arte urbana (arte, guarde essa para uma discussão mais pra frente), que ilustrassem os modelos novos dos tênis Air Max da Nike (lançamento de produto na veia, certo?), que por uma ferramenta de geolocalização (tecnologia telecom e mobile integradas, certo?), quem estivesse na frente de cada um dos painéis grafitados, conseguiria receber um link (interatividade e ativação, certo?), que permitia a compra imediata, na web (conversão de venda no e-commerce, confere?) daquela nova linha, que ainda não havia chegado às lojas (fora o buzz de PR e redes sociais, certo?).
Parabéns ao Ilha pela defesa, sensacional! Mas o fato é que ele, como vimos aí acima, tem toda razão. Premiou-se uma peça que, obedecendo o todos os critérios do Festival, desobedeceu a todos os critérios do Festival.
Aproveitando aqui, parabéns também a genial equipe da AKQA pelos dois merecidos e brilhantes GPs.
Então, turminha, estamos chegando ao fim da aula aqui.
Tem 5 lições que eu quero que vocês estudem bem lá em casa, que podemos extrair desses dois GPs. Lápis e papel na mão. (Sim, pode ser no notebook, tudo bem…)
Lição 1 – Os dois GPs brasileiros (até agora) em Cannes são a nova forma da comunicação e do marketing olharem a realidade diversa e transversa dos novos tempos, buscar relevância e engajar seus públicos criativamente, em mensagens que exprimam menos seu objetivo de vender e, descaradamente mais, seu objetivo de falar a língua de um consumidor que é outro. Ora, se o consumidor é outro, a forma, a linguagem, a narrativa, o encanto de se falar com ele tem que ser outro também (boa, Ilha!);
Lição 2 – Uma agência é uma agência, é uma agência, é uma agência. Mas tem agências e agências. E tem agências que vem buscando ser, cada vez menos, as agências que sempre foram, para, usando as mesmas regras do jogo de comunicar e vender, como fez a AKQA em ambos os GPS, ir em busca de fazer e falar diferente, contar histórias diferentes, com dinâmicas e estruturas narrativas diferentes, para esse consumidor de hoje que, no final do dia, é bem diferente também;
Lição 3 – Tenho certeza que esses trabalhos passaram pelo planejamento da agência de algum jeito, pela mídia da agência de algum jeito (parece que nem tem mídia lá, mas enfim…), obviamente pela criação da agência de algum jeito, e que, notadamente no caso de Nike (um anunciante global), foram aprovados pelo cliente e suas instâncias internas de algum jeito … tudo como sempre se fez… só que, tenho certeza também, que as estruturas internas envolvidas na concepção e desenvolvimento dos dois trabalhos na agência se organizaram em novas dinâmicas internas, tenho certeza que muitas áreas que não tem nada a ver com as áreas clássicas de uma agência tradicional foram também chamadas a dar sua contribuição, tenho certeza que esses dois trabalhos são fruto de um ambiente open source de criação e geração de idéias, tenho certeza que o anunciante envolvido também quebrou paradigmas e dinâmicas internas para aprovar o que aprovou (juro que não conheço como funciona a AKQA, nem sequer quem aprovou os trabalhos nos dois cases), enfim … veja bem … tenho certeza que não foi o Passado que criou essas peças, foi o Futuro;
Lição 4 – Um prêmio em categorias criativas não tipicamente publicitárias (e olha a pegadinha aí…), como o do Exú, vale menos que um prêmio nas categorias mais tradicionais? Não deveria. Mas depende do que desejamos ver. Eu vejo nesses dois GPs sabe o que? Propaganda. Vejo nossa atividade de comunicar marcas e mensagens, envolver consumidores, sermos criativos e gerar resultados. Tá tudo lá. Então, o que vem a ser a publicidade hoje em dia? Vem a ser o que ela já foi, somado ao ferramental criativo, de produção e distribuição estupidamente rico que temos hoje no presente, misturado com o embrião do que ela será. Como disse acima, acho os nossos dois GPs propaganda, sim. Propaganda brilhante. Propaganda feita com a alquimia de todos esses elementos acima, na veia, focados, engajados e voltados para essa fervilhante transformação da sociedade contemporânea. Em ambos os casos, com uma sedução e um lambuzamento deslavado de arte (falei que vinha essa). Propaganda já namorou e lambeu deslavadamente a arte? Sim. Quem conheceu Petit e Zaragoza sabe que sim.
Aqui me estendo um pouco mais para citar declaração da Presidente do Juri de Media, Paulette Long Obe, consultora musical e diretora do conselho Paulette Long, do Reino Unido (vê bem o naipe da jurada), explicando o porque do GP brasileiro para Exu: “A questão do racismo no Brasil é algo muito importante. Esse Grand Prix apresenta o blues como um movimento cultural e social para levar essa mensagem às pessoas e fazer a diferença. Eu também sou blues”, celebrou ela.
Lição 5 – Quebrar os paradigmas da propaganda e fazer propaganda que pode não parecer propaganda, mas é, pode ser um puta truque para ganhar GP em Cannes. E daí, como no caso desses dois GPs brasileiros, ser eleita sabe o que? A melhor propaganda do mundo.
Cerveja na minha conta, rapaziada!
—–
(*) A outra única agência brasileira a conquistar dois GPs num mesmo festival, antes da AKQA, foi a Ogilvy, com “Retratos da Real Beleza”, projeto que já no nome entrega que é propaganda, sem ser propaganda (porque é real), tendo sido considerada então, também, a melhor propaganda do mundo. Percebe? Já tava tudo lá.
abaixo os dois cases:
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