Lojas de departamento: formato consolidado com futuro incerto

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Lojas de departamento: formato consolidado com futuro incerto

Setor volta ao topo do ranking de categorias de anunciantes após cair uma posição no ano passado


12 de junho de 2023 - 5h53

Um espaço com centenas de metros quadrados, normalmente localizado nos centros urbanos ou em shoppings centers, que comercializa grande variedade de mercadorias das mais diversas categorias, de roupas, sapatos, artigos de cama, mesa e banho a eletrodomésticos, móveis e brinquedos. Essa é a descrição de loja de departamento, categoria de anunciante que apareceu em primeiro lugar no ranking Agências & Anunciantes deste ano. Com crescimento de 4%, a categoria passou da segunda para a primeira posição de 2021 para 2022.

A primeira loja de departamento que se tem conhecimento foi a francesa Le Bon Marché, fundada em 1838, em Paris, mas renovada por Aristide Boucicaut e sua esposa Marguerite, em 1852. Eles queriam fazer um “novo tipo de loja que aguçasse todos os sentidos”. Mais de um século depois, em 1984, o grupo LVMH, o conglomerado francês proprietário de 70 marcas de luxo, inclusive Christian Dior, Louis Vuitton, Bulgari, Fendi e Givenchy, adquiriu a loja.

Outros mercados também começaram a apostar nesse tipo de loja. Em Londres, surgiu a Harrods e a Selfridges; na Holanda, a C&A; nos EUA, vieram Sears e Macy’s, e posteriormente, Kohl’s, Nordstrom, Marshalls, Target e TJ Maxx, além de muitas outras.

A categoria de lojas de departamento sentiu os impactos da crise sanitária provocada pela pandemia (Crédito: Elena Abrazhevich/Shutterstock)

O Brasil não ficou de fora dessa tendência. Inicialmente, o nascimento de lojas de departamento no País se deu por meio de investimentos de grupos internacionais, com filiais de suas lojas sendo abertas no território nacional. Em 1912, a Mesbla, do grupo francês Établissement Mestre et Blagé, chegou ao Rio de Janeiro e, em 1913, a inglesa Mappin foi inaugurada em São Paulo. Sua unidade mais conhecida, porém, foi aberta em 1939, na Praça Ramos, centro da capital paulista. A rede americana Sears chegou ao Brasil em 1949, em São Paulo, a C&A, em 1976, também na capital paulista.

Num primeiro momento, a maioria dessas filiais brasileiras vendiam artigos importados e, diferentemente de suas matrizes, não usavam técnicas de vendas em massa até 1930. Foi somente após a Segunda Guerra Mundial que essas filiais de lojas internacionais passaram a vender produtos nacionais.

Quase que concomitantemente à abertura de filiais de lojas de departamento estrangeiras, começaram a surgir as nacionais. A Casas Pernambucanas, que era o nome da Pernambucanas, foi inaugurada em 1908, em Pernambuco, pelo sueco Herman Theodor Lundgren. Depois, vieram Renner, em 1922, Riachuelo, em 1947, e Marisa, em 1948.

Com o passar dos anos, as filiais estrangeiras saíram do Brasil ou simplesmente faliram, abrindo mais espaço para a consolidação das empresas nacionais. A rede de lojas Mappin, por exemplo, foi à falência em 1999, e a Sears fechou as portas de sua última loja nos Estados Unidos, em novembro de 2021.

Com essa consolidação, ao longo do tempo, as lojas de departamento se mostraram como importantes espaços de consumo. Também contribuíram para a democratização do consumo, muito por conta de seus preços mais competitivos, e causaram mudanças nos padrões de comercialização.

Além da diversidade de produtos encontrados nesse tipo de loja e dos preços baixos, o modelo de vendas adotado dava autonomia aos consumidores, visto que os produtos passaram a ser expostos em prateleiras, e não mais no balcão. Essas lojas impulsionaram o consumo devido ao seu caráter monumental.

Apesar de consolidada no mercado brasileiro, a categoria de lojas de departamento sentiu os impactos da crise sanitária provocada pela pandemia, assim como as demais indústrias. Mariana Moraes, head de marketing da C&A, revela que a companhia sentiu a queda nas vendas em 2021, período mais agudo da pandemia. “Esse cenário acentuou a crise econômica no País e, claro, impactou o poder de compra da população. Esse contexto externo contribuiu para a retração do setor”, pontua.

Essa retração, consequentemente, se refletiu na compra de mídia dessas empresas, que são grandes anunciantes. Se em 2019 e 2020 as lojas de departamento figuravam na primeira posição do ranking de anunciantes do Agências e Anunciantes, em 2021 caíram para o segundo lugar, atrás da categoria Outros Serviços ao Consumidor.

No ano passado, as lojas de departamento cresceram 4% e subiram uma posição no ranking, da segunda para primeira colocação. Já a categoria Outros Serviços ao Consumidor, que estava em primeiro, caiu 29%, para o terceiro lugar, atrás ainda de Mídia e Conteúdo Digital, que aparece em segundo lugar no ranking porque teve alta de 69% de um ano para o outro. Para Maurício Morgado, professor e coordenador do Centro de Excelência em Varejo da FGV EAESP, a pandemia trouxe uma força muito grande para esse tipo de conteúdo. O professor ainda destaca que não houve movimentação muito significativa no ranking a não ser esse “setor maluco, que saiu da sétima posição em 2021, e partiu para segunda posição em 2022”.

