Influenciadores e bets: o que sustenta essa delicada relação?
Profissionais apontam que os valores bem acima dos pagos pelo mercado e a projeção são cruciais para que criadores de conteúdo fechem acordos com plataformas de jogos
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Bárbara Sacchitiello
28 de maio de 2025 - 6h00
Empresária e influenciadora Virginia Fonseca presta depoimento na CPI das Bets no último dia 13 de maio (Crédito: Reprodução/Youtube.com/TVSenado(
Nos últimos dias, a discussão sobre as relações entre influenciadores e empresas de apostas ficou ainda mais em evidência após a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets convocar alguns famosos creators para prestar depoimento e explicar sobre seus contratos e relações com empresas de apostas.
Instalada em novembro de 2024, a Comissão do Senado tem como proposta investigar a “crescente influência dos jogos virtuais de apostas on-line no orçamento de família brasileiras”, conforme descreveu a casa, na época. Os trabalhos da CPI foram requeridos pela senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), que também foi responsável por convocar criadores de conteúdo que tenham realizado trabalhos publicitários para empresas do segmento.
A criação da CPI aconteceu dois meses depois de o Banco Central do Brasil ter divulgado, em setembro do ano passado, um relatório que indicava que as empresas de apostas teriam recebido, em média mensal, valores entre R$ 18 bilhões e R$ 21 bilhões brutos, decorrentes de apostas feitas pelos brasileiros.
Porém, em abril deste ano, em depoimento para a própria CPI das Bets, Gabriel Galípolo, presidente do Banco Central, junto do secretário-executivo do órgão, Rogério Lucca, que estiveram presentes na audiência, mencionaram valores ainda maiores. Segundo eles, os brasileiros estariam gastando entre R$ 20 bilhões e R$ 30 bilhões em apostas esportivas.
Uma das principais estratégias de marketing das empresas de apostas que atuam no Brasil é contratar influenciadores para divulgarem seus jogos para suas bases de seguidores. Apesar dessa prática já acontecer há algum tempo, o assunto ganhou mais evidência e gerou mais polêmica após uma reportagem da revista Piauí, publicada em 3 de janeiro deste ano, que apontava os valores recebidos por alguns dos maiores influenciadores do Brasil e como funcionavam seus acordos com as bets.
Entre os nomes citados pela reportagem estavam os dos influenciadores Carlinhos Maia, Neymar, GKay, Maya Massafera e Virgínia Fonseca. De acordo com a apuração da reportagem de Piauí, Virginia Fonseca, proprietária da marca de cosméticos WePink, e que possui mais de 52,7 mil seguidores apenas no Instagram, recebe cerca de R$ 29 milhões por ano em seu contrato com a Blaze. Em 2022, quando trabalhou com a Esportes da Sorte, a influenciadora teria recebido um montante de R$ 50 milhões, além de uma comissão de 30% em cima dos valores apostados pelos usuários. Ao participar da CPI das Bets, na semana passada, Virginia negou o pagamento de comissão sobre os valores perdidos por apostadores.
A mesma reportagem da Piauí afirmou que o atual jogador do Santos, Neymar Jr. teria um contrato para receber cerca de R$ 100 milhões da Blaze, empresa para a qual o atleta ainda faz publicidade.
O cenário das apostas no Brasil existe, de forma mais acentuada, desde 2018, quando um decreto presidencial permitiu a atuação de empresas de apostas esportivas. Porém, foi somente a partir do início de 2025 que entrou em vigor uma regulamentação específica para as empresas do segmento, permitindo que apenas as que receberam licença específica – e pagaram outorga para atuar no País – ofereçam seus serviços.
Junto com a regulamentação, foram estabelecidas regras para a publicidade das empresas do setor. É permitido que as bets promovam e divulguem suas apostas, porém, ficou vetado, pelo projeto de lei, as abordagens direcionadas a crianças e adolescentes, bem como qualquer tipo de mensagem que transmita a ideia de que as apostas são um meio fácil de obter dinheiro.
Essas regras já causaram, inclusive, mudanças na comunicação das grandes empresas de apostas que atuam no Brasil, que começaram a mencionar a importância da responsabilidade e da moderação no uso de suas plataformas.
