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Como a guerra contra o Hamas afeta o ambiente de inovação em Israel
Conflito entre país, que é polo global de startups de tecnologia, e grupo extremista deve afugentar talentos e investidores, mas pode forçar acesso a outras inovações
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Thaís Monteiro
24 de outubro de 2023 - 6h00
Devido à repercussão negativa de um comentário no X em que, indiretamente, acusou Israel de cometer crimes de guerra, o CEO do Web Summit, Paddy Cosgrave, renunciou ao cargo. Empresários israelenses, como Garry Tan, CEO da Y Combinator, e Ravi Gupta, investidor da Sequoia Capital, não receberam bem a afirmação, assim como as big techs Intel, Siemens, Amazon Web Services, Alphabet e Meta. Publicamente, eles retiraram sua participação no Web Summit de Portugal este ano.
O Web Summit é um evento conhecido por reunir o mercado de inovação globalmente, sobretudo startups. Israel disputa a liderança enquanto um dos polos globais de inovação. “Infelizmente, os meus comentários pessoais tornaram-se uma distração para o evento e para a nossa equipe, os nossos patrocinadores, as nossas startups e as pessoas que o frequentam”, declarou Cosgrave.
Conhecido como Silicon Wadi, em 2020, o território contava com 8.400 companhias de tecnologia, com aumento de mil a cada ano. Do local, 1.200 startups já haviam sido adquiridas por multinacionais, em acordos bilionários.
Waze Mobile, desenvolvedora do Waze, está entre os exemplos de startups israelenses bem-sucedidas. O Google comprou o Waze em 2013. A Intel também adquiriu a startup Mobileye, de desenvolvimento de sistemas inteligentes para carros autônomos, em 2017.
Em 2018, o país tinha a maior média de startups por habitante (uma startup a cada 1.400 pessoas). De acordo com a Autoridade de Inovação de Israel, o setor de tecnologia representa 15% da mão-de-obra do país.
O tamanho desse mercado é resultado de um esforço contínuo do poder público, indicam especialistas. Estima-se que o governo investe mais de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) no setor de tecnologia. Conforme o vice-presidente da Associação Brasileira de Startups, Felipe Mattos, o governo criou mecanismos de transferência de tecnologia para o mercado.
O governo israelense investe continuamente em pesquisa e desenvolvimento, diz o professor de MBA da FGV, André Miceli. Parte desse esforço foi direcionado a constituir uma nação potente, devido ao histórico do povo judeu. “Quando houve a constituição do Estado de Israel, você enxerga, desde o início, o forte apoio do governo a essa questão da inovação associada a pesquisa e desenvolvimento, porque eles precisaram construir uma nação”, argumenta.
Ademais, o poder público também é responsável por trazer investimentos externos para dentro de casa, facilitando a entrada de investidores com incentivos fiscais. Israel recebeu US$ 5,5 bilhões em capital de risco em 2023.
Esses grandes investidores se manifestaram sobre os conflitos com o grupo Hamas, que tiveram início este mês. Grupos como Bessemer Venture Partners, GGV Capital e Insight Partners e outras 300 empresas de capital de risco declararam apoio ao país. Da mesma forma, empresas como Sequoia Capital e General Catalyst mobilizaram doações.
Conforme Mattos, a formação de mão de obra qualificada, os incentivos governamentais e a presença de agentes de fomento e investidores privados são atrativos para os empreendimentos que apostam na inovação do local. Por uma questão territorial, a escala dos negócios se torna maior. “Representa um mercado interno muito pequeno, então as empresas que surgem lá já nascem globais”, explica.
Segundo os executivos, existe uma relação direta entre a inovação e os conflitos locais. Para Miceli, um contexto complexo e que envolve disputas necessita de inovação, sobretudo na criação de soluções militares. “Então, se desenvolvem as tecnologias de construção de narrativas, porque contar essa história se torna tão importante quanto realizar a história propriamente dita e também se desenvolvem as tecnologias de combate efetivamente. O contexto histórico acaba sendo determinante para esse comportamento de Israel”, pontua.
Assim, as indústrias de segurança (incluindo cybersegurança), tecnologia da informação, tecnologias militares e bélicas se sobressaem. “Houve grandes investimentos do governo, especialmente na indústria bélica e de cibersegurança, que se converteram em novas tecnologias”, aponta Mattos. O Waze, diz Miceli, foi criado enquanto tecnologia militar que se estendeu à função de um GPS cotidiano.
Por outro lado, o contexto deu proporção para o desenvolvimento de soluções voltadas à saúde. “As áreas biomédicas também acabaram sendo impulsionadas pela necessidade de curar as pessoas que acabaram se envolvendo em um problema que é extremamente complexo, mas que sempre teve desdobramentos muito práticos para o povo daquela região”, diz Miceli.
A partir do conflito, o governo chamou cerca de 300 mil reservistas para a linha da frente da guerra. Esse número inclui funcionários, gestores e empreendedores dessas startups. Enquanto isso, alguns desses empresários tentam gerir os negócios concomitantemente à guerra.
Por enquanto, as consequências da guerra para esses negócios ainda são indefinidas. Em curto prazo, os especialistas acreditam que haverá grande saída de pessoas do país e, com isso, uma fuga de talentos do local. “Perdem-se recursos humanos e estabilidade econômica e isso influencia negativamente no ecossistema de inovação”, explica Mattos.
Desse modo, o executivo prevê que alguns empreendedores possam migrar a sede das suas empresas para outros países, como ocorreu com as startups ucranianas, o que fez com que o ecossistema local encolhesse.
Além disso, o país vive interrupções operacionais, desvio de foco, uma diminuição do mercado consumidor interno e outros percalços.
Dessa forma, o capital estrangeiro também pode se afugentar. “Incerteza leva a decisões mais conservadoras, no sentido de manter o status quo de investir aonde está dando dinheiro e isso é antítese do que é um ambiente de inovação”, diz Miceli.
Por outro lado, o executivo acredita que a resiliência dos cidadãos e o próprio contexto proporcionem outras soluções a serem desenvolvidas.
“É um povo que está muito acostumado a lidar com essas interrupções. Se, por um lado, esse cenário cria um ambiente que desestimula a inovação, por outro, estamos vendo um cenário que cria demandas muito fortes, problemas muito grandes. Sempre nesses casos, tendemos a ver inovações aparecerem”, conclui.
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