Stephen Twining, membro da 10ª geração da família, conta o que fez a marca superar três séculos de atuação e suas estratégias para fazer os consumidores brasileiros encararem a bebida como um dos pequenos prazeres da vida
Stephen Twining ainda dá o toque familiar à empresa que foi adquirida em 1964 pela Associated British Foods e tem a missão de manter a tradição e renome da marca (Crédito: Denise Tadei)
Se o chá virou uma instituição da cultura britânica muito se deve à atuação da família Twining, em especial, a Thomas Twining, que começou o negócio como mercador em 1706. E no alto de seus 312 anos de mercado, a Twinings (sem apóstrofe, por decisão da terceira geração da família, que criou o logotipo e não gostava do sinal) está investindo pela primeira vez em comunicação no Brasil, um dos 115 países onde está presente. Um movimento ainda tímido: o filme principal da campanha de inverno, “Tealand”, foi criado pela Saatchi da Itália já há algum tempo, adaptado localmente pela Bossa Nova Filmes e tem veiculação em canais digitais, planejada pela Ampfy (assista abaixo). Mas a vinda de Stephen Twining, Diretor de Relações Corporativas e Masterblender da marca e membro da 10ª geração da família à capital paulista para o lançamento da campanha demonstra o interesse que ela tem pelo Brasil como mercado potencial. Embora não seja mais uma empresa familiar desde 1964, quando foi vendida para a Associated British Foods, a Twinings preserva a tradição e a qualidade de seus produtos. Stephen deixa isso claro na entrevista a seguir, onde também fala que não tem intenção de fazer o brasileiro trocar o cafezinho pelo chá, mas incluir este último como um dos momentos de prazer ao longo do dia. Afinal, a vida é muito curta para ficarmos à espera de grandes acontecimentos, defende a marca.
Longevidade
Em 1706, Thomas Twining começou a vender chá. Ele era aprendiz de um mercador que estava importando chás. Foi dessa forma que adquiriu esse conhecimento. O que ele queria gerar durante sua vida era a reputação de fazer uma coisa bem, e isso era a compra de blends de chás. Você precisa misturar os chás, porque… Você bebe vinho? Se bebe, deve ter um preferido, mas você pode ir à mesma vinicultura ano após ano e a cada ano é um pouquinho diferente, porque as condições do cultivo mudam a cada ano e a colheita é feita uma vez por ano. Mas o chá é colhido a cada período de 10 a 40 dias. Cada vez que visita um arbusto, se o clima tiver mudado, o sabor do chá também muda. Então, precisamos pegar chás diferentes, de jardins diferentes para fazer os sabores semelhantes. É o que nossos “master tea” fazem. Temos uma grande escola sobre essa atividade e tudo isso começou com Thomas. Embora ele tenha aberto a primeira loja do mundo de chás e cafés, que ainda está em funcionamento em Londres, percebeu que não era um expert em varejo. E esse se tornou seu meio de fazer negócio. E, se você gosta de filosofia empresarial, a dele foi fazer uma coisa, concentrar naquela uma coisa e fazê-la realmente bem, e isso viaja através do tempo. A outra parte da forma como fazemos negócio é que sempre controlamos a qualidade de todos os nossos artigos em todo o mundo. Pensamos em qualidade em termos globais, então, por exemplo, o Lady Grey é exatamente o mesmo chá aqui em São Paulo, em Xangai, em Londres ou Sidney. Mas também atuamos localmente, por meio de pessoas como a Fernanda (gerente da marca que acompanhava a entrevista). Eles entendem os gostos dos consumidores brasileiros de chás e, portanto, produzimos os chás que agradem ao paladar brasileiro. Há alguns chás no Brasil que você não encontrará num supermercado do Reino Unido, porque não se trata de replicar a experiência inglesa para o chá do brasileiro. Claro que você pode querer alguns deles, mas é terrivelmente importante para nós trazer os chás que são mais ativos localmente. Essa é nossa forma de fazer negócio e parece ter dado certo até aqui (risos).
Gosto ou obrigação?
Não, não. Desde os oito anos de idade eu queria estar no negócio. É também uma filosofia de família que a geração seguinte se voluntariasse, que se envolvessem porque quisessem fazer isso. Um dos netos de Thomas foi o que eu chamaria de primeiro voluntário, porque seu irmão mais velho foi trazido por seu pai para o negócio, mas não tinha entusiasmo, paixão ou interesse por chá. Na verdade, detestava todo o negócio de chá. Mas seu pai, filho de Thomas, era um homem muito sábio e o encorajou a seguir uma carreira pela qual tivesse paixão, e ele se tornou um intelectual. Sorte nossa, porque seu irmão mais novo, Richard, não via a hora de abraçar o negócio de chás. Mas teve ajuda desse irmão mais velho, que tinha grande influência no governo em construir o nome Twinings, e também em fazer uma nação britânica de apreciadores de chá. Thomas e seu filho viram que, naqueles tempos, chá era algo muito caro por causa dos impostos. E o Richard convenceu o então primeiro ministro a reduzir a taxação sobre o chá com o simples argumento de que com um imposto tão alto, as vendas seriam muito pequenas. E não gerariam receita para o governo. E argumentou que se reduzisse os impostos, as vendas seriam enormes e, portanto, a arrecadação seria maior. Assim que o imposto caiu, nos tornamos uma nação de consumidores de chá.
