Criatividade, música, matemática e IA
Por um humanismo em sintonia com o futuro
Por um humanismo em sintonia com o futuro
Vivemos um tempo em que a criatividade deixou de ser atributo das artes para se tornar uma das competências mais desejadas e decisivas do século XXI.
Num mundo atravessado por tecnologias disruptivas, emergências climáticas e polarizações de todo tipo, pensar soluções que aliem sensibilidade e estratégia tornou-se mais do que um diferencial. É uma urgência ética.
Mas como cultivamos essa capacidade criativa, profunda, contextualizada? E o que a música, a matemática, a filosofia, e hoje, a inteligência artificial (IA), têm a ver com isso? Muito mais do que se imagina.
No século VI a.C., o filósofo e matemático grego Pitágoras observou que certos sons, os mais belos, obedeciam a proporções simples. Dividindo uma corda ao meio, surgia uma oitava. Em dois terços, uma quinta. Em três quartos, uma quarta. Dessa escuta geométrica nasceu a teoria musical ocidental e também uma ponte entre estética e razão.
Música e matemática, por isso, sempre andaram juntas. Integravam o quadrivium, conjunto clássico de saberes que, ao lado da geometria, aritmética e astronomia, buscava formar não apenas técnicos, mas humanos pensantes e sensíveis. Uma educação que não separava lógica de encantamento, nem ciência de escuta.
Hoje, quando nos vemos cercados por máquinas que aprendem, algoritmos que decidem e inteligências que simulam afetos, talvez a pergunta mais importante não seja o que a IA pode fazer, mas para quem e com que valores ela será treinada. É aqui que os valores humanistas se tornam não apenas relevantes, mas indispensáveis.
Segundo o PISA 2022 (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), o Brasil figura entre os países com pior desempenho em matemática e, pela primeira vez avaliada, também entre os que têm menores índices de criatividade entre jovens. Ou seja: além de termos dificuldades com a razão, estamos nos afastando da imaginação. É uma crise que não é só escolar. É simbólica. É cultural. É humanista.
No painel “Educação em sintonia: conexões entre música e matemática”, durante o Rio2C 2025, ao lado do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, traremos essa provocação: como diferentes saberes, das ciências exatas às artes, podem se unir para formar uma geração mais íntegra, mais empática, mais livre?
Porque a criatividade verdadeira não é dispersa, nem automática. Ela é construída no encontro entre ordem e invenção, entre escuta e liberdade, entre o indivíduo e o coletivo. Ela se nutre do equilíbrio e da ética.
Como nos lembra Aristóteles: virtus in medio est. A virtude está no meio. Entre a falta e o excesso. Entre o ruído e o silêncio. Entre o impulso e o cálculo. A coragem está entre a covardia e a temeridade. A generosidade, entre a avareza e o desperdício.
E a criatividade? Talvez esteja entre o caos e o controle. Entre a rigidez e a fluidez.
Entre a inteligência exata da máquina e a incerteza viva da alma humana.
Na Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira, vivemos essa prática. Com o programa Conexões Musicais, levamos educação musical a milhares de estudantes da rede pública. Ali, aprendem não apenas a tocar instrumentos, mas a se escutar. A colaborar. A pertencer. E a desenvolver competências que nenhuma IA pode simular com integridade: empatia, sensibilidade, intuição, improviso. Esses são valores humanistas. E são eles que devem reger a formação de pessoas e também de tecnologias.
Se quisermos seguir sendo um país criativo, admirado em festivais como Cannes, precisamos mais do que talentos brilhantes. Precisamos de uma base ética, sensível e plural que sustente o que fazemos com o que sabemos.
Porque no fundo, e aqui Pitágoras nos inspira novamente, entre o zumbido das cordas e o silêncio das esferas, há uma matemática invisível que sustenta a beleza do mundo.
E talvez seja essa harmonia oculta que a inteligência verdadeiramente humana e, não apenas artificial, deve proteger.
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