TVs proprietárias aproximam clubes dos torcedores
Com produção proprietária de conteúdo e venda de espaços publicitários, clubes de futebol investem em suas TVs próprias com o objetivo de se aproximarem dos torcedores e gerarem novas receitas
TVs proprietárias aproximam clubes dos torcedores
BuscarCom produção proprietária de conteúdo e venda de espaços publicitários, clubes de futebol investem em suas TVs próprias com o objetivo de se aproximarem dos torcedores e gerarem novas receitas
Valeria Contado
3 de junho de 2025 - 6h00
TV Flamengo é uma das maneiras que o Clube encontrou de se aproximar dos torcedores (Crédito: Reprodução)
A década de 1950 foi marcada pela chegada de uma das grandes inovações tecnológicas ao mercado brasileiro. Em 18 de setembro de 1950, o jornalista e empresário Assis Chateaubriand promoveu a primeira transmissão televisiva no País com a inauguração da emissora TV Tupi. O novo meio fez parte da evolução da comunicação no Brasil e da relação do público com o futebol.
Com o passar dos anos, a tecnologia foi evoluindo até chegar ao formato mais conhecido atualmente: ao vivo, com poucos segundo de delay entre o que está acontecendo nos gramados e o que está sendo exibido nas telas. Embora esse modelo seja bastante consolidado no meio de transmissões esportivas — tendo em vista que as emissoras são, hoje, as principais detentoras de direitos —, outros canais vêm ganhando impulso entre os torcedores, como streaming e canais do YouTube. Esse é o caso da CazéTV, criada para exibir a Copa do Mundo Fifa Qatar 2022 e que tem em sua grade as principais competições esportivas do mundo, do Desimpedidos, da NWB, que exibe a série B do Brasileirão, e do Canal Goat.
Isso acontece pois o conteúdo esportivo, especialmente o futebol, já ultrapassou as limitações de formato, como explica Gustavo Serra, sócio e CCO da Play9. “O conteúdo esportivo de hoje transcende o jogo: é multiplataforma, contínuo e cocriado por atletas, torcedores e marcas. Nasce no campo, mas explode no TikTok, engaja no WhatsApp e ganha profundidade no YouTube”, avalia.
Nesse sentido, os clubes encontraram uma ferramenta relevante e fundamental para a estratégia de comunicação com as suas bases de torcedores. Apesar de não deterem os direitos de transmissão das principais competições, os canais proprietários dos clubes, geralmente baseados no YouTube, são um dos principais pontos de acesso para os torcedores conhecerem os bastidores dos seus times. Afinal, essas equipes têm acesso privilegiado às estruturas como centro de treinamento e estádios, contato com os jogadores e viagens.
“Ter propriedades onde você tem sua base forte faz com que os clubes olhem atentamente para esses ativos para valorizar e criar engajamento com os torcedores. Nem sempre você tem a visibilidade na mídia que gostaria, já que ela tem uma limitação física de grade. Essa é uma chance de ser visto e de estar disponível para quem queira te assistir”, avalia Antonio Abibe, CEO da NWB. A empresa é dona de canais como Desimpedidos, Camisa 21, André Hernan e Acelerados.
Esse acesso quase que irrestrito ao íntimo do clube é algo que é bastante visado pelos torcedores, já que o futebol trabalha lado a lado com a paixão desses fãs como algo que vai além das quatro linhas e pode proporcionar momentos de conexão com determinado personagem.
A TV Palmeiras, por exemplo, foi o canal de clube com mais visualizações em 2024 com mais de 62 milhões de views, com dados coletados entre janeiro e junho, segundo a plataforma SocialBlade, que monitora engajamento em redes sociais. É por esse canal que o clube proporciona ao torcedor uma visão de modalidades como futebol de base, profissional feminino e profissional masculino.
A programação da TV Palmeiras inclui desde homenagens ao técnico Abel Ferreira a documentários de conquistas como da Libertadores de 1999 e da Tríplice Coroa de 2021, até imagens cotidianas, transmissão de jogos da base e do feminino, coletivas de imprensa e bastidores. A produção de um podcast também faz parte dos investimentos do clube paulista em conteúdo.
Esses conteúdos fazem parte de um investimento realizado em parceria com a Canon, que foi a responsável pela criação do estúdio para podcasts do Verdão, que possui equipamentos de alta tecnologia disponibilizados para a gravação do Palmeiras Cast, que tem mais de 130 episódios publicados.
Everaldo Coelho, vice-presidente de marketing e comunicação do Palmeiras, define esse conteúdo como uma vitrine premium para os torcedores. “A TV Palmeiras Sportingbet, assim como os demais canais oficiais do clube, permite que o time se comunique diretamente com o seu torcedor, alimentando a sua paixão por meio de conteúdos exclusivos e fortalecendo a marca e os valores da instituição. Ao mesmo tempo, o nosso canal no YouTube é uma vitrine premium para exibirmos os nossos produtos — Avanti, Palmeiras Pay e Palmeiras Store, entre outros — e os nossos parceiros comerciais”, afirma.
Outro aspecto importante que é característico da internet e das redes sociais é que não existe uma fronteira determinada. Na world wide web, os clubes de futebol podem chegar a qualquer parte do mundo com seu conteúdo, algo que também é diferente da televisão.