Porém, apesar das regras em sua comunicação, as bets e plataformas de apostas ainda são alvo de críticas pela relação mantida com dezenas de influenciadores, bem como os próprios criadores de conteúdo. Pela inclinação em influenciar, de fato, comportamentos, essas personalidades são, por um lado, criticadas por fazer exposição de plataformas que fazem com que muitas pessoas gastem e percam seu dinheiro. Já por outro, quem defende esse tipo de segmento e de trabalho de marketing aponta que o influenciador apenas tem a função de comunicar o produto e que, desde que cumpra as regras de comunicação, a decisão de apostar ou não é integralmente dos usuários.
A reportagem de Meio & Mensagem ouviu profissionais de marketing de influência e do segmento para entender as razões que tornam os creators tão atrativos para as empresas do setor. O apontamento mais óbvio é o alcance dessas personalidades, que assim como fazem parte da estratégia de várias marcas que querem se comunicar com o público, também são requisitados pelos bets por seu potencial em gerar receita e divulgar marcas.
“São perfis que possuem um alcance significativo e uma relação de proximidade com seus seguidores. Não faria sentido eles [as empresas de apostas] usarem apenas as mídias tradicionais, como eles utilizam, e deixar de utilizar o marketing de influência, uma vez que na atualidade é uma das principais ferramentas de comunicação”, analisa Rodrigo Soriano, CEO da Air. Além disso, segundo eles, os influenciadores conseguem segmentar públicos específicos, atingindo diretamente quem já demonstra interesse nos mercados de entretenimento digital e apostas.
A efetividade no objetivo de exposição e conversão da marca também é apontada por Rodrigo Azevedo, CEO da Influency.me, para explicar a grande busca das empresas de apostas por influenciadores. Além disso, ele aponta um entendimento diferente, a respeito de mídia, de quem está liderando essas bets.
“No segmento de apostas, quem lidera são, em geral, gestores nativos digitais, que compreendem profundamente o poder da influência. Eles não apenas reconhecem o potencial dessa mídia, como também têm menos aversão ao risco e trabalham com margens de lucro significativamente mais altas, o que permite investimentos mais agressivos em marketing de influência”, elabora.
Outra explicação para a forte atratividade que os influenciadores de massa exercem sobre as empresas de apostas é o fato de, algumas vezes, a base de seguidores dos creators ser exatamente o mesmo público-alvo mais procurado das plataformas.
“Grande parte desses influencers são de baixa renda e buscam por alguma oportunidade de ganhar dinheiro, mas como também não possuem qualquer educação matemática sobre a dinâmica do jogo, acabam tendo a ilusão que é possível lucrar com cassinos. Os cassinos online sempre, sem exceção, buscam público de baixa renda e baixa instrução e encontram esse público com os influenciadores de massa”, analisa Ricardo Santos, cientista de dados e fundador da Fulltrader Sports, platforma dedicada a forneces estatísticas esportivas para os apostadores.
E se, de um lado, existem empresas ávidas a se comunicarem com uma massa de potenciais apostadores, do outro há influenciadores e criadores de conteúdo que veem nesses contratos uma chance de elevar seus lucros de forma mais rápida.
Nenhum dos influenciadores citados pela reportagem da Piauí e nem os que participaram da CPI das Bets mencionaram valores dos contratos e declaram quanto, de fato, recebem pela publicidade dessas plataformas. O CEO da Influency.me, contudo, garante que são cachês bem acima da média do mercado justamente pelo viés polêmico que esse tipo de publicidade carrega.
Segundo Azevedo, muitos influenciadores já têm receio em trabalhar com bets e empresas de apostas por temer que isso possa prejudicar sua imagem. Isso já reduz a oferta dos creators disponíveis para essas ações. Portanto, com muitas casas de apostas querendo anunciar e relativamente poucos influenciadores dispostos a emprestar sua imagem a elas, a lei da oferta e demanda impera: quem aceita deseja receber uma quantia bem elevada.
“Esses cachês podem chegar a cinco, dez, ou até mais de dez vezes o valor pago por uma campanha publicitária tradicional”, conta o CEO da Influency.me.
