Resolução do BC demandará rearquitetura de marcas
Além de Nubank, instituições como Pagbank, Will Bank, Bankly, Altbank e Zro Bank estão na mira do Banco Central

Elevar a segurança e transparência do sistema financeiro foi o argumento do BC para as mudanças (Crédito: reprodução)
Ainda que o Nubank tenha sido o grande foco de atenção após a medida anunciada recentemente pelo Banco Central do Brasil de restringir a nomenclatura “banco” ou “bank” por instituições que não tenham autorização para operar como tal, outras fintechs também devem ser afetadas.
Entre 15 e 20 empresas estariam no grupo das que têm o prazo de 120 dias para ajustar suas nomenclaturas em razão social, sites e comunicação, incluindo Pagbank, Will Bank, Bankly, Altbank e Zro Bank (C6 Bank e o Banco Inter já têm autorização para operar num escopo mais abrangente).
Na coletiva de imprensa que anunciou esta e outras normas, Gilneu Vivan, diretor de regulação do BC, justificou a medida como parte de uma agenda regulatória divulgada em abril, com objetivo de elevar a segurança e transparência do sistema financeiro. “Ao longo do tempo, temos tido diversos novos tipos de negócios e, por vezes, o nome utilizado pela instituição financeira não é adequado ao tipo de serviços que é autorizada a prestar”, comentou, acrescentando que isso traria riscos ao cliente e ao próprio sistema.
Para o professor Roberto Kanter, da FGV, a medida não altera o funcionamento do mercado financeiro digital, mas “corrige sua gramática”, exigindo precisão comunicacional e, consequentemente, reduzindo ambiguidades e fortalecendo a transparência sistêmica. Portanto, ataca o problema da distância entre a categoria jurídica de uma instituição e a forma como ela se apresenta ao público.
No grupo sobre o qual o BC voltou a mira com a medida estão as Instituições de Pagamento e as Sociedades de Crédito Direto (SCDs), que exercem funções importantes no ecossistema financeiro, ressalta Kanter, mas não são bancos em sentido regulatório. Mas algumas delas não utilizam o termo banco, ainda que oferecendo produtos sofisticados como crédito pessoal ou empresarial, meios de pagamento e carteiras digitais – o professor cita os casos de Creditas, Geru, Biz, Cora e MovilePay (iFood).
“Essas instituições construíram marcas capazes de dialogar com o imaginário coletivo do ‘banco digital’, o que fortaleceu sua penetração competitiva, mas também gerou zonas ambíguas que o Banco Central decidiu agora esclarecer formalmente”, pontua.
Por seu turno, Jorge Ferreira dos Santos Filho, professor do curso de Administração da ESPM, lembra que a resolução é uma medida que as instituições financeiras classificadas como bancos múltiplos – ou incumbentes – vinham solicitando há bastante tempo. “Esse movimento ganhou força após a chamada ‘legislação da Faria Lima’, que apontou diversas irregularidades em corretoras e fintechs”, argumenta.
O professor destaca que os bancos múltiplos, como Banco do Brasil, Itaú, Bradesco, Santander e outros de menor porte, possuem uma licença ampla e robusta para operar. Já as fintechs, fenômeno mais recente, normalmente começam como Sociedades de Crédito (caso da Nubank) e, depois, passam a solicitar autorização para atuarem como Instituições de Pagamento. Com essas autorizações, conseguem oferecer alguns tipos de operações de crédito e serviços de gestão de pagamentos, o que permite que ofereçam aos clientes uma conta que “se parece com conta corrente, mas tecnicamente não é”.
Impacto nas marcas
A análise do professor da FGV é de que a resolução do BC demanda ajustes na arquitetura de marca dessas empresas. Pois se o termo “banco”, no imaginário do consumidor, indica um conjunto de atributos – segurança, supervisão intensiva, amplitude de serviços, lastro institucional e estabilidade – quando instituições que não são bancos utilizam elementos dessa semântica, há dissonância entre a natureza jurídica da operação e a percepção do cliente.
O reposicionamento exigido pela norma não destrói valor, ressalta, mas obriga as fintechs e SCDs a reforçarem narrativas mais precisas sobre quem são, quais licenças utilizam e que garantias oferecem. “Essa transição simbólica demanda comunicação clara para evitar ruídos de confiança no curto prazo”, avalia.
