ProXXIma
17 de outubro de 2017 - 7h49
Por Alexandre van Beeck (*)
Um ano atrás, quando estive na NAC’s Show em Atlanta (EUA) – maior evento de postos de combustíveis e lojas de conveniência do mundo –, durante uma palestra só para convidados, Salim Ismail, Fundador e Diretor da Singularity University, apresentou o impacto das inovações nos modelos de negócio atuais.
O exemplo que deixou toda audiência de cabelo em pé foi o relato de sua experiência em cruzar de sul a norte dos Estados Unidos com seu carro elétrico, sem parar em um posto de combustível, decretando o fim dos postos de combustíveis. A verdade é que, apesar do susto dado na plateia brasileira, essa realidade de carros elétricos ainda está um pouco distante de nós, brasileiros. A realidade no Brasil e no mundo é que os postos de combustíveis como conhecíamos, já acabou. Ou melhor, se transformou.
Aqueles postos de combustíveis onde parávamos para abastecer, num lugar sujo, com poucas opções de bombas, muitas das vezes com iluminação inadequada, que torcíamos para abastecer o mais rápido possível, pois não era seguro ficar muito tempo parado, isso acabou.
Assim como os donos de empreendimentos que ainda estão focados em vender somente combustível, que tem pouquíssima diferenciação, em um único formato com margens cada vez menores, estão fadados ao fracasso.
Um posto de combustível brasileiro onde o frentista mal olha para o cliente, que verifica o nível de água e óleo com má vontade ou reclama para “jogar uma água nos vidros”, está ultrapassado.
O que acabou com o posto de combustível tradicional não foi a tecnologia ou um aplicativo, não foi o carro elétrico e nem uma outra inovação extraordinária. O fator fundamental para a mudança de proposta do posto de combustível foi o consumidor.
O consumidor moderno está, acima de tudo, em busca de conveniência e de uma experiência de compra memorável. A conveniência pode vir através da tecnologia, da ampliação da oferta, da variedade de serviços e soluções ou de um bom e diferenciado atendimento.
A oferta integrada que a Ipiranga tem desenvolvido nos últimos anos mostra o caminho estratégico dado pela empresa brasileira. Com uma ampla capilaridade com cerca de 3.000 postos, qualquer coisa que o cliente precisar, “Pergunta lá, no Posto Ipiranga.” A empresa se posiciona como solução para qualquer de seus problemas. O hábito de visitar uma loja de conveniência é reforçado pela ampliação de sua oferta. As lojas de conveniência, historicamente dependiam basicamente de duas categorias: bebidas e tabaco. Hoje, a rede AMPM, com aproximadamente 1.800 lojas, é uma das maiores redes de padarias no Brasil, presente em um número próximo a 500 unidades.
Essa realidade mostra que o posto de combustível está mais próximo do varejo e do food service, em especial o de comida fresca e saudável. Porém, há espaço para o crescimento, pois apenas 20% dos postos de combustíveis têm uma loja de conveniência.
O atendimento mais humano e menos automatizado e mecânico como base fundamental de diferenciação é a estratégia da Shell por trás da sua campanha de “Humanologia”. Perfeito para uma época onde o consumidor espera mais do que as perguntas básicas: “álcool ou gasolina”, “crédito ou débito”, “verifica óleo e água?”, e esperam por um atendimento mais próximo. Ao mesmo tempo, esse movimento exerce uma grande pressão sobre os custos de mão de obra e complexidade para ter equipes de pessoas qualificadas e treinadas. Nada diferente do que todo varejo conhece bem.
Nos EUA, onde não existem frentistas e o autosserviço é estimulado tanto na pista como nas lojas, a oferta de serviços do postos é ampliada, assim como a oferta de soluções em suas lojas de conveniências. Lá os postos são, na sua maioria, amplos, bem iluminados, com variedade de bombas de combustível e uma ampla oferta de conveniência.
As lojas de conveniências americanas estão enfrentando novos desafios em se manterem convenientes a partir do momento que ampliam sua oferta de food service, onde não é raro encontrar redes de fast food integradas às lojas. Um dos melhores benchmarks americanos está na forma de gestão de suas operações. Estão cada vez mais automatizadas, facilitando a padronização, reposição e controle da operação. Programas de fidelidade com desconto em combustíveis, em produtos de conveniência ou duchas para automóveis, estão bem amadurecidos.
O movimento de fortalecimento da conveniência e atendimento como direcionador estratégico das empresas de combustíveis, aproxima a categoria do mundo do varejo, ampliando sua concorrência. Carrefour Express, Pão de Açúcar Minuto, Dia%, Lojas Americanas e as farmácias, merecem um capítulo à parte sobre análise do fortalecimento da multi-conveniência. No entanto, todos esses concorrem pelo mesmo consumidor.
Recentemente, um novo entrante no segmento de multi-conveniência foi o Habibs’, que abriu seu primeiro posto de combustível em São Paulo. A iniciativa foi batizada como um “complexo de conveniência”, que une um posto de gasolina, loja de conveniência Habib’s e um restaurante Ragazzo.
Em suma, este é um segmento complexo e extremamente competitivo com concorrência ampliada, soluções diversificadas, novos entrantes, atendimento mais próximo, tecnologia suportando grande ideias e um consumidor empurrando diferentes setores para longe da sua habitual zona de conforto. Torna-se imperativo o desenvolvimento de novos formatos e testar novas ideias e conceitos, buscando a constante inovação e novas propostas de valor.
Por fim, não custa nada lembrar que o carro elétrico vem por aí…
(*) Alexandre van Beeck é sócio-diretor da GS&Consult, empresa de consultoria com foco em varejo, relações de consumo, marketing e canais de distribuição do Grupo GS& Gouvêa de Souza.