Comunicação

Como a criatividade mobiliza a ação contra a crise climática

Susan Pearl comenta evolução do tema e importância da criatividade, marcas e música no engajamento climático

i 4 de dezembro de 2025 - 7h59

No último mês, a Union of Nature Foundation (UON), colaboração sem fins lucrativos de organizações da natureza, apresentou o aplicativo Uon.Earth na FreeZone, durante a COP30, em Belém, no Pará. O app transforma cada US$ 1,20 em 1 m² de natureza protegida. Os usuários que realizarem as doações recebem uma espécie de comprovante digital — batizada de uon — que registra localização, horário e a organização responsável pela preservação.

Durante a programação da Conferência, a UON ainda lançou uma música sobre a proteção do planeta. O espaço foi cenário para a gravação de um videoclipe sobre a temática da preservação.

Susie Pearl

Susie Pearl, comunicadora e onselheira do board de public affairs da UON (Crédito: Divulgação)

Um dos nomes por trás do lançamento é a especialista britânica em comunicação, Susie Pearl. A profissional foi fundadora da Kazoo Communications, agência de relações públicas em Londres, na Inglaterra, em que assessorou grandes nomes da música, como Madonna, Michael Jackson, Spice Girls e David Bowie.

Além disso, atuou como chefe de publicidade da Sony no Reino Unido e esteve à frente da área de PR de programação da MTV Europa. É autora de livros sobre criatividade e bem-estar e hoje dedica-se às causas ambientais como atual conselheira do board de public affairs da UON.

Na entrevista a seguir, Susie fala sobre a criatividade atrelada à proteção da natureza, a arte como pano de fundo para o engajamento e influência, bem como sobre o envolvimento das marcas em ações do tipo e conduta frente a ações e parcerias.

Criatividade para salvar o planeta

“Em relação à criatividade, que é um dos meus temas favoritos, eu acredito que esta é uma solução incrivelmente criativa para o que estamos enfrentando no mundo agora. Não há discordância quanto ao fato de que precisamos agir em relação ao planeta. É uma situação muito séria que nós, como seres humanos, criamos. Precisamos encontrar rapidamente maneiras positivas e eficazes de promover as melhorias necessárias, e fazê-las acontecer rápido. Este projeto, em particular, é a solução mais criativa, inovadora e interessante que já vi para lidar com os problemas que temos relacionados à natureza. E eu acredito que seja um projeto altamente criativo. Ele aborda um grande problema da humanidade e do planeta em que vivemos. Acho que o fundador encontrou uma solução incrivelmente criativa para lidar com isso. E uma das coisas que temos percebido é que existe muito diálogo, muita discussão sobre os problemas e assim por diante. Mas será que podemos parar de apenas falar e realmente agir? Eu acredito que a base criativa do modelo apresentado aqui é absolutamente genial.”

Papel da tecnologia

“Usamos a tecnologia de uma forma que empodera as pessoas a se sentirem engajadas. E estamos aproveitando o lado positivo dela. Existe um lado negativo. Estamos totalmente conectados pelo mundo, mas mais pessoas do que nunca se sentem desconectadas. Elas se sentem sozinhas, desmotivadas. Esta solução específica dá a sensação de que, mesmo sendo apenas uma pessoa, elas podem fazer parte dessa solução. E todos podem sentir isso: você não precisa ter muito dinheiro, nem morar em um lugar específico, nem dominar tecnologias complexas, e é justamente nessa simplicidade que mora a beleza. Estamos usando a tecnologia de forma muito simples, o que permite que pessoas de qualquer lugar do mundo participem de maneira acessível. E, juntos, como coletivo, geramos um impacto gigantesco. É por isso que estou tão empolgada: porque isso permite que qualquer pessoa se envolva e engaje. É muito inclusivo”.

Integração on e offline

“A criatividade tem muito a ver com a emoção. E quando estamos online, conseguimos fazer coisas, resolver tarefas. Mas quando estamos juntos, presencialmente, algo que está se tornando cada vez mais importante para as pessoas, diante dessa dissociação causada pela adoção massiva da tecnologia, a experiência é diferente. Quando estamos com outras pessoas, inseridos em um contexto cultural, em um lugar onde entendemos a comunidade local, nos sentimos confortáveis, ou mesmo quando recebemos visitantes, existe um nível distinto de engajamento humano e emocional. Há muitos estudos sobre isso. Quando as pessoas se reúnem e criam uma onda de mudança dinâmica de comportamento, isso é incrivelmente poderoso. Além disso, faz as pessoas se sentirem bem de uma forma diferente do que apenas usar tecnologia. Os benefícios são enormes. As pessoas estão buscando conexão, colaboração, fazer coisas juntas. Estão cansadas do isolamento desde a pandemia, quando aprenderam a ficar sozinhas diante de uma tela, conversando virtualmente. Agora há uma necessidade urgente de comunidade, de conexão, de realizar coisas coletivamente. Somos muito mais fortes juntos do que fazendo as coisas separadamente”.

