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Eu finjo que eu não cobro e você finge que não me paga

O cerne do problema, o pecado capital das agências brasileiras clássicas, não foi o que cobraram, e sim tudo aquilo que deixaram de cobrar


6 de novembro de 2015 - 8h30

Por CARLOS PICHU (*)

 

É do jogador de futebol Vampeta a frase “Eles fingem que me pagam e eu finjo que jogo”. Ele se referia à conjuntura cínica em que se encontrava com o clube Flamengo e, na época, jornalistas se deliciaram com a sentença cheia de efeito do sempre bem humorado jogador, que anos antes tinha dado cambalhotas na rampa do Palácio do Planalto.

 
Pois bem, me aproprio aqui da lógica Vampeta pra tentar ilustrar uma outra situação de cínica acomodação financeira. A lógica da indústria da propaganda no Brasil.
 
Nos últimos 10 anos, a história da minha vida tem sido a tal da integração, em que online e offline não devem existir separadamente. Não só eu, mas toda a indústria da comunicação perseguiu essa ideia com sucesso. Posso afirmar que todo tipo de agência neste país, sem excessão, sabe fazer digital. Cada uma a seu modo, cada uma com sua característica. 
 
Até aí, ótimo.
 
Outro dia, o presidente global da Pepsi, Brad Jakeman, que se tornou meu ídolo, disse que a expressão marketing digital  “é o termo mais ridículo que já ouviu na vida”.  Devo concordar. Marketing é simplesmente marketing, não tem essa de marketing digital. Ele também acha bizarro quando marcas mantém áreas de marketing digital. Marcas devem inovar no marketing, é claro, mas isso não pode ser classificado como digital e isolado numa área separada com 15% da verba. Concordo mais uma vez.
 
Já que aparentemente estamos todos de acordo e devidamente digitalizados, o que de fato difere uma agência digital de uma tradicional?
A resposta, na maioria dos casos, está no modelo econômico. E aí que entra o nosso astro da G Magazine: o Vampeta.
 
Faz 20 anos que só trabalho com internet, as fundações dos negócios que participei vieram da indústria do software dos anos 80, em que gerentes de projeto com seus métodos rigorosos gerenciam inventários de horas, vendidos com lucro para clientes em forma de projetos. A equação sempre foi simples e transparente. Um escopo, uma alocação, um prazo e um valor. Usou, pagou. Pediu e não usou, perdeu. Não pediu, não pagou. E por aí vai.  É difícil ter ganho de escala desse jeito, é verdade. Costumo dizer que somos sofisticadas fábricas de artesanato: tudo feito a mão, pensado um a um pra cada caso de cada freguês.
 
No diâmetro oposto deste sistema, ainda atuam muitas agências vindas da mídia offline. São operações que seguem garantindo suas margens a partir de fontes de comissão – às vezes claras e as vezes nem tanto. Nesta lógica, veículos de mídia, gráficas, produtoras e terceiros em geral, repassam a receita obtida em orçamentos sobretaxados para os “agenciadores”.  Até aqui, posso aceitar. É possível construir boas justificativas para esse formato e até encontrar quem concorde. É o modelo do middle man, do broker, do corretor, do agente.
 
O cerne do problema, o pecado capital das agências brasileiras clássicas não é o que cobram, e sim tudo aquilo que deixam de cobrar. Com grandes volumes de comissão, regulados por uma tal norma padrão, agências obscurecem seu real valor. Não cobram pela única coisa que produzem de fato: estratégia e criatividade de altíssima qualidade.
 
Esse movimento configura um sistema econômico cínico e perverso. Clientes brasileiros foram mal acostumados e nunca foram doutrinados a compreender que tempo de gente boa pensando custa muito dinheiro e que tem que ser pago. Isso ficou tão arraigado na relação cliente e agência, que pra consertar isso, vai muito tempo, porque virou cultura.
 
Pior ainda,  é que nesse meio tempo, clientes tentam tirar proveito do melhor dos dois mundos. Se esquivam de arcar com as horas dedicadas ao mesmo tempo que se aproveitam da relação direta e líquida com a nova geração de superveículos de mídia online. Pressionados por resultados, não que eu concorde, mas é compreensível que isso ocorra.
 
A relação entre cliente e agência ficou tão ruidosa, que sempre que se tenta cobrar, rentabilizar, eliminar prejuízos, surge sempre uma expressão velada por parte do cliente, do tipo “ah, vai, sei que você está ganhando um por fora”.  Já sentiram esta insinuação? Todo cliente pensa que agências nadam num mar de margem de lucro secreta capaz de sustentar tudo, até mesmo glamour e almoços caros, o que é bastante grave, pois mais que cultural, a situação chega a ser patética.
 
Para mim, a grande divisão e a grande barreira a ser vencida não está entre on e off. Está na transparência do modelo financeiro de horas versus o modelo de comissionamento extra oficial. Nosso desafio é ter imparcialidade, valor e relevância para nossos clientes. Temos portanto que botar preço no nosso valor, e as nativas digitais já estão rodando dessa forma há 20 anos.
 
Mais que isso, digo que o modelo de hora/homem também não serve pra grandes ideias. Temos que cobrar royalties, temos que tomar risco e empreender com os clientes. É aí que sairemos do artesanato, pra um ganho de escala de forma clara e cheia de relevância.
 
Eu acredito piamente que essa transição, além de inevitável, será benéfica. Transparência, confiança e respeito precisam se tornar palavras de ordem na relação com nossos clientes. Não dá mais pra ser reconhecido pelas cambalhotas na rampa do planalto. Nosso principal valor deve estar na nossa principal entrega.
 

(*) Carlos Pitchu é sócio e CEO da Agência Salve, que integrou o Grupo ABC em 2015.

 

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