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MWC

Teles tentam inaugurar novo modelo de negócios no MWC

Iniciativas da GSMA e de operadoras como Orange, Telefónica e Vodafone apontam que empresas têm que criar valor em suas redes 5G para criar produtos e serviços que gerem receita


3 de março de 2023 - 8h23

Redes de operadoras servem, essencialmente, para carregar tráfego de dados desde que a voz deixou de ser o serviço principal. Conforme pesquisas, o tráfego global de dados móveis chegará a 282 Exabytes (EB) por mês em 2027. E dessa conta estão excluídos os acessos fixos sem fio (FWA). As conexões sem fio fixas são limitadas ao local onde estão instaladas e, como o número de usuários por conexão é limitado, isso resulta em largura de banda comparativamente maior. Por outro lado, a banda larga móvel tem largura de banda menor, pois a torre de rede é compartilhada com muitos outros usuários na mesma área. Somados os acessos FWA e móveis, o tráfego total de dados móveis será de 368 Exabytes (EB) por mês até o final de 2027.

No ano passado, cerca de 20% de todo o tráfego de dados móveis foi de FWA. Em 2027, a estimativa é que 60% do tráfego de dados móveis passará por redes 5G. Os EUA e a China são dois concorrentes no uso global de dados móveis. Nos EUA, o tráfego de dados móveis foi de 5,6 Exabytes (EB) por mês ano passado. Na China, o tráfego de dados móveis será de 61 Exabytes (EB) em 2026. Na Europa, chegou a 3,4 Exabytes por mês no ano passado.

Sustentabilidade do investimento

O crescimento exponencial do tráfego de dados é desafio à sustentabilidade do investimento nas redes europeias. Como debatido no MWC, as empresas de telecomunicações estão arcando sozinhas com os investimentos necessários para atender a essa crescente demanda de tráfego, financiando a expansão da capacidade e cobertura da rede exclusivamente com as receitas provenientes da conectividade de banda larga e outros serviços prestados aos clientes finais. As plataformas over-the-top (OTT), como os provedores de serviços de streaming, não compensam as teles pelo custo de entrega do tráfego aos clientes finais por meio de suas redes. Além disso, seu atual modelo de negócio prevê que o lucro aumenta quando se entrega mais tráfego, o que cria um círculo vicioso: precisam que haja crescimento do tráfego na internet e necessitam de crescentes investimentos em rede. Portanto, e isso foi motivo de embate entre Deutsche Telekom e Netflix durante o evento, os maiores geradores de tráfego não deveriam contribuir de forma justa com o custo de entregar seu tráfego aos clientes finais?

A largura de banda da internet (medida pelos níveis de download e upload) aumentou 30% anualmente em 2020 e 2021, e essa tendência deve continuar nos próximos anos. Streamings de vídeo, mídias sociais e jogos respondem por mais de 70% do tráfego total da internet global. Apenas seis empresas no mundo são responsáveis por mais de 56% do tráfego total. As teles europeias investiram 500 bilhões de euros (são mais de R$ 2,7 trilhões) nos últimos dez anos para garantir que as redes possam lidar com esse crescimento de tráfego.

Compartilhamento de ônus

Durante o MWC, José María Álvarez-Pallete, CEO e presidente da Telefónica, juntamente com seus colegas da Deutsche Telekom, Orange e Vodafone, deixaram claro que as plataformas digitais OTTs têm que compartilhar o ônus de maneira justa e proporcional ao uso das redes de telecomunicações. Estudo da Frontier calculou o custo de entrega de tráfego OTTs em redes europeias. Pela análise, baseada em dados de custo, tráfego e rede fornecidos à consultoria pela Deutsche Telekom, Orange, Telefónica e Vodafone, o custo anual é de 36 bilhões de euros. Dado o poder de barganha assimétrico e o quadro regulatório desequilibrado, as operadoras de rede não conseguem negociar com os OTTs que recebem um pagamento justo pelo transporte do tráfego dos OTTs aos clientes finais. Como resultado, o setor de telecomunicações da União Europeia fica em posição financeiramente mais fraca, prejudicando sua capacidade de investimento em redes 5G e fibra. A questão é como viabilizar estrutura em que as operadoras de telecomunicações europeias recebam de grandes OTTs um pagamento justo pelo uso de suas redes para entregar o tráfego aos clientes finais.

Duas iniciativas

Duas iniciativas podem sinalizar um dos caminhos para que as teles tentem mudar seus modelos de negócios e ficar mais independentes desse círculo em que precisa de mais tráfego e, para isso, têm que investir mais, arcando com o transporte de dados dos chamados países do Tier 1 (nível 1): o GSMA, entidade que organiza o MWC, anunciou a iniciativa GSMA Open Gateway, que é uma rede universal de APIs (interfaces programáveis de aplicativos), cuja meta é fornecer acesso global das redes de operadoras a desenvolvedores. O Open Gateway nasce com apoio de 21 teles e aponta para a tendência de desenvolvimento de serviços baseados em economia de APIs abertas. Já as operadoras Orange, Telefónica e Vodafone, em parceria com Ericsson e Vonage, anunciaram acordo para a abertura de suas redes 5G para desenvolvedores de aplicativos.

Sobre países Tier 1, todos os países, para efeito de anunciantes do marketing global, são convencionalmente divididos em três grupos, chamados Tiers. O Tier 1, obviamente, inclui os países mais atraentes (pouco mais de duas dezenas no mundo) para os anunciantes e o Tier 2 e 3 combinam os países em desenvolvimento. Se os economistas classificam os países em desenvolvidos, em desenvolvimento e terceiro mundo, Brasil incluso, baseados no desenvolvimento econômico de cada um, para efeito de marketing, os anunciantes, em geral, dividem os países em Tiers de outra forma: o foco é na solvência dos consumidores e em sua renda média.

Mais desejados pela publicidade

Os países Tier 1 são os locais mais desejados pela publicidade, embora sejam os mais difíceis de trabalhar. É onde estão os maiores pagamentos por ofertas, mas o custo de atrair usuários é significativo. A população desses países não é apenas difícil de atrair com a publicidade. É pior: eles sabem como desabilitar ou ignorar anúncios. O Tier 1 tem concorrência muito alta entre os anunciantes. Ganham marcas mais experientes com esquemas de vendas exclusivos. Além do que a regulamentação legal de publicidade é bastante restrita.

Tudo isso tem a ver com o que as teles pensam sobre o futuro próximo. O modelo de negócios focado apenas em cobrar dos usuários pelo acesso à internet, seja pela velocidade em tarifa fixa ou pelos dados móveis, não é mais suficiente. Portanto, têm que lidar tanto com players que passam sobre suas redes (streamings e hyperscalers) quanto com os que faturam sobre elas (anunciantes que investem na automação de marketing, em programática e outros, notadamente nos países Tier 1). As teles sabem que cederam um enorme poder às plataformas digitais (como Google, Meta, Amazon) e por isso exigem, há anos, que o investimento em infraestrutura não seja apenas de sua responsabilidade. E sabem que muitas das altas capacidades de suas infraestruturas estão reservadas a grandes clientes: um empresário que acaba de montar uma startup nunca poderá negociar desde o início com a Telefónica ou a Orange com a mesma posição que um YouTube ou uma Netflix, por exemplo.

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