Inspiração

Qual é a visão do Publicitários Negros para 2026?

Projeto mostra que acesso e acolhimento podem alavancar carreiras de profissionais negros na comunicação

i 24 de novembro de 2025 - 11h32

Juliana Lima, Janaína Martins e Daniele Moura, membros do conselho do coletivo Publicitários Negros (Crédito: Meio & Mensagem/Divulgação)

Juliana Lima, Janaína Martins e Daniele Moura, membros do conselho do coletivo Publicitários Negros (Crédito: Meio & Mensagem/Divulgação)

Janaína Martins, Daniele Moura e Juliana Lima fazem parte do conselho do coletivo Publicitários Negro (PN), respectivamente como presidente, diretora do grupo de trabalho (GT) de operações e diretora do GT de conteúdo. O PN nasceu em 2017, da mobilização do publicitário Aquiles Filho, fundador do grupo, diante do incômodo da falta de profissionais negros na indústria, com o objetivo inicial de ser um espaço de troca entre profissionais da publicidade negros.

Com a expansão do grupo ao longo dos anos, o coletivo atualmente abarca todo o universo da comunicação e tem mais de 5 mil membros espalhados pelo Brasil. Hoje, o projeto tem diferentes iniciativas com foco em promover acesso, desde educação corporativa até ida à grandes eventos como o Festival de Cannes.

Nesta entrevista, as integrantes do conselho do PN falam sobre o contexto atual da diversidade racial na indústria publicitária, a importância de criar espaços de acolhimento e troca e o impacto que o grupo já causou.

Meio & Mensagem — Que tipo de atividades e ações o Publicitários Negros promovem?

Janaína Martins — Temos alguns pilares de atuação: acesso à educação, à cultura, ao mercado de trabalho e desenvolvimento profissional. A ideia é estabelecer parcerias estratégicas com marcas, instituições, empresas e agências de publicidade para oferecer cursos e atividades de desenvolvimento para os nossos membros. Entendemos que nem todo mundo parte do mesmo lugar. Muitas vezes, ter acesso a essas oportunidades ajuda as pessoas a alcançarem espaços que não foram desenhados para profissionais pretos. Então, manter essas pessoas bem preparadas é fundamental. Estamos estudando, para o futuro, a criação de mentorias voltadas a preparar profissionais para ocupar cadeiras de C-level, entre outras posições, garantindo que estejam realmente prontos, com todas as habilidades necessárias para se darem bem nesses espaços.

M&M — Desde o início do grupo, como vocês avaliam a evolução da indústria na inclusão de pessoas negras?

Juliana Lima — A gente discutiu e observou o último censo de diversidade do Observatório da Diversidade, de 2024. No quadro geral, 30% das pessoas eram negras. Esse número cai para 17% quando falamos de mulheres e para 13% no caso de homens negros. E a gente vem, inclusive, de uma queda em relação a 2023. Ou seja, apesar das nossas experiências, individualidades e particularidades como profissionais da publicidade, os números não aumentam. Na verdade, eles diminuem.

Janaína — A gente entende, principalmente com base nos dados, que conforme você começa a alcançar níveis maiores de liderança, a presença negra cai. E, se a gente fala das interseções, isso se acentua ainda mais. Quando são mulheres negras, por exemplo, esse ponto fica muito evidente. Cada vez que olhamos para o guarda-chuva da diversidade e vamos afunilando o processo, percebemos que a presença negra diminui progressivamente.

M&M – Vocês têm alguma hipótese do motivo para esse número ter diminuído?

Janaína — Percebemos o quanto a influência política esbarra em diversos setores do mercado, e na publicidade não seria diferente. O que vemos é que as pautas de diversidade, infelizmente, estão perdendo força e passando a ser muito mais uma discussão de “apoio ou não apoio” do que um olhar estratégico, enxergando a diversidade como uma ferramenta que realmente diferencia as agências no mercado. Quando essa pauta vira uma questão polarizada, a gente esbarra nessa queda, porque tudo passa a depender da opinião individual, e não de uma visão estrutural. Estamos voltando a discutir o básico: em um Brasil onde a maioria da população é negra, precisamos ter pessoas pretas em diversos espaços.

Daniele Moura — Não é só uma diminuição na comunicação ou na publicidade, é uma diminuição geral. Não é que as pessoas estejam menos qualificadas, é a falta de abertura desses movimentos políticos que acabam refletindo no mercado inteiro.

M&M — De que forma as agências podem se aproximar do grupo para fortalecer sua estratégia de diversidade?

