Nadege Saad quer transformar a jornada do cliente do agro
Head da plataforma de soluções para o agro do Bradesco reflete sobre transformações do setor e planos para 2026

Nadege Saad, head do E-agro do Bradesco (Crédito: Wanezza Soares)
Nadege Saad é head da plataforma E-agro do Bradesco, ecossistema de soluções para o mercado do agronegócio. Formada em economia e publicidade, começou a carreira como trainee de marketing no Unibanco, na área de seguros. Até 2010, morou em Londres enquanto trabalhava na Unilever, à frente da marca Dig, que no Brasil é a Omo. Quando voltou, mudou totalmente de rumo e foi para o setor de agronegócio, na Monsanto.
Àquela época, a marca buscava mudar de posicionamento, com a aplicação de conceitos de varejo e bens de consumo ao agronegócio para ampliar a visão estratégica de marketing em um setor tradicionalmente técnico. Nadege se apaixonou pelo segmento e permaneceu nele por muitos anos como uma espécie de empreendedora corporativa, sempre envolvida em processos de transformação, seja em estratégia, consumo ou inovação digital.
Nos últimos cinco anos, aprofundou-se no universo digital, sobretudo em sua última cadeira de chief strategy officer da Agrofy Brasil, mercado online da agroindústria. Mais recentemente, em 2022, retornou ao setor financeiro para integrar suas experiências em bancos ao conhecimento sobre construção de marca, go-to-market e tecnologia, em uma função estratégica mais abrangente.
Nesta entrevista, Nadege Saad conta sobre a trajetória da plataforma E-agro e os planos futuros de expansão. Além disso, reflete sobre a evolução da comunicação do setor, sobre a representatividade feminina e as transformações da jornada do cliente no digital.
Meio & Mensagem — Como surgiu o E-agro do Bradesco?
Nadege Saad — O E-agro é uma iniciativa do Bradesco em parceria estratégica com a IBM. Como maior banco privado do agronegócio, ele identificou um grande potencial nesse ecossistema, que em 2021 ainda carecia de tecnologia para facilitar especialmente as jornadas de crédito. Conceder crédito no agro é muito mais complexo do que para pessoas físicas: exige garantias, documentação extensa e planejamento, processos pesados para o produtor. A proposta do E-agro é simplificar essa realidade com tecnologia, oferecendo crédito e outras soluções que melhorem sua eficiência e margem.
A plataforma reúne serviços, venda de produtos e, no futuro, novas soluções, permitindo que o produtor encontre tudo em um só lugar. Um ponto central é a democratização do crédito: pequenos produtores têm dificuldade porque não foram treinados para elaborar o nível de planejamento exigido por bancos, fintechs e cooperativas, eles já vivem uma rotina de gestão intensa. O E-agro surge, portanto, com o objetivo de tornar esse acesso mais simples, apoiar o produtor no planejamento e escalar um conjunto de soluções que beneficiem tanto clientes do banco quanto o ecossistema como um todo.
M&M — Desde o lançamento do E-agro até o momento atual, como foi a jornada na plataforma?
Nadege — Hoje, o Bradesco é o único sócio do E-agro, mas, como qualquer fintech, percorremos todo o processo empreendedor: definição de estratégia, desenho de jornadas, testes, ajustes e aprendizados, tudo isso dentro de um banco enorme, menos acostumado a errar e com menor flexibilidade. Foi preciso estruturar tudo: metodologia de desenvolvimento, equipes e cultura. Criamos uma microcultura ágil dentro de uma organização robusta, passando um ano inteiro dedicados ao desenvolvimento do produto e à transformação das jornadas de crédito existentes em um terceiro produto digital. Era como tocar novas melodias em um ambiente já estabelecido, preparando pessoas para depois assumirem áreas de negócio e formar um modelo híbrido. Hoje vivemos um momento muito interessante: grande parte da operação já funciona, com adoção crescente de produtores e do mercado. Paralelamente, desenvolvemos novos produtos que seguirão o mesmo caminho, o que exige novos perfis de pessoas, abordagens e outro olhar de mercado. Liderar isso é desafiador e estimulante: é preciso enxergar o ambiente externo, atuar dentro da estrutura gigante do Bradesco e, ao mesmo tempo, manter o produtor rural no centro para gerar valor e facilitar a adoção.
M&M — Você tem uma vasta experiência no agronegócio. Como avalia a comunicação do setor ao longo do tempo?
Nadege — O agro é extremamente heterogêneo: diferentes perfis de produtores, inúmeros players, cooperativas, distribuição, múltiplos tipos de cultivo, cada um atuando em apenas uma fatia do setor. Do outro lado estão os bancos. Essa fragmentação faz com que muitos desconheçam o que acontece nos demais segmentos, perdendo oportunidades de vantagem competitiva. Por isso, a comunicação no agro precisou, antes de tudo, se tornar mais inclusiva, reunindo mais atores na mesma conversa. Em lançamentos de sementes ou tecnologias, por exemplo, era essencial colocar produtor, trader, indústria de insumos, máquinas e bancos na mesa. Para o produtor, que recebe tudo isso ao mesmo tempo, o acesso e a compreensão são ainda mais difíceis. A comunicação também teve de ficar mais didática. Informação técnica existe em abundância, mas a forma de transmitir conhecimento em mercados mais maduros não funciona igual no agro. No crédito, por exemplo, é preciso falar sobre responsabilidade financeira em um contexto de baixa educação, falta de planejamento e histórico de inadimplência. Assim, tornou-se fundamental padronizar mensagens essenciais e comunicá-las de forma clara e acessível.
