Inspiração

Natalia Amancio: o papel das lideranças na era da tecnologia

A executiva de go-to-market do Google Cloud fala sobre como liderar equipes de tecnologia e aplicar a IA aos negócios

i 12 de novembro de 2025 - 14h18

Natalia Amancio, executiva de Go-to-Market do Google Cloud e mentora de carreira (Crédito: Divulgação)

Natalia Amancio, executiva de go-to-market do Google Cloud e mentora de carreira (Crédito: Divulgação)

Natalia Amancio é executiva de go-to-market do Google Cloud e mentora de carreira. A formação em estatística a levou a começar numa consultoria familiar. Passou um período na França, na Rakuten Advertising, empresa global de tecnologia e publicidade que oferece soluções de marketing de performance, mas logo retornou ao Brasil e começou a atuar na Bain & Company. “Fiquei lá por três anos e meio, e foi onde realmente me desenvolvi como executiva e comecei a expandir minha carreira”, conta.

Após o período, a executiva migrou para o mundo da tecnologia. Primeiro, no Facebook, na equipe de marketing science. Depois, no Nubank, como gerente de marketing analytics, até que entrou no Google, primeiro como manager de market insights, e depois na posição que atua hoje.

Nesta entrevista ao Women To Watch, Natalia Amancio fala sobre sua atuação como mentora e analisa os desafios das lideranças e empresas para lidar com a constante evolução da tecnologia.

Meio & Mensagem — Você também é mentora de carreira e criou o método Ébano. Poderia explicar no que consiste esse método? Natália Amancio —

Natália Amancio — Durante a trajetória de muitas pessoas, especialmente mulheres e profissionais que atuam na tecnologia, enfrentamos diversos desafios. Às vezes, não enxergamos o nosso potencial completo, em outras, estamos em ambientes que não nos permitem explorá-lo plenamente. Foi a partir disso que desenvolvi o método Ébano, para ajudar as pessoas a olharem para a própria carreira de forma 360°. O método Ébano tem cinco pilares: empoderamento, brilho, autoconhecimento, network e oportunidades. Ele parte da ideia de como enxergar nossas potencialidades, fazer com que o mercado também as reconheça e nos veja como autoridades, e entender como nos relacionar com o mercado por meio do networking, algo essencial no universo da tecnologia. 

Outro ponto é aprender a identificar oportunidades. Vindo de uma trajetória mais técnica, como a minha — sou estatística de formação –, a transição para uma cadeira de negócios exigiu justamente essa capacidade de enxergar possibilidades. O método Ébano também aborda isso: como começar em uma carreira técnica e migrar para o mundo de negócios. Percebi que muitas mulheres têm essa necessidade, especialmente quando falamos do pilar do brilho. Muitas vezes, antes de se candidatarem a uma vaga, elas querem atender a 100% dos requisitos, enquanto os homens, ao verem metade, já se sentem prontos para aplicar. Com o método Ébano, trabalhamos essas potencialidades e ajudamos as pessoas a enxergarem sua carreira de forma completa, entendendo os diferentes pilares que compõem uma trajetória de sucesso.

M&M — De que maneira você atua para ampliar o acesso a ferramentas de IA na América Latina? Nosso mercado tem acompanhado essa evolução?

Natália — A inteligência artificial se tornou a palavra do momento. Porém, muitas vezes, as empresas ainda não estão preparadas para lidar com os fundamentos dessa tecnologia. Parte do meu trabalho é justamente ajudar a lançar essa base e criar a fundação para que as companhias estejam prontas para trabalhar com IA. Com frequência, encontramos empresas que dizem “precisamos trabalhar com IA”, mas que ainda não sabem exatamente o que vão fazer com ela. Por isso, também atuamos de forma a preparar o terreno, capacitando as organizações para acompanhar o ritmo de evolução tecnológica. Há um estudo que mostra que, a cada três anos, nossas habilidades precisam ser renovadas. Começamos a trabalhar com uma tecnologia e, em pouco tempo, ela já se transformou, já evoluiu. Então, cabe a nós estarmos preparados e oferecermos as ferramentas necessárias para que as pessoas e as empresas consigam acompanhar essa evolução de maneira sustentável e efetiva.