Já no caso do Nubank, a migração gradual para a marca “Nu”, pontua Kanter, revela que a organização já se preparava para cenários regulatórios mais estritos. E para além apenas da identidade visual e verbal representa um movimento estratégico de desvinculação do termo “bank”, acomodando a empresa em um posicionamento mais próximo ao de “plataforma financeira” do que ao de “banco digital”.
E o movimento deve ser seguidos por outras fintechs que operam como SCDs ou Instituições de Pagamentos.
Percepção do consumidor
Embora a comunicação oficial destas instituições enfatize que nada muda na oferta de produtos e serviços, a percepção do cliente pode sofrer pequenas oscilações, segundo Kanter: “A psicologia econômica mostra que confiança não é derivada apenas da experiência de uso, mas também dos signos que enquadram a relação entre marca e consumidor.”
Ainda que retirada do termo “bank”, em certos casos, possa levar parte dos usuários a revisitar intuitivamente suas percepções sobre segurança, abrangência e formalidade, para marcas já consolidadas — como o Nubank — esse efeito tende a ser marginal, porque a confiança foi construída muito mais pela experiência prática do que pelo enquadramento nominal.
“Como essa discussão já acontecia nos bastidores do setor, muitas fintechs mais estruturadas vinham se preparando para isso. Um exemplo é a própria Nubank, que já vinha destacando a marca ‘Nu’ de forma independente, tanto em produtos quanto em comunicação. É possível que a empresa já estivesse antecipando a decisão do Banco Central”, corrobora o professor da ESPM.
Por outro lado, ele destaca que a mudança pode gerar algum receio entre consumidores, já que bancos tradicionais são percebidos como mais seguros por terem uma estrutura regulatória mais robusta, apesar de eventos recentes, como o caso do Banco Master e os desdobramentos envolvendo o BRB. Assim, fintechs que não são bancos terão, para Santos Filho, dois desafios: reposicionamento de marca, e possíveis impactos na decisão do consumidor entre abrir conta em um banco ou em uma fintech.
Mas ele destaca, ainda, que isso não afeta toda a população da mesma forma, pois muitas fintechs cresceram justamente por oferecer serviços gratuitos e acesso facilitado, atraindo pessoas que não conseguem, ou não querem, manter conta em bancos tradicionais, nos quais há tarifas e encargos. “Esse diferencial permanece. A própria Nubank se destacou por oferecer cartão de crédito sem anuidade e serviços sem tarifas, e outras instituições seguiram caminho semelhante. Portanto, embora a mudança não altere produtos ou serviços oferecidos, ela pode, sim, influenciar a percepção de parte dos clientes, especialmente daqueles que associam o uso da palavra ‘banco’ a maior solidez e segurança”, diz Santos Filho.
Já para consumidores sensíveis a tarifas e com menor acesso ao sistema financeiro tradicional, fintechs seguem sendo uma alternativa “extremamente competitiva, independentemente da nomenclatura”.
No longo prazo, avalia Kanter, da FGV, o mercado se beneficia: consumidores passam a diferenciar, com mais nitidez, bancos, fintechs, instituições de pagamento e SCDs, enquanto as organizações são incentivadas a construir confiança baseada em entrega, e não em nomenclatura.
E sobre o ambiente de risco, ele analisa cada stakeholder nesse relacionamento. Para o sistema financeiro, pontua que fintechs apresentam risco menor do que bancos tradicionais pois não usam o dinheiro dos clientes para emprestar — o que evita problemas de “efeito dominó” no sistema. Bancos, ao contrário, trabalham justamente captando depósitos e emprestando esses recursos, o que exige um controle muito maior por parte do Banco Central. Para o consumidor, a principal diferença está nas garantias. Bancos têm proteções mais amplas e estão dentro de um conjunto de regras mais rígidas. As fintechs também são seguras, mas funcionam com outro tipo de regulação, mais adequada ao modelo digital. Em termos práticos: o serviço pode ser tão bom quanto, mas as proteções formais não são idênticas. Por fim, para a própria fintech, o risco costuma ser maior interno. “Como elas emprestam dinheiro próprio, precisam acertar muito na análise de crédito. Além disso, dependem fortemente de tecnologia; qualquer falha, instabilidade ou erro pode gerar prejuízos relevantes”, conclui.