Rita Soares: COP30 traz visibilidade à comunicação regional
Sócia da Jambo, agência de comunicação do Pará, defende protagonismo do mercado local para além do evento

Rita Soares, sócia da Jambo, agência de relações públicas do Pará (Crédito: Ana Dias)
Rita Soares é maranhense de nascença, mas ainda na infância, migrou para Itaituba, no Pará, uma região de garimpo, onde seus pais trabalhavam. Esse é um movimento muito comum na região, conforme conta a jornalista: a migração do Nordeste para o Norte devido ao garimpo. Quando chegou a época de escolher um curso superior, Rita pensou em seguir este caminho e estudar geologia ou engenharia, mas logo se apaixonou pelo jornalismo e decidiu cursar comunicação na Universidade Federal do Pará.
Trabalhou em diferentes jornais e emissoras de TV locais até migrar para a assessoria de imprensa. “Há 13 anos, abri a Jambo Comunicação, mas só nos últimos dois anos realmente me dediquei integralmente à empresa”, conta. Com a chegada da COP 30 em Belém do Pará, Rita e sua sócia, Ivana Oliveira, começaram a ser mais requisitadas e finalmente estruturaram a empresa. Hoje, oferecem diversos serviços de comunicação, da estratégia de relacionamento e reputação a produção de conteúdo e treinamentos.
Nesta entrevista ao Women To Watch, Rita Soares analisa o impacto da COP 30 no mercado de comunicação regional e faz um chamado para as marcas que querem se comunicar com a região.
Meio & Mensagem – Como surgiu a Jambo comunicação?
Rita Soares — Foi um processo bem natural, porque a gente começou a ser procurada. Tenho uma sócia, a Ivana Oliveira, que é muito focada e tem doutorado pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, uma referência na área de sustentabilidade. A partir disso, começamos a receber demandas de empresas e organizações que queriam uma comunicação mais voltada para essa temática. A gente percebeu que havia um mercado ali, algo que eu, sinceramente, não imaginava, porque achava que o setor de comunicação já estava muito saturado na região. Mas, com essa procura impulsionada pela COP, entendemos que existia um espaço importante a ser ocupado. Assim, a empresa foi se estruturando e ganhando corpo, não de maneira muito planejada, mas a partir dessas oportunidades que foram surgindo.
M&M – Como é a conexão da Jambo com a Amazônia? De que forma ela está inserida na estratégia da agência?
Rita — Sou maranhense, e o Maranhão faz parte da Amazônia Legal. Então, desde cedo, crescemos estudando sobre a região. Os estudos amazônicos sempre fizeram parte dos nossos currículos. A Ivana, minha sócia, fez toda a formação dela no Amazonas, cresceu em Manaus e estudou na Universidade Federal do Amazonas. Isso está muito presente na nossa vivência, no nosso cotidiano. Às vezes, algumas empresas nos convidam para realizar o que temos chamado hoje de “letramento sobre a Amazônia”. Existem conhecimentos que, para nós, são tão naturais que achamos que todo mundo os tem, mas percebemos que não é bem assim. Com a COP e o aumento da procura de pessoas de fora da região, ficou claro que há muitas coisas do nosso dia a dia que, para quem vem de fora, são novidades ou até algo surpreendente.
Somos uma área de floresta, mas não só isso: a Amazônia tem cerca de 30 milhões de habitantes. Há pessoas morando aqui, vivendo na floresta e ajudando a protegê-la. Claro, existe destruição, mas também há muitas comunidades fundamentais para a preservação desse ecossistema. As águas, o ritmo das chuvas, das marés, tudo isso impacta fortemente nossa rotina. A cultura, a gastronomia e a forma de viver fazem parte do nosso dia a dia e, agora, têm atraído cada vez mais a atenção do mundo.
M&M – Com a COP chegando, houve alguma mudança entre os clientes e demandas da agência? Qual é o impacto no mercado regional de comunicação?
Rita — Houve, sim, um grande impacto. Percebemos mais clientes nos procurando e valorizando o conhecimento local. Ainda não tanto quanto gostaríamos, mas já existe um movimento nesse sentido. Espero que isso não passe depois da COP, que não seja apenas algo momentâneo ou oportunista. Mas, de fato, os profissionais da região têm sido mais ouvidos. Antes, o nosso conhecimento era muito desconsiderado. Mesmo com uma formação acadêmica sólida e estudando profundamente sobre comunicação, ainda enfrentamos muito descrédito. É comum ouvirmos comentários como: “Vocês estão cobrando quase o mesmo que uma agência de São Paulo”. Como se, por estarmos na Amazônia, o nosso trabalho valesse menos e, portanto, devêssemos cobrar um valor inferior, mesmo entregando o mesmo nível de qualidade.