M&M — Como as lideranças de outros setores que não lidam com a IA diretamente podem aplicar a tecnologia em suas empresas? O que devem levar em consideração?

Natália — Costumo dizer que a gente precisa primeiro entender quais problemas queremos resolver antes de pensar nas ferramentas. Ou seja, antes de decidir se vamos usar o modelo A ou a solução B, é essencial refletir: qual é o problema do meu negócio hoje? Qual é a dor do meu consumidor neste momento? A partir dessas respostas, conseguimos compreender de que forma a tecnologia pode nos ajudar. Mas, muitas vezes, acontece o contrário: escolhemos a ferramenta primeiro e depois tentamos encontrar uma aplicação para ela. Uma liderança bem preparada é aquela que entende profundamente quais dores o seu negócio precisa solucionar. É uma liderança que sabe o que o consumidor realmente necessita e que trabalha de forma ágil e estratégica para resolver esses problemas com o apoio da tecnologia certa.

M&M — Como liderar equipes de tecnologia num momento em que a tudo avança em ritmo acelerado?

Natália — Sempre vai ser sobre as pessoas. No fim das contas, não é sobre o que a tecnologia pode fazer. Se a gente não souber usar a tecnologia levando em conta que há seres humanos por trás, pessoas que têm dias bons e ruins, que passam por problemas e que precisam ser compreendidas, não vai existir tecnologia no mundo capaz de resolver os desafios reais que temos. Um líder atento é aquele que enxerga a pessoa por trás do software, o ser humano nos bastidores de um modelo. Quanto mais humanos forem os líderes, mais facilmente conseguiremos navegar pelas incertezas. Porque, no fim, a única constante que temos são as pessoas. As tecnologias vêm e vão, se transformam, se reciclam, mas o capital humano permanece.

Ser líder, hoje, é ter empatia. Uma liderança de vanguarda não é aquela que domina a última tecnologia lançada, mas aquela que consegue olhar nos olhos da sua equipe, perceber quando um colaborador não está bem, compreender o que ele precisa para desenvolver suas habilidades ou identificar quando é necessário investir em upskilling e reskilling do time para avançar junto com a tecnologia. Uma liderança mais humana é o que realmente fará a diferença nesse cenário de transformação constante.

M&M — Como você descreveria seu estilo de liderança?

Natália — Diria que é uma liderança colaborativa. Entendo que, dentro de um time, estamos falando de pessoas com habilidades, formações e histórias de vida diferentes. Se não conseguirmos trazer toda essa combinação para o ambiente de trabalho, dificilmente encontraremos soluções diversas, ou que nos ajudem a acompanhar a rapidez com que o mundo evolui. Quando falo do meu estilo de liderança, é uma forma de liderar que sempre busca e leva em consideração perspectivas diferentes. Não adianta ter uma equipe formada apenas por pessoas parecidas comigo. E, considerando a minha vivência, sou uma mulher preta atuando em tecnologia, mesmo que eu quisesse montar um time igual a mim, isso não seria uma decisão inteligente, porque a riqueza está justamente na diversidade de pontos de vista.

Trabalhar uma liderança inclusiva é fundamental: uma liderança capaz de extrair o melhor de cada pessoa, reconhecendo que cada um tem sua própria percepção e pode contribuir de forma única para o avanço coletivo. Venho também de uma vivência ligada ao esporte e aprendi que, enquanto estivermos jogando, estamos todos trabalhando por um mesmo resultado. O time precisa estar unido em torno de um objetivo comum. Vejo que esse é um dos grandes desafios dos ambientes corporativos hoje: muitas vezes, as pessoas olham para objetivos diferentes e trazem apenas metas individuais. Mas, quando trabalhamos como grupo, o resultado coletivo se fortalece e o individual acaba sendo naturalmente contemplado.