Janaína — Estamos sempre em busca de parceiros, porque as pessoas estão cada vez com mais sede de conhecimento, e o mercado também exige que elas estejam atualizadas. A ideia é que a gente realmente consiga construir, de mãos dadas, a inserção delas em locais que estejam dispostos a construir uma diversidade verdadeira, profunda e em um ambiente acolhedor. Porque, quando falamos de acesso, precisamos garantir também que essas pessoas encontrem um lugar onde se sintam bem, onde possam lidar com as questões e desafios, mas que isso seja algo da dinâmica profissional, e não da falta de preparo do ambiente.

Daniele — Sempre fazemos um filtro para entender que tipo de crossover é possível entre o que a empresa tem para oferecer e o que a nossa comunidade pode absorver. Recebemos muitas propostas de parcerias para cursos, além de eventos sobre diferentes assuntos, desde mercado de influência até inteligência artificial. Então, existem vários caminhos: contribuições financeiras, mentorias, cursos, eventos.

M&M — Quais exemplos de boas ações vocês destacariam?

Juliana — É muito interessante perceber quando as empresas entendem diversidade como algo amplo, e não como um recorte. Às vezes elas trabalham só em cima de um ponto, cumprem algumas cotas de diversidade racial, mas não percebem que, dentro desses recortes, existem muitas outras intersecções. E que o acesso das pessoas não fica limitado a um comitê de diversidade, e sim se transforma em oportunidades reais, como acesso a estudo ou a mentoria. Ou seja, quando alguém procura o PN, por exemplo, entendendo que somos um caminho para que essas pessoas tenham acesso a outras possibilidades, incentivando e contribuindo com projetos de diversidade além de simplesmente falar sobre diversidade.

Janaína — Quando pensarem nessas iniciativas, que elas sejam pensadas a longo prazo. Que exista um orçamento dedicado para isso e que o trabalho aconteça em parceria com a governança da empresa. Não pode ser tratado apenas como campanha. Não dá para lembrar disso só em datas e períodos específicos. A gente falou muito do espaço de acolhimento, então é importante ter essa escuta ativa para as pessoas. É preciso entender a necessidade de ter profissionais negros em espaços de liderança, em posições de tomada de decisão. Também é essencial focar na retenção. Não basta contratar: é preciso pensar em como manter esse profissional ali e extrair dele o talento que ele tem para contribuir com o negócio.

M&M — Como vocês avaliam o impacto do grupo na indústria publicitária?

Janaína — Vou contar da parte de que eu mais gosto, que é quando a gente vai comunicar para as pessoas que foram contempladas com alguma iniciativa. Sempre me emociono nesse momento, porque entendemos o quanto aquela pessoa foi tocada por aquela oportunidade, o quanto aquilo era importante para ela. Um dos exemplos que eu mais gosto de citar, talvez porque é um dos momentos em que a emoção é mais forte, é o PN Cannes. A gente já ouviu gritos de felicidade, já chorou de emoção. E ali a gente entende o quanto, quando conseguimos esses acessos, isso muda a régua. E, se a gente muda a régua, temos uma chance real de mudar o jogo.

Juliana Sempre gosto de reforçar: meu primeiro trabalho em agência de publicidade, lá em 2019, quando eu ainda estava na faculdade, aconteceu porque alguém jogou aquela vaga no PN. Minha primeira viagem internacional foi com o PN, ano passado, em Cannes, e era o maior sonho da minha vida. É uma mudança gigantesca de vida, de oportunidades, e que a gente conquistou dedicando nosso tempo, construindo boas amizades e tendo um olhar humano para as pessoas. Então, ver essas mudanças reais acontecendo, seja uma primeira oportunidade de emprego que mudou a vida de alguém, seja uma viagem, seja uma mentoria com um profissional admirado e antes inacessível, tudo isso dá muito orgulho. É a prova viva de que a vida das pessoas muda através de uma comunidade.

Daniele — O sentimento que fica, e até a minha motivação para estar hoje no conselho do PN, é devolver, como forma de agradecimento, o meu tempo por toda essa transformação de trajetória e de acessos. Espero que as próximas gerações tenham essa mesma vivência. Lá no início, o PN chegou a realizar rodas de conversa com psicóloga, porque tinha uma galera que realmente precisava desse suporte e não tinha condições financeiras para pagar uma terapia. São esses atravessamentos e esses impactos que o grupo proporciona ao longo dos anos. Então, esse é um lugar de muito carinho, de muita gratidão.

M&M — Este ano, vocês foram para Cannes. Como foi essa experiência e qual a importância de estar neste ambiente?

