Por que o fim do mundo é um cenário mais visível do que o fim da democracia?
O pânico provocado pelo surgimento de novas tecnologias é um padrão da nossa sociedade, em geral, por medo da não adaptação e pela tendência moderna ao conforto
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“Eu tenho mais medo dos vivos do que dos mortos” é uma frase que, segundo o Chat GPT, foi cunhada pelo escritor pernambucano Ariano Suassuna. Se é verdade ou mentira, eu não sei dizer. Optei por não pesquisar agora. O que importa é que ela diz muito sobre a resposta que tenho utilizado quando ouço amigos e colegas falando sobre os “perigos da IA” como se tivessem assistido a “O Exterminador do Futuro” com a perspectiva de um documentário ou assistido a palestras de Tristan Harris.
Em algum momento de “O Dilema das Redes”, Tristan Harris diz que não entramos em pânico quando as bicicletas foram introduzidas em massa na sociedade (numa alusão de que “desconhecemos a magnitude dos perigos por trás das redes sociais”, mesmo argumento que ele usa em seu último vídeo catastrófico). Mas a realidade é que a bicicleta foi objeto de pânico generalizado na sociedade, assim como o rádio, o cinema, a televisão e a internet. Assim como a guitarra elétrica, que foi motivo de uma grande passeata em São Paulo, reunindo pessoas como Gilberto Gil e Elis Regina, de mãos dadas contra essa atrocidade.
O pânico provocado pelo surgimento de novas tecnologias é um padrão da nossa sociedade, sejam elas ferramentas ou ideias. Quase sempre, essas resistências surgem do medo da não adaptação, o que também é um medo de examinar nossa tendência moderna ao conforto, que sustenta a prosperidade do conservadorismo.
A evolução do corpo humano, que possibilitou o manuseio de ferramentas, trouxe consigo uma percepção: as ferramentas são extensões dos nossos corpos. Mas além disso, elas são extensões que superam as limitações dos nossos próprios corpos. Materializamos ali um conceito que usamos até hoje na cultura pop, que é o dos superpoderes. Com ferramentas, pudemos manipular cargas maiores, pregar coisas, caçar com mais facilidade, produzir e usar fogo para vários fins…
Logo, essas ferramentas também passaram a ser não apenas formas de expansão das possibilidades físicas, mas também mentais e relacionais. A fala, a matemática, a religião, a escrita, os livros… Passamos a estocar não apenas alimentos, mas conhecimento. O conhecimento armazenado possibilitou um crescimento exponencial do saber…
Outras tecnologias surgiram. Chegamos às grandes navegações, à máquina a vapor, ao rádio, à fotografia, à internet…essas novas tecnologias possibilitam novas formas de ser e viver e, consequentemente, novas formas de relacionamento. Nossa forma de consumir música, cinema e relacionamentos é completamente distinta daquela de 15 anos atrás. Em comum, todos esses hábitos de consumo passaram por uma readequação por meio da tecnologia.
É assim que vejo a IA entrando em nossas vidas: como novas formas de consumir e produzir informações e compartilhar conhecimento. As possibilidades também estão abertas para os potenciais riscos, mas eles não residem em máquinas rebeldes que abundaram no imaginário popular a partir dos anos 1960. O verdadeiro risco está em um único lugar, que é o enfraquecimento das instituições democráticas diante do poder das grandes corporações. Nesse sentido, os perigos também estavam previstos em filmes dos anos 1980, mas estamos mais próximos de uma Weyland Yutani, Soylent Corporation, OCP ou Rekall do que de uma Skynet.
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