M&M — Qual foi o maior desafio da sua carreira e como você lidou?

Natália — O maior desafio foi entender que a minha história, o meu background e a minha origem também eram válidos dentro do ambiente de trabalho. Vim de uma construção completamente diferente da dos meus pares. Sou uma mulher preta que estudou a vida inteira em escola pública e que não teve as mesmas oportunidades e vivências que muitas das pessoas ao meu redor no mundo corporativo tiveram. No início, meu primeiro pensamento foi: “preciso absorver tudo dessas pessoas”. E o grande desafio foi desconstruir essa ideia, entender que não se tratava apenas de absorver, mas também de compartilhar. Perceber que eu poderia, e deveria, trazer a minha vivência, a minha resiliência e toda a jornada que construí para chegar até ali, porque também tinha aprendizados e experiências valiosas para dividir. Foi sobre não me comparar e reconhecer que a minha trajetória também tinha um lugar legítimo dentro daquele ambiente.

M&M — Quais conselhos você daria para uma jovem mulher que quer crescer na carreira de tecnologia?

Natália — Tenho dois conselhos aqui. O primeiro é: acredite no seu potencial. A gente vive em um mundo que, muitas vezes, tenta nos fazer acreditar que não pertencemos a certos espaços, especialmente aos espaços de decisão. Que no máximo podemos chegar a uma posição sênior. Mas precisamos acreditar no nosso potencial para forçar a abertura de portas que, de outra forma, talvez nunca se abrissem. No entanto, acreditar no potencial sem estar preparada não adianta. Então, o segundo conselho é: esteja preparada. Faça cursos, converse com pessoas que ocupam posições que você almeja, pergunte o que elas fizeram e o que fariam diferente. Quando trocamos experiências, criamos atalhos, e é por isso que a mentoria é tão importante. A gente não precisa errar para aprender. Podemos aprender com a vivência dos outros, entender o que deu certo e encurtar caminhos.

M&M — O que as empresas podem fazer para aumentar a diversidade dentro dos times de tecnologia?

Natália — Se a tecnologia não incluir as pessoas, ela não é para todo mundo. Então, se queremos que a tecnologia realmente atenda a todos, precisamos trazer perspectivas diversas para sua construção, e isso ainda não acontece como deveria. Esse movimento precisa ser intencional. Não basta apenas ter o discurso de que a diversidade é importante. A questão agora é: como ser intencional? Quando uma empresa abre um processo seletivo, ela é intencional nas pessoas que chama para entrevista? Ou continua chamando sempre os mesmos perfis, aqueles com as mesmas escolas no currículo e as mesmas oportunidades anteriores? Ser intencional, muitas vezes, significa que um processo que duraria um mês talvez precise durar dois. Como falamos antes, há grupos, como mulheres e outras minorias, que podem demorar mais para se candidatar, por diversos motivos. Então, as empresas não podem apenas esperar os currículos chegarem e dizer que estão fomentando a diversidade. Elas precisam se conectar com organizações e consultorias especializadas no recrutamento de grupos minorizados, para realizar um trabalho ativo de busca e inclusão.

Já passamos da etapa de dizer que diversidade é importante, isso é consenso. Sabemos que ela traz resultados concretos dentro das companhias. O que precisamos agora é agir com intencionalidade. E ser intencional não é só sobre contratar. É também sobre garantir que a empresa esteja preparada para receber essas pessoas. Quando falei sobre entender que a minha história tem valor dentro da companhia, isso não é apenas sobre eu reconhecer o meu valor. É também sobre quem já está lá dentro reconhecer o valor de quem está chegando, entender que cada pessoa traz trajetória, vivência e construção diferentes. O olhar para a diversidade tem múltiplos pilares e vai muito além de esperar que um currículo diverso apareça na mesa. É sobre agir, construir pontes e criar ambientes que realmente acolham e potencializem essas diferenças.