Diretrizes de marketing
O que nos move é que queremos que as pessoas vejam o chá como um prazer simples na vida. Um prazer muito acessível. Então, para ilustrar isso fizemos a campanha “Tealand”, inspirada em Alice no País das Maravilhas, em que Alice adentra nesse mundo mágico, onde as pessoas estão sempre apreciando diferentes sabores. Para mim, chá é a bebida mais pessoal.
Se você gosta de algo delicado, frutado, podemos atender. Se quer algo forte, temos um chá preto ou um chá verde, há sempre muitos sabores. É isso que amo em relação aos chás. Mas também sabemos que as pessoas que dão uma pausa para um chá, 20 minutos, preparando uma linda xícara de chá, podem aproveitar esse tempo para dar uma olhada nas redes sociais, ler sua revista preferida, enfim, colocar o mundo à parte nesses 20 minutos e se beneficiar muito com isso. A bebida te reanima, sua mente tem a chance de subconscientemente se preparar para as coisas com as quais você terá de lidar no resto do dia. As pessoas que dão uma pausa para o chá conquistam mais coisas do que as que não fazem isso e estão o tempo inteiro só pensando em continuar, continuar e continuar o trabalho sem se dar um tempo. Se a pessoa sente que está se dando um momento de indulgência isso é muito válido e essa campanha entra num mundo mágico em que as pessoas estão tendo experiências diferentes, por meios desses chás fabulosos. Se gosta de um sabor, experimente a versão de Twinnings, porque tem o melhor sabor no mercado. Não precisa de muito dinheiro para ter aquele momento especial. E certamente, a internet é uma grande forma de disseminar informação. Muita informação na rede é uma forma efetiva de atingir as pessoas. Se você quiser saber algo, vai ao Google ou algo do tipo. Se quiser saber como preparar a xícara de chá perfeita, esperamos te dar essa informação. No marketing globalmente temos poucas restrições em relação, por exemplo, ao que o time aqui no Brasil pode fazer. Se alguém disser que quer competir com o mercado de chás mainstream, aí vamos parar para conversar, porque sempre seremos uma marca premium. É o que fazemos, estamos organizados para ser uma marca premium, oferecendo a nossos clientes alta qualidade. Enquanto estiverem no campo dos produtos de alta qualidade, têm liberdade para criar campanhas e conversar com o consumidor sobre os sabores disponíveis. Temos muita sorte de ter o que chamamos de Royal Warranty, em cada produto que vendemos há a informação de que somos seu fornecedor de chás, fomos apontados pela rainha Victória em 1837 e temos feito chá para cada monarquia britânica desde então. É uma honra enorme, algo do qual temos muito orgulho. São essas as regras em torno do que podemos ou não. E eu sou o homem que precisa assegurar que todos no mundo sigam esses critérios, mas há muita ação localmente.
Conquistar terreno no Brasil
Uma das tendências globais é saúde acessível. Outra, é a personalização. E o chá se adequa muito bem aos dois. Então, não vim ao Brasil para fazer as pessoas pararem de beber café, porque isso seria estúpido, mas talvez as pessoas pensem que beber café não é necessariamente a decisão mais saudável a tomar e um pouquinho de equilíbrio talvez fosse apropriado. Estou certo de que os brasileiros sempre vão levantar de manhã querendo uma xícara de café para começar o dia, da mesma forma que isso acontece com o English Breakfast para mim, mas então particularmente à tarde ou no fim do dia talvez as pessoas queiram se afastar das bebidas com muita cafeína. Chás como o English Breakfast têm uma cafeína mais saudável que você teria numa xícara de café e os chás verdes têm até menos que isso. E esse que você está bebendo, uma infusão de frutas, que não vêm dessa família de plantas a partir das quais produzimos os chás pretos e verdes, é naturalmente livre de cafeína. Então as pessoas estão se voltando a essas bebidas para darem mais equilíbrio a sua vida e, como disse, temos uma gama enorme de sabores. Globalmente, temos 400 blends, sabores diferentes, parte significativa aqui no Brasil. Diz respeito às pessoas darem equilíbrio à sua vida, e seguir essa tendência de personalização e algo saudável é muito fácil.
