Pyr Marcondes
22 de abril de 2017 - 19h59
“O papel dos meios não-militares para alcançar os objetivos políticos e estratégicos tem crescido e, em muitos casos, têm até excedido o poder da força das armas em sua eficácia”.
Valery Gerasimov, general russo, em artigo “The Value of Science in Prediction” sobre o crescimento do digital nas guerras contemporâneas.
“Há dois tipos de instituições, as que sabem que foram hackeadas e as que não sabem, mas já foram hackeadas de qualquer forma”.
Dmitri Alperovitch, co-fundador e CTO da CrowdStrike, empresa norte-americana especializada em segurança tecnológica.
Quando falo da Terceira Guerra Mundial não estou me referindo exatamente a que Donald Trump iniciou com seu ataque a Síria. Estou me referindo a guerra digital que invadiu a internet profunda, a deep web, fazendo a alegria dos hackers da Macedônia nas eleições norte-americanas, como hoje sabemos, mas que também ocupa os campos minados da preparação e estimulo a conflitos armados em várias regiões do Planeta. E que já está alimentando a guerra de Trump e Putin não é de hoje.
Todos os grandes governos e grupos militarizados do mundo mantém hoje tanto um permanente monitoramento dos atos de guerra, como também grupos de ação ativos na internet profunda. Fazem isso seja para arregimentar seguidores, como é o caso do Estado Islâmico, seja para fomentar contra-informação e ódio, aquecendo a ira por justiçamentos via conflitos bélicos. Fora a organização estratégica de combates e ações militares de campo propriamente ditas, apesar de estarem no aparentemente distante mundo virtual.
Na deep web você compra armas e bombas. E aprende a usá-las. Na deep web o Governo norte-americano fomentou informações sobre a existência de armamento nuclear no Iraque, o que ajudou a estimular a Guerra do Iraque. Na deep web Putin escancaradamente hackeou as eleições dos EUA (todos os órgãos de segurança do País sabiam disso, mas Obama teve receio de trazer o assunto à tona para não ser acusado de estimular a campanha de Hilary. Bom, deu Trump). Na deep web um grupo de hackers especializado em guerras chamado Duke invadiu, em 2014, o sistema digital de controle do Departamento de Estados dos EUA e, segundo as próprias autoridades norte-americanas, ficaram “donos” do sistema.
Segundo analistas do Pentágono, Departamento de Defesa e CIA, relata a revista New Yorker em excelente reportagem sobre o tema, Putin usa a deep web há alguns anos e seu objetivo não é simplesmente influenciar nos resultados das eleições dos EUA, como fez com êxito, mas desestabilizar todo o elo de alianças do Ocidente, minando-o com desinformação e fake news, estimulando revoltas armadas pontuais, enfraquecendo a imagem das suas lideranças. (Putin entendia Trump, pelo menos até os recentes ataques a Síria, como um boneco, um agente da desestabilização do maior País do mundo no comando da própria Casa Branca. Oba!). Num ataque militar a Georgia, enquanto aviões e tanques russos invadiam o território físico do País, hackekrs contratados pela Rússia na deep web derrubavam todos os seus sistemas de defesa no mundo digital.
Tá dando pra entender como as duas citações que usei aqui para iniciar este artigo têm razão?
Ainda como relata a New Yorker, também no lado russo há medo de tudo isso. Como declara Sergey Rogov, acadêmico chefe do instituto de estudos US/Canada em Moscou, um especialista em análises de guerra, “eu vivi boa parte da minha vida sob a égide da Guerra Fria e agora estamos de volta aqueles anos, num estado de instabilidade e risco potencial de conflito como eu nunca havia visto desde então”.
No SXSW deste ano, dois painéis, pelo menos, tocaram nesse tema (e como ando mais do que preocupado com ele e a deep web, eu assisti aos dois). O do especialista e consultor do Governo dos USA, Christopher White, em que vimos ao vivo a atividade da deep web em multicoloridos dashboards em tempo real. Ali, guerras estavam sendo arquitetadas. E o painel The Future of Warfare, de Will Rogers, diretor de Atividades Especiais do Pentágono, outro especialista do Governo norte-americano, em que ele nos mostrou, não sem certo orgulho, o grau de excelência de tecnologia digital do sistema de vigilância e segurança dos EUA. Nele, vimos que guerras reais podem parecer vídeo games, já que tudo é digitalizado e cada ação vira uma missão, uma fase do jogo.
Também os EUA têm seus grandes feitos na digitalização da guerra. São inúmeros, mas para ficar em apenas dois exemplos, em 2008, o país lançou um cyber-ataque contra o Irã que retardou toda e qualquer resposta militar de seu arsenal nuclear. Mantém hoje ativo, desde 2011, um sistema de contra-ataque cyber contra a China, outro inimigo que hackeia os EUA sempre que pode, permanentemente.
Estamos em um ponto de temperatura e pressão em que o mundo da internet profunda e o cyberwarfare instalado hoje no Planeta podem conduzir a conflitos armados num estalar de dedos. Ou num simples e hoje relativamente dominado ataque hacker.
Para finalizar aqui, fiquemos com algo assustador na cabeça: a ligação da tecnologia digital virtual com o campo de batalhas real é hoje de cem por cento. E na deep web, a Terceira Guerra Mundial já começou faz tempo.