Nossos profissionais investem tanto quanto e, muitas vezes, até mais devido às dificuldades de acesso e ao chamado “custo Amazônia”. Na nossa equipe, todas as pessoas são graduadas: temos mestres, doutores e especialistas que estudaram sobre a região e sobre comunicação. São profissionais tão qualificados quanto os de qualquer outro lugar. Com a COP acontecendo em Belém, percebemos que esse conhecimento local começou a ser mais valorizado. E a nossa esperança é que isso não seja passageiro, mas se consolide como algo permanente. É muito difícil para a gente ter que estar o tempo todo provando que temos capacidade, que podemos fazer bem feito. Essa necessidade constante de revalidação cansa. Espero, de verdade, que esse momento gere frutos duradouros e que o mercado continue valorizando os profissionais da região mesmo depois que os holofotes saírem daqui.
M&M – O que as agências regionais e fora do eixo sudeste podem agregar para as marcas?
Rita — Fazer comunicação de forma profissional requer esse equilíbrio entre arte e método, e os profissionais daqui estão totalmente preparados para isso. Além dessa base técnica, temos algo fundamental: o conhecimento da região, a vivência do território. Sabemos como ouvir as vozes locais, como nos posicionar diante delas e entender as sutilezas culturais e sociais que permeiam esse contexto. Para as marcas que chegam até aqui, o mais importante é escutar primeiro. Ter uma escuta atenta, se despir dos preconceitos e compreender o território antes de agir. E é justamente nesse processo que os profissionais locais podem ajudar: conduzindo esse diálogo com respeito, sensibilidade e conhecimento de causa.
M&M – Quais são os principais pilares e pontos que vocês abordam nos treinamentos com as marcas?
Rita — O primeiro pilar é o da escuta. É fundamental começar ouvindo. O segundo é a valorização do conhecimento que já existe aqui. Muitas vezes, percebemos uma tendência de desconsiderar saberes locais. Durante muito tempo, esse saber foi tratado como algo menor, mas ele é, sim, uma forma de tecnologia. Quando falamos em tecnologia, as pessoas costumam pensar em internet, em carro elétrico, mas extrair o tucupi da mandioca e transformá-lo em um tempero é também uma tecnologia sofisticada na sua simplicidade. Além disso, buscamos reforçar a importância de respeitar as diferenças: de sotaques, de modos de falar, de formas de se posicionar no mundo. Somos diferentes, sim, mas também somos Brasil. E é assim que queremos ser reconhecidos. A COP é uma boa oportunidade para isso, para que o país e o mundo nos vejam de verdade.
M&M – Como as marcas e anunciantes podem integrar as agências regionais em seu ecossistema de comunicação?
Rita — Acho que é mais do que poder, é um dever. Isso pode evitar muitos erros de comunicação quando o foco é esse território. Se uma marca quer se comunicar com a Amazônia, precisa primeiro entender esse território, compreender quais são os termos dessa conversa, o contexto, as sensibilidades locais. As agências e os profissionais da região, que têm essa vivência cotidiana, podem ajudar as marcas a construírem uma comunicação mais eficaz e, principalmente, mais empática. É um papel de mediação, de tradução cultural. Assim como existe um guia de turismo para conduzir alguém por um território desconhecido, nós podemos ser esses guias na comunicação, ajudando as marcas a entenderem, respeitarem e dialogarem verdadeiramente com a Amazônia e com quem vive aqui.
M&M – Qual foi o maior desafio da sua carreira e como você lidou com ele?
Rita — Ainda lido com esse desafio, que é me enxergar como empreendedora. Na escola de jornalismo que eu fiz, nós não fomos preparados para isso. Pelo contrário, havia até um certo preconceito com a ideia de ser um “vendedor”. O jornalista era quase um observador isolado da sociedade e essa era a visão que tínhamos no início dos anos 1990. Demorei muito para me ver como uma empresária, uma empreendedora que lidera uma equipe. Ainda hoje é desafiador. Preciso repetir para mim mesma: “Sou uma empreendedora, sou uma empresária”. É um exercício constante, porque ainda é difícil me enxergar dessa forma, como uma empresária do setor de comunicação.
M&M – Você tem algum recado final?
Rita —Acho importante que as marcas considerem a diversidade brasileira. Nesse cenário em que a comunicação tem se tornado cada vez mais segmentada, saindo da lógica da comunicação de massa para uma comunicação em rede, é possível, inclusive com custos menores, falar de maneira mais específica com diferentes públicos. Então, é fundamental valorizar as diferenças do Brasil, de Norte a Sul. E não apenas valorizar, mas destacar e trabalhar com elas, ser empático nessa comunicação. Somos muito diferentes, embora façamos parte do mesmo país, e que bom que temos essas diferenças, porque é justamente elas que nos permitem somar.