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Stranger Things e o fenômeno da nostalgia no streaming

Ao longo de dez anos, série da Netflix uniu gerações, impulsionou fandoms e negócios e refletiu mudanças no consumo audiovisual

i 28 de novembro de 2025 - 6h02

Stranger Things, da Netflix, é uma das séries de maior sucesso da plataforma (Crédito: Reprodução)

Stranger Things, da Netflix, é uma das séries de maior sucesso da plataforma (Crédito: Reprodução)

Dez anos após sua estreia, Stranger Things, cujos episódios da última temporada estrearam essa semana, segue como um dos títulos mais representativos do impacto do streaming no consumo audiovisual global.

A produção dos irmãos Matt e Ross Duffer combina ambientação nos anos 1980, mistério, fantasia e referências culturais como o RPG, um jogo de interpretação de personagens em que os participantes criam histórias coletivamente.

Porém, antes do retorno da quinta e última temporada (com o Volume 1 estreando nessa quarta-feira, 26, com quatro episódios; o Volume 2 chega em 25 de dezembro de 2025, com três episódios; e o episódio final será lançado em 31 de dezembro), a série enfrentou longos hiatos por fatores externos à produção.

A pandemia de Covid-19 interrompeu gravações e impôs restrições à circulação de equipes. Em 2023, a greve dos roteiristas nos Estados Unidos, organizada pelo Writers Guild of America (WGA), reivindicou melhores salários, regras claras para o uso de inteligência artificial e participação mais justa na receita de streaming, afetando cronogramas de grande parte da indústria.

Esse longo período entre a espera e os lançamentos das temporadas, acabou fortalecendo a popularidade da produção. Marcelo Forlani, sócio-criador da Omelete Company, afirma que a trajetória dos atores lembra a de franquias de longa duração, como Harry Potter (2001–2011).

Já Paola Piola, gerente de conteúdo do Adorocinema, destaca o sucesso da série como a conexão com outras narrativas que exploram amizade, amadurecimento e nostalgia, como Lost (2004–2010), Game of Thrones (2011–2019) e Turma da Mônica, criação de Mauricio de Sousa que atravessa gerações desde a década de 1950.

Ambos destacam que essas referências ampliam o repertório cultural do público e criam um ponto de encontro entre gerações. “A ambientação dos anos 80 traz um repertório reconhecível para quem viveu aquela década. A série estava no lugar certo, na hora certa com o parceiro certo, que era a Netflix”, diz Forlani.

Para o pesquisador Lucas Fraga, head de estratégia da BALT, a força da nostalgia na série não depende de ter vivido a década retratada. Ele acredita que, para parte das gerações Millennial e Z, o interesse funciona como uma maneira de imaginar um período percebido como menos complexo do que o presente, marcado por hiperconexão e excesso de estímulos.

“A nostalgia acompanha a história humana, mas hoje também representa uma ideia de mundo mais simples”, afirma. Fraga destaca ainda o caráter estético desse imaginário, com cores fortes, figurinos marcantes e cenários icônicos — como o episódio em que Max e Eleven passam o dia no shopping e na sorveteria.

Para ele, parte do encanto está na recriação de espaços que “muitas pessoas já não frequentam como antes”, o que amplia a sensação de distanciamento e reforça o apelo nostálgico.

Fandoms, identidade e o público brasileiro

O Brasil aparece de forma particular nessa relação entre plataformas, nostalgia e comunidades de fãs. Paola observa que os brasileiros se engajam de maneira intensa e participativa, criando debates, teorias e disputas que repercutem em diferentes redes sociais.

Fraga aprofunda essa perspectiva ao afirmar que o País possui uma cultura de fandom marcada por envolvimento emocional e senso de comunidade. Para ele, essa postura está ligada a elementos históricos e culturais.}

“Somos muito passionais. Hollywood percebe isso quando vem a eventos como a CCXP, em que o público reage como se estivesse diante de estrelas do rock”, afirma.

Esse comportamento também aparece em pesquisas globais sobre streaming. O Relatório Global Netflix Ads 2025 aponta que 78% dos jovens adultos veem o ato de ser fã como parte relevante da identidade, e que 90% compartilham recomendações com amigos para criar conexão.

Entre Gen Z e Millennials, o estudo indica que séries e filmes ajudam a compreender aspectos da própria personalidade, enquanto o streaming funciona como espaço de conforto emocional. A diversidade do catálogo também é decisiva: a ampla maioria afirma sempre encontrar algo interessante para assistir e demonstra disposição para descobrir novos títulos.

Outra pesquisa do Opinion Box também mostra que 40% dos brasileiros participam de algum fandom ligado a séries, filmes, música ou universos ficcionais.

Stranger Things é uma das séries de mais sucesso da Netflix (Crédito: Reprodução/Youtube)

Stranger Things é uma das séries de mais sucesso da Netflix (Crédito: Reprodução/Youtube)

O hábito de maratonar permanece significativo. Segundo o relatório, consumidores jovens relatam assistir temporadas rapidamente para evitar spoilers e participar das conversas em tempo real, padrão que se intensificou com produções de alta repercussão como Stranger Things. Esse comportamento reforça o ciclo social de consumo: quem maratona, comenta; e quem comenta, incentiva novos espectadores a buscar a série.

Impacto cultural

No plano cultural, a estética da série influenciou outras produções audiovisuais, campanhas publicitárias e diferentes segmentos do consumo pop. Paola destaca esse alcance ampliado.

Stranger Things conseguiu sair da bolha da TV e ir para moda e até comida. É uma série que reverbera para além da tela”, afirma. “A forma como ela recolocou Running Up That Hill, de Kate Bush, no topo das paradas mostra como esse impacto cultural atravessa gerações.”

“É uma série que a gente vai lembrar não só como entretenimento, mas como um fenômeno cultural”, afirma Paola. Para ela, o fato de novas gerações descobrirem referências musicais, estéticas e narrativas por meio da produção indica que seu impacto deve permanecer ativo mesmo após o encerramento da história. “Stranger Things atravessa muitas camadas: é nostálgica, é pop, é emocional”, diz. “E esse tipo de obra continua reverberando porque conecta público, memória e cultura.”

Todo esse engajamento, naturalmente, também se reflete em termos de negócios. O lançamento dessa última temporada gerou uma lista de diversas collabs, entre Netfliix e diversas marcas,  para a criação de produtos que vão de combo de fast food até a carro, inspirados no universo da série.