Férias, dias úteis e a nova economia do tempo
Quando a diferença entre trabalho e vida pessoal deixa de existir porque as duas estão cada vez mais unificadas
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Dois textos diferentes têm dialogado comigo nos últimos tempos. O primeiro, um artigo do André Kassu para o Meio & Mensagem, intitulado “Minhas férias: Uma redação, algumas anotações” e o outro, da Tatiana Levy, para o Valor Econômico, chamado “Do Trabalho à Preguiça”. Ambos tratam de um que tema bastante atual: a vida “fora do trabalho”.
Os textos trazem, de forma apropriada e cada qual no seu contexto, as razões e a necessidade de férias ou de tempo livre. Além disso, demonstram como tais períodos são únicos e necessários para uma vida saudável, muito embora grande parte de nós tenha certa “culpa” em tirar férias ou ficar ocioso.
Eu, que mais de uma vez já cancelei férias por um projeto, um trabalho, uma entrega, vejo a “nova economia” alterando a realidade e a lógica do trabalho. Em simultâneo, percebo que cada vez mais temos dificuldade em lidar com o tempo livre, que, para muitos, deixou de existir lá no final dos anos noventa.
Explico melhor. Quando assisti em Dowtown Abbey a matriarca da aristocracia decadente perguntar “Mas o que é o final de semana?”, quase caí da cadeira. Foi uma descoberta para mim tal como a queda da maçã para Newton. Diversas perguntas pipocaram:
– É possível um mundo em que os finais de semana não existam? Em caso positivo, isso pode ser bom? O mundo seria capaz de sobreviver a si mesmo, em um modelo em que o sábado e o domingo fossem dias como outros quaisquer? Sem direito a hora extra?
– A hora do almoço é realmente uma ilusão maior ainda, como afirma Ford Prefec no Guia do Mochileiro da Galáxia? 😉
Muitos mistérios. E fato é que temos falado sobre a nova economia e os novos negócios com frequência. Temos explicado a lógica da marca e dos consumidores. Mas não temos explicado a nova economia “do tempo”, ou ao menos a percepção e a revolução que isso pode causar na sociedade.
Atualmente, chamo de Nova Economia do Tempo aquela em que a diferença entre “trabalho”, “dias úteis” e “finais de semana” deixa de existir, não porque “varamos as noites e os dias para entregar o produto”, mas porque as vidas estão cada vez mais unificadas, sem a separação de “vida pessoal” e “vida profissional” em duas categorias estanques e distintas e essa nova forma de ver os dias da semana é uma opção para o indivíduo, que passa a ser dono do seu tempo e pode dividí-lo da forma que quiser.
Tenho um exemplar de um novo usuário da Nova Economia do Tempo na família. Esse exemplar, que vamos chamar de “Ser Estranho”, ao mesmo tempo em que acorda tarde porque estava frio, trabalha nas férias olhando para o mar – e nunca está chateado por isso – muito pelo contrário, acha uma “delícia” ter problemas do trabalho para resolver.
Além disso, o Ser Estranho viaja muito, sempre com o notebook nas costas. Essas viagens, cujos destinos, horários e datas são sempre uma escolha dele, e sempre pagos por ele (não vou comentar os horários e escalas exóticas que isso significa), são chamados por todos ao seu redor de “férias”. E quando sai “de férias”, costuma fazer as mesmas coisas que faz quando está em casa: vai correr, sai com os amigos, visita uma exposição, trabalha.
Só que ele não chama essas viagens de férias. Ele chama de vida. E diz que essa é a diferença. Na minha cabeça, a dúvida consiste em entender se ele vive em férias, ou nunca as tem.
Na cabeça dele, esse tipo de categorização não existe: a vida é entendida de forma integrada, e não compartimentada em dias úteis, férias e futura (quando o final de semana chegar, quando as férias chegarem, quando eu virar diretor, quando ganhar na mega-sena, na hora do almoço, depois do jantar, etc.).
Será que a gente dá conta disso? O que você acha?
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