Pensando nisso, o Flamengo, dono da maior torcida do Brasil, atingindo 24,8% da preferência dos brasileiros, segundo dados de um estudo feito pela TM20 Branding e pela Brazil Panels, passou por um processo de rebranding que deu origem a um projeto que busca aproximar o torcedor de um portal oficial para acompanhar as notícias da equipe rubro-negra, além de levar o clube para todo o seu universo de torcedores.
O Flamengo se considera um clube nacional, tendo em vista que apenas 12% de sua audiência é carioca. E agora o time quer extrapolar as fronteiras do País. O alvo são os flamenguistas que representam 25% dos cinco milhões de brasileiros que moram no exterior, segundo dados informados pela diretora de comunicação e conteúdo do clube, Flávia Da Justa.
Esse público poderá acompanhar as transmissões internacionais dos jogos do Campeonato Brasileiro da Série A que acontecem na Flamengo TV. Os torcedores que estão fora do Brasil podem assinar o plano com os 19 jogos do time como mandante no valor de US$ 99,90, ou avulsos por US$ 14,90.
“Todo o ecossistema digital do Flamengo é estratégico. A relevância da TV em termos de engajamento é muito grande. Como somos uma nação espalhada pelo mundo, poder acompanhar o clube assistindo no YouTube, ou fazer comentários, participando, traz uma sensação de pertencimento que que esses canais proporcionam”, afirma.
Além de conectar a nação rubro-negra com seus torcedores que estão fora do País, o Flamengo encontrou outra forma de monetizar o seu conteúdo. E esse é um dos pontos que já estão sendo explorados pelas TVs dos clubes. Algumas delas têm investido em naming rights, especialmente junto a seus patrocinadores másters, como é o caso do que já acontece com o Sport Recife, que tem a Betnacional como detentora dessa propriedade, o Palmeiras, com a Sportingbet, e o Fortaleza, com a TV Leão/Cassino Bet.
Isso acontece porque as marcas também passaram a entender esses canais como ativos importantes para se conectar com a base fiel formada por torcedores que, na maioria dos casos, é um público engajado que acompanha diariamente o conteúdo oferecido pelo clube.
“A TV é monetizada por meio da própria plataforma do YouTube, com base no volume de visualizações mensais, e por patrocínios dedicados. Destacamos a recente comercialização do naming rights do canal para a Betnacional”, afirma Lucas Liausu, vice-presidente de comunicação do Sport. O executivo explica que o clube entendeu o seu papel no ambiente digital e agora tem a oportunidade de gerar uma receita paralela. Por isso, o retorno tem acontecido fortalecendo o ciclo de produção e investindo em equipamentos.
Esse conteúdo pode, inclusive, extrapolar o ambiente do YouTube e ganhar derivações em outras redes e formatos, em que as entidades esportivas podem apresentar clubes de membros, ofertas especiais de superchats, comunidades exclusivas para superfãs e conteúdo extra para quem assinar. Esses recursos também são comumente oferecidos pela plataforma do Google para os produtores de conteúdo, além de uma entrega personalizada para marcas, com ações de branded content e entrega digital.
“No aspecto de negócio, elas geram novas fontes de receita por meio de assinaturas, publicidade, patrocínios e conteúdo exclusivo, além de ampliar a presença digital do clube”, avalia Bruno Oliveira, gerente de marketing do Fortaleza.
O Red Bull Bragantino, por sua vez, aproveita a Massa Bruta TV para produzir conteúdo sobre a cidade de Bragança Paulista, local onde fica a sede do clube, sobre o seu centro de treinamento, a reforma do Estádio Municipal Cícero de Souza Marques (onde o time mandará seus jogos até a conclusão da modernização do estádio Nabi Abi Chedid, o Nabizão) e até mesmo para apresentar a casa de seus jogadores.
Red Bull Bragantino utiliza a sua TV para mostrar bastidores do clube e até mesmo a reforma de seu estádio (Crédito: Reprodução)
E para que esses projetos sejam possíveis, os canais investem em equipes especiais para o desenvolvimento de um conteúdo específico e direcionado. Isso acontece, por exemplo, com equipes como Fortaleza, que montou um time que está focado no dia a dia na produção de conteúdo.
Outro aspecto é o investimento em uma equipe de criadores de conteúdo, como foi o caso de Flamengo, que recentemente contratou nomes como o narrador João Guilherme, ex-Paramount, e a jornalista Daniela Boaventura, que veio da ESPN, para compor a sua equipe de transmissão.
Esses canais oferecem aos clubes uma oportunidade de serem um broadcaster de eventos relacionados não só ao futebol, mas em todos os âmbitos em que estão inseridos. “Ter uma grade de conteúdo organizada, com formatos originais, boa utilização de acervo, criar uma conexão mais profunda e emocional com os torcedores são o checklist básico antes dos passos maiores”, avalia Serra, da Play9.
Compartilhe
Veja também
OOH avança na exploração dos sentidos sensoriais
Aumento dos investimentos de marcas e agências no out-of-home impulsiona setor a ir além das telas e se posicionar como plataforma de experiências multissensoriais
Ariel Bérgamo: “Um novo modelo de agência é viável no Brasil”
CEO da IPG Mediabrands defende inversão da lógica tradicional da publicidade, com o planejamento estratégico e de canais antes da criação