Tem um mundo novo na nossa barriga
Quando vem a coragem de fazer grandes mudanças é porque a cabeça já viu algo que o corpo ainda não tinha percebido
Quando vem a coragem de fazer grandes mudanças é porque a cabeça já viu algo que o corpo ainda não tinha percebido
5 de fevereiro de 2018 - 12h24
O ano era 2014 e eu estava lá, vivendo a vida na vice-presidência de uma grande agência de publicidade. Apesar de muita coisa indicar que esse poderia ser um momento perfeito, eu estava à beira de um burnout, que veio logo em seguida e mudou tudo. Mas o que importa agora nem é isso, o que importa é que eu estava lá, olhando o mundo do décimo quinto andar e percebendo que minha cabeça estava em um lugar e meu corpo em outro.
É curioso isso. Desde muito pequena, todas as vezes que eu tive coragem de fazer grandes mudanças, minha cabeça já estava vendo algo que meu corpo ainda não tinha percebido. Pena eu não ter aprendido a meditar antes, teria entendido mais cedo que podemos mais com menos fragmentação.
Naquele momento, com meu corpo ali no décimo quinto, minha cabeça estava na ideia colocada pelo escritor e jornalista uruguaio Eduardo Galeano, morto em 2015, de que “há outro mundo na barriga desse, esperando. Um mundo diferente, de parto difícil, que não vai nascer facilmente, mas que, com certeza, pulsa no mundo em que estamos”. O mundo grávido de outro mundo descrito por Galeano podia ser visto nos artigos publicados pelo MIT, pela Singularity University, pela Fundação X-Prize e confirmado na fricção positiva que a existência do que era propagado por esses lugares gerava ao se encontrar com antigos e novos pensadores e com a redescoberta do que é sutil e humano no conhecimento disseminado por lugares como a Shumacher College.
Demorei para perceber que a gravidez de Galeano, em um processo intermitente, iria gerar vários mundos que, com o tempo, se tornariam um — me pergunto se ele alguma vez a percebeu assim. Diferentes fecundações, desenvolvimentos e nascimentos acontecendo seguidamente, sem intervalo, representando um mundo pleno de uma maternidade generosa onde nascimento e morte, início e fim, são celebrações da existência.
O fim das indústrias e das relações de trabalho como conhecemos e o nascimento de algo incapaz de ser definido já estava lá, como também já estavam lá os mecanismos que ampliariam nossa capacidade de ver, ouvir, influenciar, sentir, realizar. Não existiam dúvidas: estávamos colocando em prática nossa capacidade infinita de criação. Na verdade, havia outro mundo sendo gerado dentro da nossa própria barriga, um mundo com potencial para nascer da busca pelo respeito às diferenças e pela abundância, em substituição a tudo o que nos tornou perpetuadores globalizados de ideais mesquinhos nascidos do medo da escassez.
Vale lembrar que há muito cultivamos um comportamento baseado na ideia de que não existe o suficiente para todo mundo e que, portanto, temos de garantir o nosso. Criamos metas para isso e competimos para alcançar resultados cada vez mais ambiciosos, enquanto geramos desperdício e ignoramos a ausência vivida pelo outro. Queremos sempre tudo para que possamos guardar, reservar, acumular porque isso nos faz sentir estranhamente seguros.
Tem um mundo novo na nossa barriga e para ele existir fora teremos de deixá-lo, antes, nascer dentro. Não temos escolha. Isso é necessário para alterar nossa natureza. Naturezas ruins farão nascer realidades ruins e não podemos deixar que isso aconteça. O processo já começou: fazer nascer novas naturezas por meio da valorização do indivíduo é uma ideia que está no centro do trabalho proposto por Otto Scharmer em sua U Theory desde 2006 e adotada em seguida como disciplina de inovação pelo MIT. Além disso, depois de vários artigos publicados falando de Presença como conceito de liderança, a Harvard Business Review lançou a publicação “How to be Human at Work”, uma série dividida em capítulos que tratam de Felicidade, Resiliência, Empatia e Mindfulness.
Sentados na Califórnia, em Israel, em Berlin ou aqui, estamos criando novos contextos individuais e coletivos e mudando a forma como nos conhecemos, como exploramos a nós mesmos e ao outro, como aprendemos, como criamos consciência, como reagimos às diferentes realidades que vão se tornando visíveis, como estabelecemos relações de trabalho, como produzimos, como fazemos negócio. Confesso que é maravilhoso descobrir que aquela sensação de fragmentação que eu vivi de um jeito avassalador há quatro anos e que me fez mudar tudo não era parte do problema. O lugar onde minha cabeça estava existe. Isso não é maravilhoso?
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