Janaína — O Festival de Cannes deste ano foi também a minha primeira viagem internacional. Estar lá, vendo a criatividade acontecer diariamente tocou algo muito profundo em mim e fez eu me apaixonar pela publicidade de novo. Muitas vezes, nós, como criativos, ficamos buscando maneiras mirabolantes de fazer algo novo, tentando reinventar a roda, quando, na verdade, às vezes, uma respirada, um espaço criativo desses, faz a gente virar a chavinha. Eu voltei muito apaixonada pela escolha que fiz de profissão. E lá eu vi algumas campanhas que me tocaram profundamente. Uma delas, que sempre cito pela simplicidade e impacto, foi do Starbucks: eles simplesmente pegaram aquela iniciativa de anotar o nome nos copos e transformaram uma loja-modelo em um cartório. Com isso, permitiram que algumas pessoas alterassem o nome social na certidão de nascimento.

Ali eu entendi ainda mais o papel da publicidade: por meio de uma mensagem, podemos mudar alguma coisa. Não só focado no consumo, mas na conscientização, na educação, em algo que agrega valor para a pessoa, mesmo que ela nunca compre o produto. A publicidade também tem esse poder de transformar a percepção das pessoas sobre muitas questões.

Daniele — É uma das iniciativas mais transformadoras do PN, mas, na mesma proporção, uma das mais desafiadoras. Só conseguimos fazer isso com aportes de empresas, de agências, batendo na porta mesmo, contando com pessoas físicas ajudando. O PN já está há um tempo na estrada, as pessoas conhecem, mas, ainda assim, é quase um convencimento, quase uma campanha para que invistam, porque isso determina quantas pessoas conseguiremos levar. Desde pensar no edital, porque estamos falando de diversidade e de pessoas pretas, precisamos construir algo que dê acesso, que seja inclusivo, mesmo com todas as camadas envolvidas: ter passaporte, ter idioma, e, para muitas pessoas, viver a primeira viagem internacional.

É um processo desafiador, mas é também uma das iniciativas que a gente mais ama, porque sabemos que é um festival majoritariamente branco, muito elitizado, caríssimo, e conseguimos reforçar os valores do PN nessa iniciativa que não é sobre discurso, mas sobre impacto. É um legado para quem participa, porque muda a carreira, dá acesso, mas também deixa um legado para toda a comunidade.

Juliana — Fui pela primeira vez este ano, e não tem nada melhor do que ver uma pessoa realizando vários sonhos de uma vez: ir para Cannes, conhecer pessoas que a gente só vê na televisão, encontrar pessoalmente aquele profissional incrível de quem você é muito fã e que, do nada, está ali na sua frente tomando um cafezinho com você. É uma bagagem, um repertório que nada apaga.

Janaína — Quando a gente escuta isso, a gente tira um pouco essa ideia de limite, essa sensação de que você só pode ir até certo ponto.

M&M – Quais as potências que esses profissionais trazem ao ambiente e quais os riscos que uma empresa pode correr com a ausência de pessoas negras?

Juliana — Chega a beirar o absurdo, porque criatividade é repertório, são pensamentos e vivências diferentes, pessoas que precisam chegar na melhor entrega e elas conseguem isso em conjunto. E você retirar um recorte tão grande, porque a maioria da população brasileira é composta por pessoas pretas e pardas, é muito perigoso. São vivências muito específicas que fazem toda a diferença. Acho muito arriscado tirar um potencial tão grande, um repertório tão forte de pessoas. Os riscos vão muito além do profissional: é sobre as trocas profundas, importantes, sobre ter contato com histórias diferentes. Se estamos em um ambiente que é muito igual, as coisas vão sair iguais. Então, são riscos para a sociedade, para nós enquanto pessoas que vivem em coletivo e compartilham tantas vivências.

Daniele Nós, como comunicadores, publicitários, RPs, falamos com o Brasil. E o Brasil é diverso. Então, precisamos de pessoas com histórias e vivências diversas para que a gente possa se comunicar de forma verdadeira. Mais do que justo, é necessário ter pessoas diferentes. Quando temos um olhar único, todo mundo perde. As marcas perdem na comunicação, as agências perdem, e o público perde ao receber essa comunicação porque não existe identificação. A gente perde muito quando não temos pessoas pretas e não só em cargos de liderança, mas em todos os níveis.

M&M – Quais os planos do PN para 2026?

Daniele — Estamos muito animadas para 2026. Estamos pensando em várias coisas para o PN, como um novo capítulo. Independente de como estará o mercado, nós, como coletivo, não vamos parar. Somos uma comunidade muito ativa e viva.

Janaína — Temos um rebranding do PN, de identidade, de posicionamento e de conteúdo. Queremos expandir tanto na área de atuação do PN quanto nas parcerias estratégicas que fazemos atualmente. E acho que um dos últimos spoilers é a consolidação oficial do PN como referência nacional de representatividade e desenvolvimento profissional. Mas esse é um outro capítulo ainda em construção.