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Casting: atuação questionada

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Comunicação

Casting: atuação questionada

Críticas à qualidade, à adequação e ao profissionalismo da área de casting mostram fragilidades da cadeia de produção publicitária


9 de julho de 2012 - 8h16

É reclamação comum nos bastidores: o casting brasileiro para publicidade é caro, nem sempre vale o quanto custa, é pouco profissionalizado e resulta em orçamentos mais altos do que os clientes querem pagar. “É uma área cujo trabalho ainda é raso”, resume Fátima Toledo, uma das preparadoras de elenco mais renomadas do País (leia entrevista aqui). “Não há um olhar profundo sobre aquilo que está sendo feito.”

A qualidade do trabalho dos atores não é sempre o único motivo de reclamação. “O processo talvez não esteja estruturado de maneira mais correta e eficiente, como vemos na Argentina”, avalia Heitor Dhalia, sócio e diretor da ParanoidBR. “Não acredito que no nosso mercado esta área seja melhor ou pior que em outros lugares”, pontua Mario Peixoto, sócio e produtor da Delicatessen. “Só estamos mais acostumados ao que temos — e é mais difícil de mudar isso.”

Os fatores que levam Peixoto — e tantos outros produtores ouvidos por Meio&Mensagem — a se referir ao mercado como sendo “o que temos”, e não como “o mercado ideal” são pouco discutidos. O que emperra o uso frequente de bons atores em comerciais, a preços razoáveis? E mais importante: como superar essas barreiras?

Se pudessem ser resumidos, os problemas que regem a interação entre agências, produtoras e atores seriam agrupados em três pontos, todos correlacionados: prazo de produção dos comerciais; custo do casting dentro do orçamento geral; e qualidade do serviço dos atores.

Obstáculo 1: o prazo
O tempo de produção de um comercial no mercado brasileiro é curto. Muito em parte, segundo as produtoras, pela demora entre o briefing e a aprovação do roteiro. É comum que comerciais sejam produzidos, filmados e editados em prazos iguais ou inferiores a duas semanas.

“Trabalhamos com prazos apertados”, diz Dudu Venturi, produtor executivo da Sentimental Filme. “O comercial fica muito tempo nas mesas de negociação e na criação até que seja aprovado. Quando isso ocorre, o espaço em mídia já está comprado e temos de fazer tudo atropelado, como se fosse uma gincana.”

Com pouco tempo, falta prazo para uma pesquisa extensa de atores, sobretudo numa cidade como São Paulo (maior polo de produção do País), onde facilmente um deslocamento simples pode durar algumas horas. Isso pode inviabilizar a escolha de um ator que atenderia melhor aos objetivos do anunciante porque outro profissional conseguiu chegar antes — mesmo que ofereça um serviço mediano.

“Você precisa ter tempo para pesquisar a história das pessoas, saber se elas vão saber entregar na frente das câmeras aquilo que se busca para o filme”, diz Georgia Guerra-Peixe, diretora da Delicatessen que conta com profissionais em sua equipe — além dela própria — que pesquisam constantemente, a fim de formar um banco com grande variedade de atores e não atores disponíveis para estrelar campanhas. Curiosamente, a diretora passou a se preocupar com essa questão anos atrás, quando assistia a um comercial dirigido por ela na TV e viu o mesmo ator no filme seguinte, vendendo produtos de outro anunciante.

Obstáculo 2: o custo
Um efeito atrelado ao curto prazo é o aumento do preço. Assim como em uma obra pública feita às pressas, a palavra “emergencial” adiciona alguns zeros à direita dos custos de uma produção. “Se precisamos de um ator em dois dias, não há como a produtora de elenco fazer uma pesquisa mais extensa”, afirma Egisto Betti, sócio e produtor executivo da ParanoidBR.­ “Isso custa mais caro — e, em alguns casos, justifica a repetição dos mesmos atores em diferentes comerciais.”

Embora os valores dos orçamentos variem muito, a reportagem levantou que, em média, o casting abocanhe 20% do valor total de custo de um filme publicitário. O valor é considerado alto por alguns produtores — e pode aumentar, já que uma nova tabela de preços passou a valer em abril. Essa era uma reivindicação antiga dos sindicatos dos atores e modelos, já que reajustes não eram feitos desde o início da década passada. De tão altos, os valores correm o risco de não ser praticados: a ajuda de custo para participação em testes de elenco para a publicidade triplicou de valor (chega a R$ 80), o que inviabilizaria avaliações com grande número de participantes.

“Se testar cem pessoas, o gasto será de R$ 8 mil”, contabiliza Betti. “De um lado, o cachê estava realmente defasado e a inflação aumentou, então o reajuste é justo. Em minha opinião, porém, a tabela para os atores ficou bastante cara. Pode acabar acontecendo com o elenco o mesmo que ocorre com as tabelas de inserções em veículos de mídia”, diz, em referência aos altos percentuais de descontos praticados no mercado.

