A força do Vale Cultura
Projeto que incluirá a cultura na cesta básica do brasileiro motiva reflexões: o benefício terá grande impacto sobre a indústria cultural no Brasil ou será um recurso paliativo ao trabalhador de menor renda?
Projeto que incluirá a cultura na cesta básica do brasileiro motiva reflexões: o benefício terá grande impacto sobre a indústria cultural no Brasil ou será um recurso paliativo ao trabalhador de menor renda?
Roseani Rocha
29 de janeiro de 2013 - 8h20
Sancionado pela presidente Dilma Rousseff em dezembro, o Vale-Cultura é um projeto de lei que deve ser regulamentado até o fim de fevereiro e pretende — a exemplo do que já acontece na vizinha Argentina — incluir a cultura na cesta básica de consumo dos brasileiros. O incentivo segue os moldes dos tíquetes-refeição, daí o nome com o qual ficou conhecido o PL 4682/12.
O trabalhador com renda até cinco salários mínimos poderá optar por receber mensalmente um vale de R$ 50, em formato de cartão magnético, pelo qual pagará R$ 5, para usufruir em produtos culturais, entre os quais entradas para cinema, teatro e museus e a compra de livros, revistas, CDs ou DVDs. E as empresas que oferecerem o benefício a seus trabalhadores têm o direito de deduzir R$ 45 do Imposto de Renda devido por cada Vale-Cultura fornecido. Trabalhadores com renda maior também poderão receber o benefício, desde que a empresa garanta, antes, que todos aqueles com salários inferiores à marca já tenham sido contemplados. A intenção da ministra da Cultura, Marta Suplicy, é de que o Vale-Cultura entre em cena para valer em julho.
Mais aplaudido que vaiado, o projeto recebeu algumas críticas. O valor do benefício é um dos pontos questionados, já que a indústria de espetáculos musicais, por exemplo, tem ingressos a preços muito maiores que R$ 50, assim como o fato de reproduzir distorções regionais, como as leis de incentivo à cultura, que se concentram em projetos nos grandes centros. Houve, ainda, quem dissesse que o trabalhador poderia comprar produtos de baixo ou nenhum valor cultural — a ministra veio a público lembrar que não caberia ao ministério fazer censura em relação ao que o beneficiado com o Vale irá consumir.
Neste ponto, ela é apoiada por Ronaldo Bianchi, professor da pós-graduação no curso Gerência de Cidades, da Fundação Armando Álvares Penteado. “Se o cidadão pode votar, por que não pode pegar R$ 50 e decidir o destino que ele acredita ser o melhor? É uma postura amadurecida da sociedade brasileira e o governo está de parabéns. Foi uma atitude muito interessante, porque até hoje o governo financiou os produtores culturais e a partir de agora financia o consumidor cultural, o cidadão”, afirma. “Há uma classe que, com essa renda, quer alçar voos, tem uma ambição cultural, quer aumentar seu repertório. Essa oportunidade é digna”.
GOVERNO
Marta Suplicy – Ministra da Cultura
“O Vale será um marco tanto na capacidade de consumo de cultura para o trabalhador como para a produção cultural. Mesmo em opções simples como o cinema, uma pessoa que ganha até cinco salários mínimos não tem condições de ir frequentemente. O Vale dará a possibilidade de um lazer diferente de ficar em casa vendo TV. Faremos campanhas para o trabalhador perceber que um museu é algo muito interessante para ele frequentar com a família, e o que isso pode acrescentar na sua visão de mundo. Sabemos que isso se amplia, mas é vagaroso, assim como não cabe ao Estado dizer o que a pessoa deve consumir. Não temos ideia de quais serão produtos mais estimulados, mas sabemos que o valor tem de ser cumulativo, permitindo reservar o recurso para programas mais caros. Vamos aprender, e as pessoas que oferecem a produção cultural, também. É um grande desafio e a primeira regulamentação tem de ser bastante genérica, para depois fazermos portarias que permitirão uma flexibilização, a partir do que aparecer como demanda.”
AGÊNCIA
Sharon Hess – Líder das unidades de Atitude de Marca e Ativação da Edelman Significa
“Como instrumento de política pública, o Vale-Cultura tem um aspecto negativo e outro positivo. O negativo: mais uma vez, o governo brasileiro adota um mecanismo de dedução fiscal como sistema de financiamento, eximindo-se de definir as prioridades públicas, transferindo recursos públicos para decisão privada. O fato positivo é que, diferentemente dos demais mecanismos de dedução fiscal (Lei Rouanet e Lei do Audiovisual), a destinação do recurso é feita pelo usuário e não pelo produtor de cultura. Em relação às consequências, entre os diversos segmentos culturais, o Vale Cultura tende a transferir estes recursos públicos para a indústria do entretenimento, pelo maior grau de atração e assimilação da produção artística comercial. ”
PRODUTOR
Sergio Ajzemberg – Presidente da Divina Comédia
“Os críticos ao Vale-Cultura já saíram dizendo que o trabalhador não sabe escolher e este será um incentivo às compras de revistas pornôs ou para adquirir bobagens em geral. Quanto preconceito! Abre-se uma perspectiva enorme para produtores de cinema, teatro, shows e museus. Teremos de ser competitivos para que o trabalhador nos eleja, nos assista e nos capitalize. Aprimorar a cadeia produtiva com técnicas mais especializadas em roteiros, figurinos, intérpretes, técnicos de som e luz vai ser fundamental para termos um fluxo de filmes disputando as poucas salas de exibição no Brasil. Programas de incentivo à abertura de salas, formação de técnicos e um bom marketing farão do Vale-Cultura a ferramenta de alavancagem da indústria competitiva, independente e virtuosa. Vamos à luta, colegas, e começar a medir para onde irá este consumo. Se não vier para a indústria cultural a culpa será nossa e não do trabalhador. Vamos alimentar a alma do trabalhador com coisas legais e bacanas e todos seremos cidadãos melhores.”
ACADEMIA
Eduardo França – Coordenador da pós-graduação em Gestão do Entretenimento da ESPM – RJ
“O Vale-Cultura é uma iniciativa interessante porque vai aportar ao mercado cultural algo em torno de R$ 7,2 bilhões. O problema, e a grande discussão que a gente deve ter, é que esses projetos que visam democratizar mais o acesso às coisas não são contemplados de forma integral. É óbvio que quem mora em cidades grandes e médias vai poder se beneficiar, porque elas têm cinemas, teatro, espetáculos a preços populares. Mas há uma quantidade enorme de brasileiros que estão nessa faixa que recebe menos de cinco salários e moram em cidades pequenas, que nem têm salas de cinema. Ele pode comprar livros, revistas? Mas, tradicionalmente, a gente sabe que a cultura de leitura é muito baixa no Brasil! Minha crítica fica realmente (ao uso do Vale-Cultura) em lugares onde não há tanta possibilidade cultural e à falta de clareza nos detalhes — para não ficar essa coisa maluca de que até igrejas evangélicas se enquadravam nas leis de incentivo fiscal cultural. É preciso prestar atenção à falta de acesso e de delimitadores, para que as coisas realmente sejam direcionadas em prol de um crescimento cultural.”
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