Impactos da pandemia na cidade de Mad Men
Há dez anos em Nova York, onde é diretora de criação da BBDO, Bianca Guimarães conta como o coronavírus modificou a publicidade e as pessoas na capital financeira dos EUA
Há dez anos em Nova York, onde é diretora de criação da BBDO, Bianca Guimarães conta como o coronavírus modificou a publicidade e as pessoas na capital financeira dos EUA
Renato Rogenski
2 de abril de 2020 - 12h00
Hospitais de campanha construídos no meio do Central Park ou no estádio que sedia o tradicional torneio de tênis US Open dão o tom dos reflexos do novo coronavírus na novo dinâmica que se estabeleceu em Nova York. Com mais de mil mortes e mais de 40 mil infectados contabilizados, até o momento, a capital financeira dos Estados Unidos é também o epicentro da pandemia no país. Há dez anos trabalhando e morando na cidade que também é símbolo de uma época icônica da publicidade, a era mad men (entre os anos 60 e 70), a brasileira Bianca Guimarães, hoje diretora de criação da BBDO NY, revela como está vivenciando este período de pandemia e seus impactos na sociedade e o no mercado local.
Meio & Mensagem – Como está o clima e o sentimento das pessoas e das autoridades em Nova York?
Bianca Guimarães – A situação está bem crítica por aqui. É estranho ver Nova York tão parada e silenciosa. Nesta semana, a cidade recebeu um novo hospital de campanha. Normalmente, esses hospitais são montados em cidades com pouca infraestrutura ou onde acontecem grandes desastres naturais. Ver um no meio do Central Park não tem precedente e confirma o quão critica está a situação. Claro que ainda existe um número de pessoas que insistem em manter uma rotina de caminhadas, exercícios ou algum tipo de convívio social. Essas dizem tomar medidas de proteção que julgam as protegerem do contágio, mas que via de regra têm se mostrado ineficazes em todos os países do mundo. Com isso, a polícia de Nova York tem ficado em cima das pessoas e dispersado qualquer tipo de aglomeração. O prefeito também ordenou a retirada dos aros das quadras de basquete públicas, e o fechamento de parquinhos em Manhattan, pois ainda tinha gente frequentando os mesmos. Em geral, parece que finalmente o presidente está assumindo a gravidade da situação e apoiando as medidas tomadas pelo governador e o prefeito de Nova York.
M&M – Quais foram os impactos no comportamento de consumo?
Bianca – A população em geral começou a tomar atitudes impensadas e desproporcionais, começando a estocar tudo, comida, produtos de limpeza, papel higiênico, álcool em gel, luvas de borracha, mascara, entre outros, trazendo enormes prejuízos as pessoas que realmente precisam destes produtos. Os supermercados ficaram vazios e as vendas online dispararam fazendo com que os preços de tais produtos aumentassem. Até agora não se consegue encontrar vários desses produtos em lugar nenhum. Para tentar normalizar este cenário, o governo injetou capital nas empresas que produzem itens como máscaras, luvas e aventais e ainda obrigou por lei, empresas que tem condições de produzir certos itens médicos, como por exemplo a GM, a produzir respiradores. Fora isso, as pessoas começaram a pedir muito mais delivery de comida e usar plataformas como a Amazon para todas as necessidades básicas. Tenho também visto um movimento bacana dos consumidores darem preferência às pequenas empresas locais, pequenos restaurantes, mercados e farmácias, ao invés das grandes redes pois estas são as que mais estão sofrendo com a paralisação do mercado. Em relação a compras supérfluas, sinto que todos estão contendo gastos e comprando somente o que julgam necessário.
M&M – Quais segmentos devem ser mais afetados neste período?
Bianca – Ontem eu estava ouvindo um podcast sobre isso e eles estavam falando que aqui nos Estados Unidos, o setor automobilístico vai sofrer bastante. Eles explicaram que para fazer um só carro, são necessárias mais de 30 mil peças, e os Estados Unidos importam muitas dessas partes de países como a China onde muitas fabricas estão com problemas de produção. A indústria de serviços como aviação e turismo também vai sofrer bastante. Fora as viagens a trabalho que estão sendo cortadas, as férias de verão nos Estados Unidos estão chegando e elas giram grande parte desse setor por aqui. Com a paralisação que está havendo, provavelmente não haverá a possibilidade de férias nesse verão para que as aulas sejam repostas e os trabalhos pendentes sejam feitos. Fora isso, outros tipos de comércios e serviços como lojas, academias e cinemas, estão fechados e com certeza sofrerão sérias consequências em suas finanças.
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M&M – Como a pandemia modificou a dinâmica da publicidade local?
Bianca – Muitas filmagens estão sendo canceladas ou postergadas. A verba também está sendo repensada e muitos clientes estão cortando gastos e revendo seus budgets. O lado bom é que temos a criatividade do nosso lado. Estamos todos usando essa ferramenta para colocar campanhas em prática, sem a necessidade de filmagem ou grandes produções. E também estamos trabalhando para desenvolver ferramentas, para ajudar aqueles que mais precisam nesse momento. O One Club, por exemplo, criou o “COVID-19 Jobs Board” onde todas as agências que estão contratando no momento, colocam lá as posições que estão buscando.
M&M – Como a agência está lidando com o momento?
Bianca – A BBDO de NY já tem uma cultura onde podemos trabalhar de fora da agência, quando necessário, portanto, nesse aspecto, sinto que nos adaptamos rapidamente. Fora isso, o pessoal da liderança tem se dedicado a manter um senso de comunidade e união apesar da distância física. Temos recebido diversas comunicações de como os diferentes times estão lidando com a crise e as soluções que estão funcionando.
M&M – Como tem sido o processo de trabalho?
Bianca – Tem acontecido muito FaceTime, Google Hangout, Zoom, grupo de WhatsApp, ligações, entre todos os departamentos. O pessoal da produção tem trazido soluções interessantes e exemplos de técnicas para produzirmos ideias nesse período. Ao mesmo tempo o pessoal da criação já está pensando nas limitações que o atual cenário impõe, no momento de criar ideia. Uma coisa legal é que estamos desenvolvendo outro tipo de relação com os clientes. Muitos de nós estamos fazendo conferência de vídeo das nossas casas, com nossos filhos gritando no fundo. Essa nova forma de trabalhar tem trazido proximidade e intimidade entre nós e com certeza está fazendo com que criemos vínculos pessoais, o que é muito valioso no relacionamento com nossos clientes.
M&M – Quais os aprendizados que a publicidade pode tirar deste período?
Bianca – Acredito que devemos usar esse desafio como oportunidade para propor novas soluções para os nossos clientes e até mesmo aprender maneiras mais eficientes de trabalhar que possam ser aplicadas mesmo depois dessa crise. Além disso, é uma oportunidade de repensar os meios de comunicação e quais são os mais efetivos. Repensar a importância que marcas e produtos tem na vida das pessoas. Em geral, repensar o papel do individuo e das marcas como entes de uma comunidade. Somos resilientes pela natureza do nosso trabalho e não é a primeira vez que temos que nos adaptar a mudanças ou recomeçar do zero.
Crédito da imagem de topo: DKosig/iStock
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