A relação entre marcas e crianças
A pesquisadora Ana Côrte-Real, especialista em marketing infantil, fala sobre a influência de produtos e personagens na infância
A pesquisadora Ana Côrte-Real, especialista em marketing infantil, fala sobre a influência de produtos e personagens na infância
Mariana Stocco
20 de julho de 2016 - 9h30
A utilização da publicidade voltada ao público infantil continua rendendo debates acalorados. No Brasil, a maioria dos anunciantes se orienta sob o código do Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária (Conar). Dentro da discussão de dirigir ou não comunicação de marca ao público infantil muitas vezes não se discute a influência que elas exercem indiretamente sobre a infância e é neste tema que a pesquisadora portuguesa Ana Côrte-Real vem dedicando seus estudos.
Em entrevista ao Meio & Mensagem, Ana Côrte-Real explica a relação indireta entre marcas e crianças e qual o papel de mascotes e personagens na formação infantil. “Na minha perspectiva a regulamentação da publicidade é decisiva. Mas não devemos esquecer que ela é um dos agentes de socialização das crianças, não o único.”
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Meio & Mensagem: A partir de qual idade as crianças conseguem reconhecer marcas e começam a se relacionar com elas?
Ana Côrte-Real – Para as crianças os produtos e as marcas são provavelmente os aspectos mais relevantes do mercado. As crianças adquirem informação relativa ao mercado por observação e participação e por instrução. Num dos estudos pioneiros neste domínio, Guest verificou que as crianças entre os 8 anos de idade sabem um elevado número de nomes de marcas. As crianças mesmo antes de saberem ler, já são capazes de reconhecer as embalagens e as marcas. Em idade pré-escolar as crianças demonstram competências para recordarem nomes de marcas, sobretudo se forem fornecidas pistas visuais, como cores, imagens ou mascotes. À medida que as crianças crescem a notoriedade das marcas aumenta.
As crianças enxergam as marcas como algo necessário, inerente ao mercado e fundamentais para identificar a oferta: “tudo tem que ter marca”, “não existem coisas sem marcas”.
M&M – Como as mascotes influenciam no relacionamento das marcas com as crianças? Pode-se dizer que marcas que possuem mascotes são mais atrativas?
Ana Côrte-Real – As mascotes são um símbolo visual da marca particularmente importante, uma vez que permitem que as crianças estabeleçam uma ligação emocional com a marca, e porque simultaneamente, favorecem a sua memorização. Existem diferentes tipos de personagens, bem como diferentes estratégias face à sua denominação. O importante é perceber que para as crianças as mascotes são “bonecos”, engraçados, divertidos, meigos, que podem ser meios homens, meios bonecos. Efetivamente são sinais que não provocam muitas associações negativas, embora o seu impacto dependa das suas características de design e do segmento a que se destinam.
M&M – Com qual tipo de mascote há uma identificação maior por parte das crianças?
Ana Côrte-Real – Com base num estudo realizado relativamente às categorias mais relevantes no domínio da estética experimental pudemos concluir que: as crianças mais velhas preferem e reconhecem melhor os estímulos figurativos e, os mais novos aceitam e reconhecem mais favoravelmente os abstratos.
M&M – Porque as mascotes são mais influentes na comunicação com as crianças do que com os adultos?
Ana Côrte-Real – As mascotes são mais influentes nas crianças por força do seu estádio de desenvolvimento cognitivo. Na verdade, a atitude das crianças goza de uma predominância do registo afetivo: primeiro a criança gosta, depois formula o pedido e no final retém a alteração cognitiva. Esta questão é determinante ao nível do impacto do uso das mascotes. Não podemos, ainda, deixar de referir que o contexto em que é fornecida a informação é critico, para que a criança o memorize.
M&M – A publicidade infantil atual é mais focada para as crianças ou para os pais?
Ana Côrte-Real – Não podemos generalizar e dizer que é mais focada nas crianças, ou nos pais. O que sabemos é que o agente de socialização mais importante da criança consumidora é sem qualquer dúvida, a família, como demonstram inúmeras investigações neste domínio. Na verdade, a família constitui o grupo de influência mais próximo das crianças, e é no seu seio que as crianças se desenvolvem, que formam os seus hábitos de consumo, as suas crenças, atitudes e os seus valores. Neste sentido, é fundamental perceber que mais do que a publicidade são os comportamentos dos pais que vão ter uma influência determinante nos hábitos de consumo da criança.
Na minha perspectiva a regulamentação da publicidade é decisiva. Mas não devemos esquecer que a publicidade é um dos agentes de socialização das crianças, não o único.
M&M – Como a senhora vê a regulamentação da publicidade para as crianças?
Ana Côrte-Real – Na minha perspectiva a regulamentação da publicidade é decisiva. Mas não devemos esquecer que a publicidade é um dos agentes de socialização das crianças, não o único, ou até o mais determinante. Os diferentes fatores de socialização são os pais, a escola, os pares e a publicidade. Neste sentido, e ainda que defenda plenamente a regulamentação da publicidade, não podemos deixar de referir que a publicidade não é a fonte de todos os males.
M&M – Deve existir um limite nesse relacionamento da marca com as crianças?
Ana Côrte-Real – O limite deve ser imposto pelo modelo educacional dos pais. O limite da atuação das marcas deve ser balizado pela ética que, sendo determinante em todos os setores, na área do marketing infantil tem que ser obrigatória.
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