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Jogo do perde-perde

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Opinião

Jogo do perde-perde

Vício em promover concorrências por contas publicitárias causa prejuízos financeiros às agências, mas também aos anunciantes. Entretanto, esgotamento e desgaste nas relações dos envolvidos pode ser ainda pior


5 de setembro de 2023 - 14h00

Concorrências por contas publicitárias são processos penosos que custam caro para as agências, mas também para os anunciantes. Precisamente: a disputa por uma verba atraente que envolva três agências como finalistas gera custos médios totais de US$ 1 milhão. Para as agências, o investimento pode variar de US$ 200 mil, para as que não atendem aquela conta, mas estão postulando, até US$ 400 mil, para as que já detêm a verba e apostam alto na defesa de suas posições.

Aqui já aparece um dos dados perversos revelados pelo estudo The Cost of the Pitch, realizado em conjunto pela Association of National Advertisers (ANA) e pela American Association of Advertising Agencies (4A’s), que ouviu, em março, 329 profissionais atuantes nos Estados Unidos, em agências, áreas de marketing e mesas de compras.

O pavor de perder o cliente é tão grande que a agência atual investe o dobro das novas postulantes. Afinal, deixar de atender aquele cliente significa baque na receita, reduções nos bônus das equipes e amargas demissões. Em muitos casos, esse gasto exorbitante financia um jogo de cena, motivado pela disposição de renovar o contrato com a parceira atual, desde que com uma remuneração menor. A pesquisa mostra que em duas de cada três concorrências a conta fica onde está. Por outro lado, a prática recorrente de impor uma disputa somente para pagar menos já encoraja 25% das agências titulares a não aceitarem participar de processos de revisão nos Estados Unidos.

Os valores se referem ao mercado norte-americano, mas servem de parâmetro para análise do que também acontece no Brasil, onde as concorrências continuam sendo a prática mais usada pelos anunciantes para trocarem — ou não — de parceiras e a principal porta de novos negócios para as agências. Entretanto, por aqui, a quantidade de participantes está bem acima da média de três finalistas considerada pelo estudo.

Para além das perdas financeiras, é preciso considerar o dispêndio de tempo dos dois lados, pois muitos processos são demoradamente torturantes para os envolvidos, e os desgastes nas relações pessoais dos profissionais que representam a marca e suas pretendentes. Os clientes contabilizam também perdas invisíveis que envolvem o comprometimento do trabalho entre o marketing e a agência atual durante o período da concorrência e até mesmo adiamentos de campanhas e lançamentos de produtos e serviços. Para as agências, especialmente as preteridas, fica, além do prejuízo financeiro, um rastro de esgotamento que pode, até mesmo, afetar a produtividade saudável para seus demais clientes.

Há, ainda, custos adicionais de fornecedores que se envolvem em processos nos quais é pedida a apresentação de campanhas, especialmente as produtoras de imagem e de áudio. É comum no mercado brasileiro que as produtoras aceitem correr riscos solidários com a expectativa de que a agência, em caso de vitória, repasse a elas a tarefa de desenvolver as campanhas para a marca em questão.

Se por um lado há indícios de que as concorrências ficam cada vez mais cruéis, especialmente pelo ganho de poder das áreas de procurement — agências costumam relatar que ganharam a conta no marketing, mas perderam na mesa de compras —, por outro, proliferam métodos alternativos de início de relacionamento entre anunciantes e agências, motivados por um cenário de possibilidades mais abertas e flexíveis. A contratação por projeto abre espaço de experimentação para o anunciante, que mesmo mantendo parceiras fixas, tem a possibilidade de testar outras com o atendimento ocasional a ações específicas, com começo, meio e fim preestabelecidos — o que, para as agências, já se transformou em estratégia de prospecção. Essa prática aproxima a publicidade do histórico formato de relacionamento dos anunciantes com parceiras de promoções e eventos, que sofrem ainda mais com as concorrências job a job. Embora tenha aumentado o compromisso dos discursos com os pilares ESG, pelo menos no que diz respeito a concorrências, ainda impera o comprometimento da sustentabilidade econômica das agências e da saúde mental das equipes envolvidas, inclusive as dos clientes.

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