Opinião: O Segredo de Meryl Streep
As pessoas querem amar primeiro e se interessar depois. Assim, nunca terão um desempenho como o da atriz. Leia no artigo de Carlos Domingos
As pessoas querem amar primeiro e se interessar depois. Assim, nunca terão um desempenho como o da atriz. Leia no artigo de Carlos Domingos
Meio & Mensagem
24 de fevereiro de 2012 - 10h30
Para mim, sempre foi um enigma como Meryl Streep consegue ser indicada com tanta frequência ao Oscar. Note que nossos maiores ídolos — Robert De Niro, Sean Penn, Edward Norton (inclua quem você quiser) — disputam o prêmio uma vez aqui, outra acolá. Mas Meryl, não: já foi indicada 17 vezes. Desde 1984, concorre praticamente ano sim, ano não. Um assombro. Não existe, na história do Oscar, outro nome, homem ou mulher, com um desempenho tão extraordinário.
O que mais me intriga é que Meryl não é um gênio. Entenda o que quero dizer: ela não tem perfil de gênio, aquela coisa doida, maluca, autodestrutiva. Não se envolve em escândalos, não dá declarações desastrosas, não diverte tabloides sensacionalistas. Pelo contrário, é uma mulher pacata, parece levar uma vida bem comum, tediosa até. Casada há 34 anos com o mesmo homem, tem quatro filhos, também normalíssimos.
Sempre acreditei que a atriz tivesse desenvolvido um processo de trabalho genial. Uma fórmula infalível para produzir excelência. Afinal, todas suas interpretações são acima da média; a maioria digna de prêmio. “Que processo eficiente é este?”, me indagava.
E foi numa recente entrevista publicada no Estadão que encontrei pistas. Nas entrelinhas, a artista norte-americana sugeriu que não “entrava num papel”; mas sim buscava dentro de si o papel que sempre esteve lá. Vou explicar melhor, utilizando sua atuação mais recente, em A Dama de Ferro (pela qual também concorre à estatueta dourada).
Quando Margareth Thatcher chegou ao poder, em 1979, foi a primeira mulher a assumir o cargo mais alto do parlamento britânico. Como era de se esperar, ela enfrentou muito preconceito, resistência e descrença masculina. Para se firmar como líder, teve que criar uma carapaça, uma fachada aparentemente dura, fria e sem sentimentos. Caso contrário, seria considerada frágil e não apropriada para o cargo.
Para interpretá-la, Meryl recorreu a uma passagem semelhante que teve em sua vida, quando integrou a primeira turma de meninas numa escola até então tradicional para homens. Em suas palavras: “Lembrei-me da época de colégio. Eu era uma das 16 meninas em meio a seis mil meninos. Foi uma volta a 1970. Alguns na minha época de colégio estavam felizes por termos conquistado aquilo, mas a maioria não. Eles pensavam que o padrão do colégio tinha diminuído.”
Para garantir seu espaço naquele ambiente inóspito e ameaçador, Meryl também teve de endurecer. Ao acessar aquela época e expressar seus sentimentos na tela, a atriz soou verdadeira e convincente no papel. Não é para menos: afinal, falava de si mesma. “Eu queria ser Margaret Thatcher, mas, no fundo, gostaria que aquela história fosse sobre mim”, declarou.
Outro indício de seu processo: na época em que a Dama de Ferro assumiu, as mulheres tinham que deixar a mesa quando os homens iam falar de assuntos sérios, como política. Novamente, a artista não precisou interpretar: “Eu vivi isso. Nós íamos conversar apenas sobre filhos ou moda. Fiquei muito interessada em usar o conhecimento que tenho daquela época no filme.”
E quando o repórter perguntou “Como interpretar alguém que sofre de demência”, Meryl disse: “Tenho experiências suficientes no meu dia a dia de esquecer o que estava fazendo. Todos sabemos como é passar por isso.”
Enfim, tudo indica que a atriz não entrou na pele da rainha, mas a rainha que entrou na pele da atriz.
Ao divagar sobre isso, lembrei-me de nossa atividade publicitária, por dois motivos. Primeiro, porque nós, criativos, também fazemos melhores trabalhos quando acessamos experiências reais. Não importa se banco, carro, cerveja, calcinha; todos tivemos pelo menos alguma relação com o produto em questão. Por mais que não criemos um “Primeiro sutiã”, no mínimo faremos um trabalho verdadeiro, interessante, talvez até tocante; já que quando falamos de sentimentos e emoções, somos universais. Por isso, antigamente, eu criava olhando anuários. Hoje, crio relembrando situações.
Segundo, porque eu também tenho um método de trabalho, que chamo de “Interesse-se primeiro, o amor vem depois.” Não importa o job, eu procuro me interessar verdadeiramente pelo assunto. Mesmo que seja fertilizante ou arame, com o passar do tempo, o milagre acontece: criar passa a ser interessante e até divertido. Graças ao método, não existe job ruim.
Isso é o oposto do modus operandi tradicional. As pessoas querem amar primeiro e se interessar depois. São os criativos que esperam pelo job filé (aquele que fatalmente está sempre na mesa do colega ao lado) para darem o melhor de si, enquanto desperdiçam chances debaixo de seu nariz. Com essa mentalidade, podem até acertar de vez em quando. Mas jamais chegarão a um desempenho Meryl Streep. No máximo, serão uma Gwyneth Paltrow da propaganda.
(*) Carlos Domingos, sócio e diretor de criação da Age Isobar, escreve todo mês para o Meio & Mensagem. Este artigo foi publicado na edição 1497, de 20 de fevereiro.
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