Tendência x tradição
Nossa tradição é ser relevante ao momento atual. Se você ler sobre a história da companhia, tudo diz respeito a mudanças, em fazer a coisa certa no momento certo. Thomas Twining fez os sachês para chás, assim que a tecnologia surgiu. Ele adotava novas tecnologias, assim que apareciam. E não estamos nos posicionando como uma marca de chás medicinal. Não somos médicos. Nosso trabalho diz respeito a um grande sabor. A campanha “Tealand” fala sobre você se permitir apreciar um grande sabor. É um momento simples e muito prazeroso na vida. E como a vida muda, nós aprimoramos isso. Então, sim, acho que há conhecimento suficiente aos olhos dos consumidores sobre o fato de que algo pode ser bom para a digestão, como o chá de limão, ou o gengibre, que pode te ajudar quando você está enfrentando uma gripe, mas não queremos atuar como médicos. Queremos absolutamente o sabor. Inclusive, porque, frequentemente, remédio tem um gosto ruim. E nós dizemos respeito a um sabor maravilhoso e ao prazer dessa bebida.
Principais mercados no mundo
O maior mercado é o Reino Unido, que tem a maior população consumidora de chá do mundo. Depois, os quatro principais países no mercado externo são: França, Itália, Austrália e Estados Unidos. Entre aqueles com potencial, certamente, o Brasil tem tido um crescimento maravilhoso, especialmente nas infusões, mas alguns dos chás pretos estão ficando mais fortes em vendas e o chá verde também. Então, sim, o Brasil certamente tem potencial. E eu tento dedicar tempo a mercados e lugares que precisam mais de apoio. E, além do Brasil, surpreendentemente, a China é outro mercado potencial. O que a Twinings oferece ao apreciador de chá é “o mundo” dos chás. A China é muito orgulhosa de seus chás verdes e também produzem bons chás pretos, mas eles podem ter chás indianos, do Quênia, podem não ter os chás de limão, gengibre etc., então, podemos dar a eles escolhas muito mais abrangentes. Claro que os chineses podem viajar e experimentar isso em outros países, mas podemos oferecer essas experiências em suas próprias casas.
Exposição da marca
Somos espertos o suficiente para saber que nós não sabemos tudo, então, nos concentramos em fazer um bom chá e delegamos outras tarefas. Temos expertise em muitos tipos de chás e infusões. Vamos pegar essa embalagem de Twinings Camomila, Mel e Baunilha, por exemplo. É linda! Não sou um grande fã de camomila, mas o que a junção do mel com a baunilha faz é mágico. A embalagem tem que transmitir também uma sinestesia. Em outras palavras, quando você olha para a embalagem, tem praticamente que quase sentir o sabor, imaginar o gosto. Isso é muito o que queremos com uma embalagem. É uma forma muito poderosa de comunicação. Não temos recursos enormes para fazer publicidade nacionalmente no Brasil, por isso, colocar uma embalagem como essa nas gôndolas de chá é forte e também muito importante para gerar a imagem correta da marca. A maioria das embalagens é criada em Londres, mas, depois, é claro que buscamos aconselhamento local, inclusive pela questão do idioma. Já sobre ter uma loja exclusiva no Brasil, isso diz muito respeito às condições locais de mercado. De toda forma, não faríamos algo assim para aumentar vendas, mas para ter uma flagship, educar os consumidores sobre essa cultura. Isso seria a coisa certa a fazer.
Fornecedores
Compramos de sete países diferentes. A China é o maior fornecedor. A forma normal como trabalhávamos era ter um provador de chás na Índia e outro na China. E a ideia era que eles desenvolvessem conhecimento aprofundado, da mesma forma que produtores de vinho têm grande habilidade. Não temos nenhuma plantação de chás. E você pode ter duas vinícolas próximas uma da outra e quem tiver o melhor conhecimento das uvas fará melhor vinho em relação àquele que não tem a mesma habilidade e conhecimento. Queremos saber quem são os melhores produtores de chá, e segui-los. Hoje, isso ainda é muito importante, mas nossos especialistas não são confinados a uma região geográfica, porque a matéria-prima cresce em diferentes regiões do mundo, mas eles se restringem a uma categoria. Esse profissional é livre, por exemplo, para obter a melhor camomila, de quem ele considere estarem sendo os melhores produtores de camomila, então as fontes dos recursos podem ser diferentes.
O gengibre pode vir da Nigéria ou da Índia; o limão, do Paraguai ou Senegal. E esses ingredientes individuais se juntam depois e dão a consistência de sabor que ele precisa, e ele é absolutamente livre para colocar isso tudo junto. E sobre a logística, certamente é complexa, mas lidamos muito bem com a complexidade. Eu mencionei 400 blends, apenas de chás, quando vamos para o que chamamos de “biblioteca dos chás”, temos amostras de 25 mil referências de sabores de chás diferentes. Mais um número enorme de infusões com frutas.
Planos de investimento
O que sei do âmbito geral é que temos planos de continuar a investir no Brasil, porque é um mercado em crescimento, com potencial, portanto, continuaremos investindo. Globalmente, avaliamos o potencial de cada mercado, em alguns deles estamos crescendo muito rapidamente e continuaremos a servir esses mercados. Temos avaliado as melhores oportunidades, e isso acontece no Brasil também, é claro.
(*) Crédito da foto no alto da página: Reprodução site Twinings