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Opinião

Um presente para o mundo

Os desafios da publicidade e os diferenciais para a construção de campanhas relevantes


22 de julho de 2016 - 17h13

fotolia1Não faz muito tempo, publiquei aqui uma coluna com críticas às agências de publicidade. Posso ter passado a impressão de creditar aos publicitários a culpa pela queda de qualidade na produção do setor no País, mas seria injusto atribuir apenas à propaganda as coisas que não vão bem no mercado de marketing e comunicação. Acredito que os gestores de marketing são, na maioria das vezes, os maiores culpados por essa acomodação que temos percebido. Na coluna de hoje, procuro comentar as razões desse estado de coisas e propor reflexões que ajudem a mudar o cenário num futuro próximo.

Já comentei neste espaço a pesquisa da Federação Nacional das Agências de Propaganda, que identificou os maiores problemas do setor. O estudo foi conduzido junto aos próprios publicitários, de forma que seus resultados espelham a opinião de quem constrói o dia-a-dia do mercado. As principais dificuldades apontadas foram: pressão por novos modelos de remuneração; distanciamento do C-Level dos clientes; qualificação de profissionais inadequada às demandas; queda da atratividade junto a estudantes e novos talentos; baixa percepção de valor dos produtos mais preciosos: inteligência, estratégia, criação e planejamento; agenciamento de mídia versus geração de ideias; juniorização; baixa coesão do setor; imagem deteriorada; modelo desgastado; perda de protagonismo e relevância; e crise de identidade. Não há na lista um mísero problema fácil de resolver. São questões complexas, que exigem profundidade de pensamento, capacidade de renúncia, experiência e doses de ousadia.

Adoraria ver uma pesquisa dessas com gestores de marketing. Aposto que algumas das mazelas seriam idênticas, especialmente o distanciamento do C-Level, a qualificação dos profissionais, a juniorização, a perda do protagonismo e a crise de identidade. Mas quem nasceu primeiro: o enfraquecimento das agências ou o das áreas de marketing? A meu ver, o marketing deixou a peteca cair antes, porque se as áreas de marketing tivessem mantido sua força e exigido das agências um trabalho não menos audacioso do que o visto até ali, estas jamais teriam se arriscado a perder contas devido a padrões mais frouxos.

Eis um fato: qualquer uma das 20 maiores agências do País é perfeitamente capaz de produzir grandes campanhas. Todas já fizeram coisas geniais e continuam produzindo, embora com menor frequência. Temos muita gente talentosa no mercado — e sou capaz de listar pelo menos meia dúzia de pessoas brilhantes em cada uma das tais 20 agências. Claro que algumas agências se destacam e têm campanhas mais relevantes e perenes, enquanto outras se arriscam menos, mas tenho convicção de que um bom cliente consegue fazer campanhas extraordinárias com qualquer uma delas.

As melhores acertarão de primeira, as outras precisarão de duas ou três revisões, mas um cliente que não aceite conviver com a mediocridade e esteja disposto a arriscar (o emprego, inclusive) para perseguir o melhor, fatalmente colocará no ar um trabalho inesquecível.

Concluo, assim, que o maior responsável por uma campanha brilhante ou irrelevante colocada na rua é mesmo o cliente. Feita essa constatação, o que os heads de marketing deveriam fazer para melhorar a qualidade e relevância do que os consumidores veem? A primeira atitude é entender que há uma maneira certa e uma errada de se trabalhar com uma agência. Os bons gestores de marketing trabalham com as agências e compartilham o sucesso. Os maus atuam contra as agências e adotam o “eu ganhei, nós empatamos, eles perderam”. Os bons fazem as agências trabalhar para a marca e seus resultados, enquanto os maus fazem as agências trabalharem para eles mesmos. A propósito disso, há um falso dilema entre construção de marca e geração de vendas — e os melhores marqueteiros são aqueles que nem por um segundo tentam traçar uma linha divisória entre esses objetivos. Campanhas sem awareness dificilmente vendem, e lembrança sem geração de negócios simplesmente não é marketing.

Outra questão que os marqueteiros precisam colocar no check-list: a campanha com a qual pretendem emocionar os consumidores emociona seu público interno? Porque se ela não é capaz de engajar o público mais propenso a gostar da mensagem da marca, pois já veste sua camisa e usa seu crachá, como emocionará o público em geral? Uma campanha que gera engajamento e sentido de propósito é capaz de mexer no placar, de fazer colaboradores trabalharem em outro nível de compromisso e, assim, consegue mudar a percepção dos clientes.

Para o ramo de serviços isso quer dizer maior fidelização e resultados. Portanto, o melhor investimento que uma área de marketing pode fazer é desenvolver campanhas com alto nível de identificação, impacto e entusiasmo, capazes de entrar na cultura popular. E não se faz isso apenas com jingles, celebridades e um zilhão de GRPs. É preciso relevância, inteligência e emoção.

Nunca vou esquecer do documentário “The Kid Stays in the Picture”, que narra a vida do genial e polêmico produtor Bob Evans, que salvou a Paramount da falência. Num deter ponto do filme, surgem cenas de um vídeo que ele gravou para investidores, que ficavam em Nova York e sequer eram do ramo. Evans dizia: “Este ano, o presente de Natal da Paramount para o mundo será um filme chamado ‘Love Story,’ cuja primeira cena, de uma maneira absolutamente ousada, mostrará a morte da protagonista”. Percebam os riscos que a empresa correu, para depois ser premiada com uma das maiores bilheterias da história. Mais adiante, ele acrescenta: “No ano que vem, nosso presente de Natal para o mundo será um filme que conta a história de um mafioso, baseada no best seller de Mario Puzo, ‘O Poderoso Chefão’”. Com ideias ousadas e bem executadas, a Paramount se salvou da bancarrota — e o resto é história.

Não por acaso, sempre que preciso brifar uma grande campanha para uma agência conto a história de Evans e termino com a pergunta: “Qual será o próximo presente da nossa marca para o mundo?”. Uma grande campanha precisa nascer com a ambição de dar um presente ao mundo, especialmente se é desenvolvida por uma marca gigante, com recursos que permitem não se contentar com menos que o extraordinário. Porque, sem recuperarmos a ambição pelo extraordinário, jamais sairemos do atoleiro das coisas bem-feitinhas. Somos melhores do que isso. Basta ousar.

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