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Inovação Caranguejo versus Inovação Exponencial

A Inovação Caranguejo é um contraponto inteligente à Inovação Exponencial. Mais lenta, mais contemplativa, mais plena. Sem ansiedade, sem pressa. Uma excentricidade, por assim dizer, típica de quem quer sentir o mundo girando a seus pés, não importa em que velocidade ou direção.


5 de maio de 2017 - 6h56

Por Henrique Szklo (*)

No meu artigo anterior falei da Inovação Exponencial, responsável por lançar no mercado, numa velocidade diabólica, uma quantidade de novidades que nos atormenta de maneira covarde e impiedosa. Uma máquina de moer carne humana, deixando nossa espécie cada vez mais fracionada, mais desconectada do mundo, das outras pessoas e de si mesma. E para preencher este buraco digital, só consumindo mais e mais tecnologia, nos arremessando num ciclo vicioso e, consequentemente, nos causando uma nova patologia chamada Transtorno Obsessivo Tecnológico, ou TOT.

A despeito de as novas gerações parecerem estar mais confortáveis para trafegar neste cenário aflitivo do que os dinossauros analógicos que nasceram antes da década de 80, acredito que elas também, de uma forma ou de outra, sofrem suas consequências. Não sei não, mas penso que a Inovação Exponencial não arrefece seus efeitos apenas porque nós a conhecemos e convivemos com ela desde que choramos pela primeira vez. É certo que nos acostumamos com tudo, mas ansiedade é ansiedade, mesmo que disfarçada de “antenagem”.

Intencionalmente ou não, os jovens estão promovendo um movimento curioso em relação à tecnologia que certamente combate os efeitos perniciosos da Inovação Exponencial. Vemos a volta vigorosa dos vinis, dos jogos de tabuleiros, de modelos ultrapassados de telefones celulares e consoles de videogame, e sabe-se lá o que mais vem por aí. Falta de criatividade para criar novas ferramentas capazes de facilitar ainda mais nossas vidas, certamente que não é. Se tem um produto que não está em falta nos dias de hoje é a criatividade. Senão, obviamente, a Inovação Exponencial não aguentaria de pé por muito tempo.

Por princípio, toda inovação bem-sucedida promove algum tipo de conforto ao seu público-alvo. Acho que estamos de acordo em concluir que LPs, jogos físicos e celulares antigos caminham na direção contrária à amplificação do conforto físico, do ganho de tempo e de produtividade. Superados tecnologicamente, dão mais trabalho, oferecem menos recursos e, consequentemente, resolvem menos problemas ou os resolvem de forma parcial e insuficiente para os dias de hoje. Não vou falar aqui da qualidade de som do vinil que sempre foi maior que a do CD, porque sinceramente não acho que esta seja a razão de seu retorno. Saudosismo também não é. Aquela história de “no meu tempo que era bom…” só funciona quando você não tem a percepção de que as coisas melhoraram de forma evidente. Honestamente, no meu tempo as coisas eram a mesma merda que são hoje, senão piores. Onde está o conforto, então?

Alguém pode dizer que o resgate de tecnologias ditas ultrapassadas é apenas uma moda vintage passageira ou um sentimento idealista de viés ecológico-sustentável. Acho que não. Os jovens de hoje são caçadores profissionais de experiências. Sedentos, aficionados e carentes, estão descobrindo aos poucos que, independentemente da evolução tecnológica, muitas das melhores experiências ainda são as reais, as físicas, táteis, mecânicas. Ouvi até uma jovem dizer que a vantagem do LP é justamente aquela que fez como que ele fosse, com muita justiça, diga-se, substituído pelo CD: o ritual de levantar-se do sofá a cada 5, 6 músicas para virar a bolacha ou trocar por outra. Quem em sã consciência deseja isso? Apenas quem não experimentou a passagem de uma tecnologia para outra, é evidente. Depois que nossa vida fica mais confortável é difícil abrir mão. Já a experiência de conhecer novos rituais – antigos ou inéditos, não importa – é, inegavelmente, um prazer que não se deve desprezar. O conforto, então, neste caso, tem flagrante perfil emocional. A este movimento, que busca novas experiências por meio do consumo de produtos superados tecnologicamente, dou o nome de Inovação Caranguejo.

A Inovação Caranguejo é um contraponto inteligente à Inovação Exponencial. Mais lenta, mais contemplativa, mais plena. Sem ansiedade, sem pressa. Uma excentricidade, por assim dizer, típica de quem quer sentir o mundo girando a seus pés, não importa em que velocidade ou direção. Apesar do nome esdrúxulo, a Inovação Caranguejo não representa nenhum tipo de recuo, muito menos cultural. Diria que é o oposto disso. Andar para frente não significa necessariamente caminhar sempre para e mesma direção. Cultura se alimenta de movimento, não de inércia.

Não sei dizer se um dia o livro de papel, por exemplo, nos deixará para sentar ao lado direito de Deus. Mas tenho quase certeza de que, se assim ocorrer, alguém, um dia, por curiosidade ou por acidente, redescobrirá o prazer de passar os dedos pelas páginas e sentir aquele cheiro especial, de fechá-lo por alguns instantes para observar detalhes de sua capa enquanto reflete sobre o que acabou de ler, de colocá-lo em uma estante cheia de outros livros igualmente fascinantes. E mais: vai ser difícil alguém conseguir substituir a energia vital e a riqueza estética que uma estante de livros oferece a qualquer ambiente.

Não duvido que daqui a pouco a molecada vai querer mandar telegramas para os amigos, datilografar cartas em máquinas de escrever, assistir à TV preto e branco sem controle remoto, tirar fotos com negativo e mandar revelar, fazer cópias com mimeógrafo, tomar cuba libre e pegar gonorreia. Só, por favor, não ousem inventar a modinha de tomar Catuaba no lugar de Viagra porque isso não vai pegar de jeito nenhum! Faça-me o favor! Inovação Caranguejo tem limite!

Quando muitos futuristas afirmam que a humanidade caminha inexoravelmente rumo ao digital total, ouso dizer que haverá, como sempre, duas forças antagônicas lutando pelo equilíbrio da sociedade. A tecnologia vai evoluir, certamente, mas o ser humano não. Envernizados que somos, pois só evoluímos do lado fora, manteremos por séculos ainda (se o planeta resistir a tanto) a nossa visão atavicamente maniqueísta e polarizadora. Só vão mudar as moscas, acredite. Nada de capitalismo x comunismo, esquerda x direita, ateus x religiosos, héteros x LGBTs. No futuro seremos divididos entre digitais e analógicos. Realidades virtuais e fantasias materiais. Exponenciais e Caranguejos. Indivíduos exaltados ofendendo-se uns aos outros, apenas por estarem em lados diferentes da rede social. Vai ser digitopata pra lá, analogicoxinha pra cá, amizades serão desfeitas e famílias serão destruídas. Não vai ser nada difícil encontrar alguém vociferando digitalmente diante de um desafeto: quer ler um e-book holográfico com bots de inteligência artificial e interface de realidade aumentada e virtual utilizando sistemas cognitivos e de machine learning? Ah, vai pro Vale do Silício!!!

(*) Henrique Szklo é sócio fundador da Chickenz, loja de criatividade e desbloqueio criativo.

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