M&M — Como as novas tecnologias estão impactando a jornada do cliente do setor e o comportamento de consumo?
Nadege — O produtor rural já é bastante digital dentro da porteira, independentemente do tamanho da fazenda. Na pecuária, usa brincos eletrônicos e pesagem automática. Na lavoura, máquinas fazem georreferenciamento e ajustam insumos por área. Ele adota tecnologia com facilidade, desde que entenda seu valor. O grande entrave segue sendo a conectividade, ainda muito limitada em regiões centrais do agro, onde muitas vezes não há sequer sinal de telefone. No universo bancário, porém, as opções eram restritas. Algumas plataformas surgiram, especialmente a do Banco do Brasil, mas o E-agro ampliou de fato o acesso ao crédito 100% digital: sem cartório, sem assinatura física. Hoje, oferece a melhor jornada digital para um processo historicamente complexo. Um produtor relatou que antes levava dias para protocolar uma proposta por causa da distância até a cidade; com o E-agro, concluiu uma operação estando na praia, uma mudança completa de experiência.
Agora o foco avança para o mundo das compras. O produtor adquire insumos, máquinas, serviços e infraestrutura, e cada compra é uma negociação muitas vezes ligada ao crédito. Marketplaces já ajudam na comparação de preços e trazem transparência, mas a adoção ainda é parcial porque o mercado é altamente intermediado e essa intermediação é valiosa, pois cada player oferece consultoria especializada. O caminho, portanto, não é eliminar intermediários, e sim integrá-los por meio da “co-inteligência”. A inteligência artificial terá papel central, permitindo que estabelecimentos construam ofertas mais assertivas, dando ao produtor segurança e conforto para decidir.
M&M — Como você avalia a representatividade feminina e o que ainda falta avançar para aumentar a presença de mulheres no setor?
Nadege — A presença feminina no agronegócio tem crescido muito. Hoje, mulheres participam das mesas de negociação e ocupam cargos de liderança, um contraste enorme para quem, em 2010, encontrava salas com dezenas de homens e nenhuma outra mulher. Ainda existem ambientes predominantemente masculinos, especialmente em áreas como comercial, finanças e tecnologia, mas já vemos grandes lideranças femininas surgindo. O avanço, porém, exige intencionalidade. No E-agro, priorizamos trazer mulheres para a liderança e prepará-las para construir carreira, assumir a plataforma ou ocupar posições estratégicas no banco. O setor bancário e o agro ainda estão aprendendo a fortalecer essa prática. No Bradesco, por exemplo, temos a primeira diretora de agro no atacado, um marco. Mesmo assim, ainda participamos de feiras e reuniões totalmente masculinas. Por isso, reforçar a sororidade e criar condições reais para que mais mulheres cresçam e se desenvolvam é essencial, reconhecendo que o caminho até a liderança costuma ser diferente para elas.
M&M — Como você descreveria seu estilo de liderança?
Nadege — Eu valorizo que as pessoas pensem por conta própria. Dou direção, mas quero que cada um contribua com sua forma de construir, porque a diversidade de profissionais e ideias enriquece o trabalho. Gosto de dar liberdade para que o time participe da estratégia e se enxergue no que está criando. A discussão é essencial: mesmo que eu acredite em um caminho, sei que não é o único. Por isso, coloco todos na mesa para jogar, e o empoderamento é central para mim. Procuro preparar as pessoas para tomar decisões. Às vezes alguém assume uma função antes de estar totalmente pronto, e tudo bem, caminhamos juntos e ajustamos a rota quando necessário. Sou muito de jogar junto.
M&M – Quais os planos da plataforma para 2026?
Nadege — Estamos em um momento de maturidade: a frente de crédito já está sólida e agora avançamos para novos modelos de negócio. Hoje atendemos muito bem a pessoa física, mas queremos expandir para pessoa jurídica, alcançando produtores de outros portes e necessidades, com novos serviços que ampliem o ecossistema. No próximo ano, lançaremos a PJ, incorporaremos operações em dólar e incluiremos novos parceiros no marketplace, além de serviços adicionais de dados, fortalecendo o “E” de ecossistema do E-agro. Já contamos com cerca de 100 mil produtores e queremos aumentar a adoção deles em produtos como seguros e outros serviços integrados. Também criaremos o GT de produtores, selecionando um grupo com quem já temos relacionamento para cocriar soluções com o E-agro. O horizonte é de expansão e consolidação da plataforma no mercado.