Figuras públicas no engajamento climático

“É uma área muito interessante. Vamos falar sobre como as pessoas são influenciadas. Hoje, há uma enxurrada de informações nas redes sociais, com scrolls infinitos e conteúdos diversos. Elas gostam de ouvir a opinião de terceiros em quem confiam. Pode ser um artista musical ou qualquer pessoa que tenha uma presença pública relevante. Elas valorizam recomendações vindas de quem respeitam e admiram. Isso faz muito sentido. E quando falamos de música, há um dado interessante de uma pesquisa que vi por meio da EarthPercent (organização que convida a indústria da música a doar uma pequena porcentagem de sua renda a outras organizações que abordam as crises climáticas e ambientais): os fãs são altamente influenciados pelo que os artistas dizem. Se o artista favorito deles afirma: ‘Apoie isso, é fantástico’, a tendência é que respondam: ‘Sim, eu também gosto disso’. É muito persuasivo. Isso praticamente elimina a necessidade de checar informações, porque a pessoa em quem confiam já fez isso. Como são fãs, acabam adotando essa posição, o que é ótimo, pois ajuda a direcionar interesses. Para nós, olhar para a música e como ela se conecta à proteção da natureza é algo muito natural. Muitos artistas renomados que conheço são apaixonados pela causa ambiental e estão dispostos a falar sobre isso, seja nos palcos, fora deles, em entrevistas ou outros espaços. Isso é extremamente útil para levar essa mensagem adiante. É fundamental usar todos os veículos possíveis para amplificar esse discurso”.

Parcerias e a importância das marcas

“Trabalhei por muitos anos desenvolvendo marcas e ideias e já vi o que realmente funciona, e o que não funciona. É preciso haver integração, colaboração e parcerias que façam sentido. Não dá para simplesmente colocar uma marca em cima de algo e pensar que isso, puramente, gere conexão. É preciso que seja orgânico, relevante e ter uma base sólida que sustente essa relação. Acredito que o verdadeiro segredo para unir marcas e ideias é garantir que a sinergia seja perfeita e que todos tenham um resultado positivo com a colaboração. Deve fazer sentido. Às vezes isso é feito apenas por razões comerciais, quando uma marca coloca muito dinheiro em um projeto, por exemplo. Isso não está certo. É preciso autenticidade, credibilidade, sensibilidade e significado. Caso contrário, não faça. É péssimo quando não há conexão real. Já vi decisões terríveis. É constrangedor, desconfortável. Ninguém quer isso. Queremos conexões sólidas e bem construídas. Tudo o que sempre fiz como profissional de marketing foi pensar nos valores da marca e nos valores de quem estamos conectando. Eles precisam ser paralelos, precisam funcionar juntos, porque o público é muito esperto em relação ao marketing. Se percebe que é só por dinheiro, isso piora tudo. Não há conexão. Precisamos ser autênticos no marketing, e existem muitas boas razões para unir boas marcas a bons projetos, quando há encaixe. Se não houver, não faça”.

Como evitar o receio do greenwashing

“Precisamos ser ousados na vida e fazer a coisa certa. E se tivéssemos medo de nos posicionar sobre algo, nada de bom seria feito. Parte do papel de muitos artistas e da comunidade artística é justamente se expor, ser um pouco ousado, fazer coisas que gerem conversa. Acredito que, se estamos fazendo a coisa certa, isso é o essencial. Se estamos no caminho certo, não devemos nos preocupar com o que as pessoas vão dizer. Quanto maior você se torna, mais aparecem os “trolls” tentando te derrubar. Isso não importa, desde que você seja honesto, verdadeiro e autêntico no que diz e no que faz. Se estiver fazendo isso, não se preocupe com o resto. Faça o seu trabalho. Seja você. Acredito que as marcas também têm a obrigação de serem reais sobre aquilo que defendem. Precisam ser muito claras sobre sua mensagem e seus objetivos. Isso é mais importante do que nunca, porque existem inúmeras associações de marcas acontecendo por aí. E a psicologia por trás do que acontece quando as pessoas associam uma marca a algo é muito forte. É uma conexão psicológica pesada. Por isso, é preciso ser clara e honesta. Com essas condições, funciona muito bem. As pessoas nem percebem o tipo de conexão que têm quando veem um logotipo, por exemplo. As emoções que isso desperta, seja confiança, desconfiança, interesse, se for um alimento, por exemplo, muitas vezes atuam em nível subconsciente. Precisamos prestar mais atenção em como estamos sendo influenciados e abordados pelas marcas. Há manipulação, às vezes, na publicidade e nas mensagens que circulam. Continuamos sendo impactados pelos perfis e imagens das marcas muito mais do que imaginamos”.

Evolução da temática na cultura mainstream

“É um ciclo interessante. Esse tema sobre o qual estamos falando está evoluindo e ganhando muito mais espaço na cultura mainstream. Antes era algo bastante nichado, mas isso vem mudando. Hoje todos estão cientes do debate sobre a proteção da natureza. É uma pauta que está muito mais em evidência. Neste momento, acredito que ela está sendo elevada a um nível em que entra em uma nova fase do ciclo de aceitação. Percebo isso nas conversas que tenho com as pessoas. É um assunto muito familiar, sobre o que estamos fazendo com o planeta, o que precisa ser feito, o que podemos fazer. É uma conversa extremamente relevante e algo que não ouvia há alguns anos. Agora, ouço. Quando falamos com gravadoras, artistas e agências sobre esse tema, eles querem muito participar e se engajar conosco. Estão extremamente dispostos, nada relutantes. Eles entendem. Não precisamos vender a ideia, apenas conversar sobre ela”.