O fato de serem empresas altamente lucrativas também turbina o valor dos cachês oferecidos, o que atrai os influenciadores que se dispõem a trabalhar com essas plataformas. O líder da Air pontua, além do valor dos cachês, outros incrementos que também aumentam essa atratividade para os creators.
“Além dos valores fixos por postagens e campanhas, como é de conhecimento de muitos, alguns contratos incluem participação nos lucros gerados pelas apostas feitos por seguidores influenciados pelo creator. Além do aspecto financeiro, há também a questão da visibilidade; associar-se a grandes marcas do setor pode ampliar o alcance do influenciador e fortalecer sua presença digital”, considera Soriano.
Esses valores de pagamentos mais altos do que a média do mercado acontecem não apenas no marketing de influência, mas com a mídia tradicional, segundo Santos. Os valores, segundo eles, são completamente fora do contexto normal de outros setores, quase impossível de concorrer, uma vez que, como a margem dos cassinos são muito altas, o montante reservado para publicidade e marketing é igualmente mais elevado. “Não podemos julgar a motivação de cada um, muito menos seus valores morais, isso é pessoal, uma vez que tudo que divulgam é legalizado. Mas é inegável que o atrativo financeiro é pesado”, admite o fundador da Fulltrader.
Santos, contudo, acha importante diferenciar as bets de apostas esportivas dos chamados jogos de azar. Embora sejam abarcadas pela mesma regulamentação perante a lei, o profissional pontua que têm mecanismos bem diferentes. Ele defende que as apostas esportivas são calculadas em probabilidades e que, portanto, exigem do apostados um conhecimento maior sobre dados, o que geraria mais possibilidade de lucros por apostadores profissionais e por quem domina mais o universo esportivo.
Já os cassinos online, segundo ele, são controlados totalmente pelo próprio jogo. “Não há nada que o jogador possa fazer para fazer para aumentar sua sorte, nada”, sentencia.
Pelo pressuposto de que as apostas não são ilegais no País, divulgar esse tipo de entretenimento não seria prejudicial à imagem dos influenciadores, na visão dos especialistas. Porém, a participação nessas campanhas e ações pode afetar sim a imagem dos criadores de conteúdo dependendo do grau de transparência com que essas ofertas são promovidas e de como a abordagem é feita.
“O creator pode até usar para educar as pessoas, mostrando que as apostas precisam ser encaradas como um entretenimento e que a prática pode levar a perda de dinheiro. A partir do momento que o influenciador explica que o jogo tem um risco alto e que você não deveria usar um dinheiro que possa ser relevante para sua vida, ele está informando sobre o produto, está falando de entretenimento, mas com informações e avisos sobre os riscos da prática do jogo”, pontua o CEO da Air.
Porém, como o setor de apostas vem sendo questionado pelos seus impactos econômicos e sociais, como o exemplo do jogo compulsivo, sobretudo entre pessoas mais vulneráveis, os influenciadores não estão livres de questionamentos e podem até mesmo perder a credibilidade perante sua audiência ao promoverem essas apostas, considera Soriano.
Já Azevedo, da Influency.me, considera ingênua a ideia de que seja possível mitigar os efeitos negativos das apostas apenas por meio da comunicação. Para o profissional, tratam-se de produtos desenhados para gerar perdas financeiras a maior parte do tempo. Por isso, ele defende que a atuação e publicidade dessas plataformas tenham as mesmas regras já aplicadas a outras indústrias, como as do cigarro.
“Durante anos houve tentativas de regulamentar a publicidade de tabaco, impondo restrições, avisos e recomendações. No entanto, chegou-se à constatação de que isso não era suficiente. O impacto social, sanitário e econômico foi tão severo que a única solução possível foi a proibição total da publicidade”, recorda.
Para o CEO da Influency.me, portanto, enquanto houver publicidade de empresas de apostas, não há como reduzir os danos. “A força da influência vai muito além de uma propaganda tradicional; ela atinge o emocional, gera identificação e cria uma ilusão de que “se ele conseguiu, eu também consigo”. Isso alimenta falsas expectativas, leva a apostas irresponsáveis e, consequentemente, a graves prejuízos pessoais e familiares”, completa o profissional.
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