A dificuldade de separar a economia do contexto global

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Opinião

A dificuldade de separar a economia do contexto global

Globalização e digitalização da cadeia de valor aumentaram em termos de complexidade em definir a origem de um produto e de volatilidade


22 de agosto de 2018 - 15h48

Para dedicar-se ao protecionismo, primeiro, é preciso conhecer a “verdadeira” nacionalidade dos produtos. E, em um mundo globalizado, isso está longe de ser fácil. Quando o presidente Trump impõe tarifas em cima de alumínio ou aço, é relativamente óbvio de onde vêm essas matérias-primas. Simplificando, o aço é fabricado na Alemanha e o alumínio, no Canadá. Quando a Europa revida a atitude em cima de uísque ou suco de laranja, é igualmente simples determinar a origem. São produtos homogêneos.

No entanto, é muito mais difícil determinar a nacionalidade de um produto que é feito de diversos componentes, de diferentes partes do mundo. Há alguns anos, pesquisadores da University of California, em Los Angeles, rastrearam a origem de 431 componentes de um iPod. Os elementos vieram de diferentes regiões do globo, para serem unificados na fábrica de Foxconn, em Longhua, na China. No final, o valor adicionado no produto final não excedeu 5%. Mas, ao levar a mercadoria na alfândega dos Estados Unidos, o iPod foi considerado um produto chinês. Mesmo?

O déficit comercial dos Estados Unidos é resultado de importações, por exemplo, do México ou da China. Porém, 40% das importações mexicanas para os Estados Unidos são feitas por empresas norte-americanas, baseadas no México, ou por companhias mexicanas que são fornecedoras dedicadas de empresas norte-americanas. O mesmo acontece na China, que se tornou fonte preferida de fornecimento e fabricação de empresas europeias e norte-americanas.

Além disso, como podemos contabilizar os componentes que são distribuídos livremente, para criar um padrão, como parte de uma estratégia de negócios? Hal Varian, economista chefe do Google, por exemplo, estima que, se fosse um produto pagador, o software Android, do Google, que agora está disponível gratuitamente como plataforma para smartphones, valeria US$ 200 bilhões por ano, Isso compensaria 50% do déficit comercial dos Estados Unidos.

Em uma escalada de retaliação, o presidente dos Estados Unidos também ameaça a indústria automobilística alemã. No entanto, a BMW produz carros em Spartanburg, na Carolina do Sul; a Mercedes, em Vance, no Alabama; e a Volkswagen, em Chattanooga, no Tennessee. Essas fábricas também produzem para exportação. Dos 371.316 carros fabricados (essencialmente o modelo X5), no ano passado, pela BMW, em sua fábrica de Spartanburg, 70% são embarcados para o exterior. Esses carros são americanos ou alemães?

A convenção de Kyoto, que entrou em vigor em 1974, tentou trazer alguma ordem para a definição da “nacionalidade” de um produto. Em suma, a origem de um produto pode ser derivada de uma porcentagem mínima de conteúdo local ou do último processo de transformação mais importante. Mas, isso não é mais suficiente. A globalização e a digitalização da cadeia de valor aumentaram não só em termos de complexidade em definir a origem de um produto, mas também em termos de volatilidade. O mix de componentes que constituem um produto, por exemplo, pode mudar de um mês para o outro e ser fornecido internacionalmente de modo flexível, de acordo com os preços e as capacidades.

O presidente americano parece ignorar, como os apoiadores de Brexit, o fato de que se tornou extraordinariamente complicado separar uma economia de seu contexto global. Os Estados Unidos investiram cerca de US$ 8 trilhões no resto do mundo, enquanto outros países detêm cerca de US$ 7 trilhões nos Estados Unidos. No geral, o investimento direto representa 35% do PIB global e emprega mais de 80 milhões de pessoas. Na economia, como na vida privada, um divórcio é mais complicado e caro do que um casamento.

Para obter uma imagem mais clara do impacto dos negócios internacionais, precisamos nos concentrar no conteúdo de valor agregado de um produto e não apenas em sua origem geográfica, como fazem as estatísticas alfandegárias. Isso também é destacado por vários estudos da World Trade Organization e da OECD. Mas, tudo fica complicado quando esse valor agregado também pode surgir de uma economia de dados imateriais ou de transações realizadas com blockchain. Neste mundo descentralizado e imaterial, quem possui o quê?

Estamos muito longe dos tuítes simplistas e irados do presidente americano. Porém, infelizmente, teremos que viver com isso. Como John Maynard Keynes apontou: “todos os problemas são econômicos e todas as soluções são políticas. Infelizmente…”.

*Crédito da foto no topo: Public Domain Photography/Pexels

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