O crescimento de 4% da categoria e a mudança da segunda para a primeira posição de um ano para o outro foram considerados, por ambos os especialistas, uma oscilação normal. “Devemos assinalar que as oscilações nas posições podem ser consideradas algo natural, principalmente tendo em conta o período curto das observações. Entretanto, ao situarmos as questões no âmbito das condições macroeconômicas, algumas explicações podem ser levantadas, ou seja, se pode apontar causas que vão além da simples alteração aleatória das posições”, diz o presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo & Mercado de Consumo (Ibevar) e professor da FIA Business School, Claudio Felisoni de Angelo. Muito provavelmente, afirma, as lojas de departamentos sofreram em 2021 um efeito retardado do encolhimento das disponibilidades reais, induzindo, portanto, a menores orçamentos das ações publicitárias. “Certamente, esse resultado se deve, e muito, aos efeitos devastadores da pandemia”, complementa o professor.

Apesar de enfatizar que o varejo viveu e ainda passa por tempos desafiadores, a head de marketing da Riachuelo, Thaís Castro, ressalta que a companhia encerrou o quarto trimestre de 2021 com sólido desempenho operacional, lucrando e revertendo o prejuízo do ano anterior, primeiro ano da pandemia. 2021 também foi período positivo para a Renner. Segundo sua divulgação de resultados, a receita líquida de varejo da companhia cresceu 43% em 2021 em relação a 2020 e 13% em relação a 2019.

O que possibilitou que as lojas de departamento mantivessem ritmo de crescimento mesmo em meio a pandemia foi a digitalização dos negócios e a diversificação de canais. Thaís explica que o ano de 2021 foi marcado pela integração omnicanal em 100% das operações físicas da Riachuelo, como fábricas, centros de distribuição e lojas. “No mesmo ano, lançamos o marketplace para consolidar o ecossistema de moda e lifestyle, ampliando categorias e ocasiões de uso para nossos clientes”, exemplifica.

No início de 2020, a C&A também revisitou o seu formato e segmentação de loja a fim de oferecer uma nova loja, com experiência e jornada de compra mais integrada e multicanal, além de gerar engajamento entre a marca e a cliente. Mariana, head de marketing da empresa no Brasil, revela que, neste ano, o e-commerce da C&A atingiu patamares históricos. “No terceiro trimestre, a receita líquida online teve alta de 444% ou 5,4 vezes em relação ao mesmo período de 2019”, aponta a executiva.

Em 2021, a C&A adotou a estratégia de levar a marca para cidades com população de 100 mil a 500 mil habitantes. O intuito foi aumentar a capilaridade da companhia, tanto off-line quanto online, no território nacional. “Essa estratégia possibilitou a chegada da C&A a nova região de diferentes formas: por meio da loja física, como experiência de compra e vivência com a marca; porta de entrada para o e-commerce, já que, ao conhecer a marca de perto, o cliente cria relação próxima e de confiança migrando também para o e-commerce; e por meio do Ship From Store, caso a loja adote o modelo operacional, além de possibilidade de Clique e Retire”, complementa Mariana.

Ao longo desses anos marcados pela pandemia, a C&A investiu em estratégias omnicanais, como o Clique & Retire, uso do WhatsApp para ampliar vendas, a Assistente Virtual e novas formas para vendas das categorias Básicos. Inclusive, a companhia fechou o quarto trimestre do ano passado com mais de 60% das compras online sendo feitas por meio do WhatsApp.

O retorno da categoria de lojas de departamento para a primeira posição do ranking Agências e Anunciantes neste ano, considerando o ano de 2022 como base, se deve, na visão de Morgado, da FGV EAESP, ao retorno à vida “normal” no pós-pandemia. “O que aconteceu foi uma volta à normalidade das atividades das lojas. Isso explica bastante por que as lojas de departamento começaram a investir mais em comunicação para atrair público para as lojas físicas”, diz Morgado. O professor ressalta que as lojas de departamento têm um fator que incentiva ainda mais a volta para o varejo físico: setor de vestuário. “As pessoas voltaram para as lojas e os varejistas tentaram atrair consumidores para as lojas porque na loja a experiência de compra de vestuário é muito mais completa”.

Riachuelo: Integração omnicanal em 100% das operações físicas e lançamento do marketplace de moda e lifestyle (Crédito: Demian Golovaty)

Futuro do setor

Apesar de o retorno para a primeira posição do ranking parecer ser algo totalmente positivo para essa categoria de lojas, De Angelo, do Ibevar, alerta que não é bem assim. “O futuro das lojas de departamentos é um assunto controvertido. Alguns estudos mostram que essas lojas precisam se reinventar e se adaptar às mudanças no comportamento de compra dos consumidores para terem sucesso no futuro”, diz. Na visão do professor, esse processo de reinvenção passa pela adoção de novas tecnologias, criação de experiências de compra diferenciadas e a oferta de produtos exclusivos.

Há estudos mais pessimistas, segundo De Angelo, que afirmam que as lojas de departamento estão fadadas ao declínio em virtude da concorrência de lojas online e da crescente preferência dos consumidores por experiências de compra mais personalizadas e convenientes. O próprio Ibevar desenvolveu, em parceria com o Novo Varejo, o estudo A vitalidade do varejo, que ilustra esse cenário mais pessimista do setor.

Após examinar a métrica de abertura e fechamento de operações, de 2011 até esteano, o levantamento classifica as empresas de varejo em cinco grupos: Crescimento (I), Resilientes (II), Instáveis e não promissores (III), Baixa vitalidade (IV) e Absolutamente não promissores (V). “No grupo ‘Absolutamente não promissores’, estão nove dos 91 segmentos, o que representa, aproximadamente, 10% da amostra. E um dos segmentos é exatamente o de lojas de departamento”, observa o presidente do Ibevar.

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