Obstáculo 3: a qualidade
A equação custo versus prazo ainda respinga no quesito qualidade. “Não acho os preços abusivos desde que o ator entregue um bom trabalho, o que está cada vez mais difícil”, diz Daniela Andrade, sócia e produtora executiva da Spray Filmes. “Por conta dos prazos, nem sempre temos tempo de procurar por novas opções de atores — o que nos faz pagar sempre mais caro, para garantir que vamos ter bons profissionais.”

A competência dos atores é o único dos três aspectos que encontra fortes divergências no mercado. Cecília Homem de Mello, responsável pelo casting da O2 Filmes desde a criação da produtora (ela trabalhava nessa função na Olhar Eletrônico, predecessora da atual casa). “O Brasil é um celeiro de gente bacana. Temos a bênção de ser um país continental, que tem de tudo um pouco, do holandês ao africano. Somos um prato cheio em diversidade”, diz Cecília. “E discordo quanto à falta de qualidade. Temos atores de muito bom nível.”

Sua equipe, composta por 15 profissionais, ocupa um galpão inteiro para testes de casting para publicidade, cinema e TV — e as seleções para uma área podem alimentar as outras. “Na publicidade, às vezes é o ator que acaba responsável pela criação atingir o brilho que tem.”

Nessa mesma linha, Andrea Coelho, diretora de casting da Cine, acredita que o problema não está no ator, mas sim no briefing. “Há muita complicação sobre o que se quer de fato. Claro que não podemos interferir no processo criativo, mas a falta de foco no briefing atrapalha muito. Vemos, por exemplo, o pedido de tipos diferentes para um mesmo personagem.”

Há, ainda, o fator "conservadorismo": alguns produtores veem uma resistência de agências e clientes em apostar em novos rostos. “Muitos atores não conseguem chegar à linguagem que a propaganda pede”, diz Andrea. “Apresentamos em uma reunião, por exemplo, dez nomes. Três são aqueles que já fazem publicidade. Um é novo. Mas acaba sendo escolhido um ator dos que já fazem, pois o cliente já viu aquele rosto e acaba escolhendo quem passa mais segurança para vender seu produto.”

Poucos clientes fogem a essa lógica. Empresas como a Natura têm um processo cuidadoso de casting, em busca de pessoas mais “reais”. O mesmo se via nos comerciais da Dove, em suas campanhas pela “real beleza”. Já o McDonald’s, atendido pela Taterka no Brasil e outros países latino-americanos, buscou recentemente atores argentinos e uruguaios para filmes institucionais.

Se, por um lado, a intenção é atingir consumidores de diversos mercados vizinhos usando atores dessas nacionalidades, a solução mostra também o uso de estrangeiros como uma alternativa ao nem sempre satisfatório casting encontrado no Brasil.

A melhora do elenco na publicidade deve levar tempo, como Fátima Toledo prevê em sua entrevista. E dependerá de uma mudança de comportamento em todo o mercado. “É um mix de coisas. Primeiro, agências e anunciantes precisam dar mais prazo. Ele é determinante para a qualidade de qualquer etapa do filme. Com mais prazo, os produtores de elenco precisam ter mais aprofundamento, ir mais para a rua. E todos precisam ter mais coragem de aprovar elencos menos caretas, mais divertidos”, resume Egisto Betti. 

wraps

Apegado a famosos, mercado revelou celebridades

O que a jornalista Sandra Annenberg e os atores Mateus Solano e Dan Stulbach têm em comum, além de trabalhar para a Rede Globo? Os três já foram o “rosto” de algumas marcas no horário comercial da mesma emissora que hoje os emprega.

Antes de virar galã da novela Viver a Vida, Solano interpretou ao longo de dois anos o personagem “O Ligador” nas campanhas da Oi para divulgar os benefícios oferecidos aos clientes usuários de celulares pré-pagos. O personagem caricato, que deixava de ser apenas um “recebedor de ligações”, mostrava com bom humor como ficava popular quando também passava a fazer ligações.

A Zeppelin Filmes teve o mérito no casting que definiu Solano como o personagem e a Dínamo Filmes deu sequência ao trabalho até que a agenda do ator com a Globo não permitiu que compatibilizasse as atuações como garoto-propaganda. Edu Cama, da Dínamo, conta que houve a tentativa de manter o personagem na mídia com outros atores fisicamente parecidos — mas nenhum conseguiu se firmar no papel. “Ele criou uma forte identificação com o personagem”, conta Cama.

Assim como Solano, o casting em publicidade também revelou estrelas como Dan Stulbach, Caio Blat, Graziella Moretto e Ana Paula Arósio, estes descobertos pelo departamento de casting da O2. A jornalista Sandra Annenberg protagonizou, nos anos 1980, comercial do McDonald’s (assista aos comerciais abaixo).  

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