Busque a retórica
Narrativas nem sempre escrevem as melhores histórias
Narrativas nem sempre escrevem as melhores histórias
11 de março de 2023 - 14h45
Vim para o SXSW esperando um espírito universitário. Imaginei uma versão gigante de faculdade, com grandes professores, grandes palestrantes, histórias para mudar vidas. Sim, o lado inspiracional é forte, os aprendizados também, as narrativas bonitas. Mas nos primeiro momentos aqui já fica claro que Austin e SXSW são menos Robert McKee e mais Aristóteles.
A obsessão por histórias do mercado publicitário é antiga. Desenhos nas cavernas, mitos do Olimpo e dos Orixás, Mad Men! Quem não assistiu à cena do projetor de slides e sonhou em fazer uma apresentação igual para a cliente? Você apresenta o plano, fica em silêncio, todo mundo da reunião em lágrimas, campanha aprovada! Passei 20 anos tentando ter um momento deste, o que tenho feito de errado? Será que minhas histórias não são tão boas?
A verdade é que quando queremos construir o futuro, histórias podem frustrar. Elas funcionam bem quando o conteúdo passa de uma pessoa para outra, quando não há diálogo. Funciona bem em palcos, no cinema, livros. São o melhor veículo para contar o que já aconteceu e transmitir uma imagem do que poderia ser. Mas para construir um plano, para propor um novo mundo, é necessário não apenas comunicar, mas colaborar, discutir. E nesse momento precisamos reviver a arte da retórica, de influenciar e argumentar. E SXSW é pura retórica.
O primeiro framework desta arte veio do Aristóteles, que era um cara cheio de ideias (algumas bem machistas, então foco na retórica). Ele também tinha bons clientes, como Alexandre o Grande, que acabou conquistando metade do mundo da época (na porrada, não no papo). E como bom grego, Aristóteles apreciava a ideia democrática de debater, persuadir multidões com discussões em praça pública. Por isso propôs um modelo para tornar as discussões eficientes e impactantes.
O modelo do Ari é basedo em três pilares, Ethos, Logos e Pathos. Ethos: quem é você na sociedade? Logos: qual a lógica da sua proposta? Pathos: quais emoções seu argumento move? Em uma discussão bem conduzida, devemos balancear estes três aspectos, e se preparar para o que o outro lado vai trazer. A discussão, diferente da história, é viva, exige discordar, conceder pontos, aprender sobre si mesmo e sobre seu antagonista. Quando uma discussão saudável termina, o que deve sobrar é um plano claro de ação. Recomendo a leitura mais aprofundada de retórica, mas o que isso tem a ver com o SXSW?
Ontem assisti à palestra entre a Diretora de Ciência e Tecnologia da Casa Branca, Arati Prabhakar e Austin Carson, Fundador e Presidente do SeedAI. O tema era como conquistar as aspirações dos EUA em Ciência, Tecnologia e Inovação. Esta palestra potencialmente política poderia ter sido uma fila de histórias criticando o governo Trump, mas foi um vivo exercício de retórica sobre como montar um futuro, como líderes, com a sociedade, com empresas. Ambos deixaram clara sua experiência no assunto (ethos), os planos e projetos nos quais trabalham (logos). E pathos, como emocionou a platéia? A Arati me pegou em cheio, um filho de físicos e apaixonado por ciência, quando disse que que fazia o que fazia “apenas porque quero que o futuro seja melhor que o passado”.
Hoje, no segundo dia que passo no evento, espero ver a continuação deste espírito de cocriação. Com a mistura de música, arte, publicidade, filme, criadores e vendedores, sonhadores e construtores, o SXSW é uma oportunidade única de encontrar novas formas e novas combinações para enfrentar as questões mais complexas do nosso mundo.
E se você deseja mudar o mundo, ou criar um grande plano de trabalho, fica o lembrete. Saiba descrever a vida usando histórias poderosas. Mas para escrever uma história que ainda não aconteceu, busque a retórica.
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