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SXSW

Sem espaço para isenção das marcas

“Branding activism” ou “corporate activism” foram temas que voltaram aos palcos do SXSW e é consenso que não existe mais espaço para silêncio e falta de atitude


15 de março de 2023 - 15h36

Se o SXSW tem um perfil de questionar o status quo e os rumos para onde a sociedade caminha é natural que um tema presente no lineup do festival seja o ativismo corporativo – ainda que esse conceito seja questionado eventualmente. Um dos painéis a respeito, reuniu Ivan Frishberg, vice-presidente e chief sustainability officer do Amalgamated Bank; Corley Kenna, head of communications & policy da Patagonia; e  Christopher Miller, head of global activism strategy da Ben & Jerry’s, marca de sorvetes da Unilever.

Frishberg explicou o perfil diferente do banco que atua não para consumidores finais, mas para movimentos como o Black Lives Matter, oferecendo não apenas serviço financeiro, mas ajudando a construir espaço para suas causas – o banco é o maior e um dos únicos bancos sindicalizados dos EUA. Seu slogan é “O banco socialmente responsável da América”. Hoje, muitos dos clientes são instituições ligadas a questões climáticas.

Christopher contou que o trabalho feito pela marca em responsabilidade social é altamente motivado pelos próprios funcionários e pelo CMO, que está na empresa há mais ou menos 30 anos, tendo começado como atendente em uma das lojas. “Sempre queremos prover ações ou sermos advogados de uma solução política que enderece algumas das questões em que acreditamos. Não é só ‘dizer’ alguma coisa sobre alguma questão”, argumentou. Para isso, contou, a marca tem trabalhado de perto com ongs.

Já a executiva da Patagonia ressaltou o compromisso do fundador Yvon Chouinard de ao longo da história da marca ter procurado atuar para que embora ela crescesse e se transformasse como negócio seus valores permanecessem. Quando uma marca quer, ela cria mecanismos para proteger esses valores.

Corley Kenna também comentou o movimento mais recente da marca de se comprometer a reinvestir o lucro não mais na empresa e sim em projetos para combater a mudança climática e, assim, ajudar a salvar o planeta. Uma campanha que a Patagonia tem feito, vai contra a obsessão de se explorar o espaço, antes de cuidar da própria Terra. A iniciativa foi batizada “Not Mars. We are commited to saving our home planet” (Marte não. Estamos comprometidos em salvar o planeta que é nosso lar”) – missão que, no Brasil, mais voltada à desigualdade social, é tem de Edu Lyra, na Gerando Falcões e ele, a propósito, veio participar do SXSW, após dias ajudando a enfrentar a calamidade que se seguiu às chuvas intensas no litoral norte paulista.

Movimentar emoções para gerar ações

Já no painel “Brand Activism: No More Business as Usual”, Tracy Sturdivant, presidente e CEO da The League, agência que reúne estrategistas, criativos e outros perfis de profissionais “com raízes fundas em movimentos de justiça social”, recebeu Lisa Boyd, head de impacto social da Lyft e LaTosha Brown, co-fundadora do Black Voters Matter Fund.

Da esquerda para a direita, LaTosha (Black Voters Matter Fund), Tracy (The League) e Lisa (Lyft), discutiram mudanças necessárias no mundo dos negócios (Crédito: Roseani Rocha)

A conversa do trio girou, claro, sobre a necessidade de as marcas mudarem seus comportamentos empresariais colocando em mais alta conta suas responsabilidades sociais.

“Não há forma de coletivamente endereçar questões como justiça social, segurança econômica e mudança climática sem fazer as pessoas entenderem, mudar corações e mentes. São os influencers que seguimos, os programas de tv que assistirmos e os produtos que compramos que podem mudar o futuro, a cultura, todo o tempo”, pontuou Tracy.

Falar sobre ativismo de marca não significa desmantelar o capitalismo, disse a moderadora, mas abrir espaços para as marcas atuarem no campo social.

Lisa, do Lyft, destacou que as demandas do consumidores fizeram os boards das empresas começarem a permitir mais a atuação das marcas em causas, o que muda o nível de recursos alocados e tom de voz delas, nesses assuntos. Já LaTosha, destacou três pontos: o fato de a força de trabalho e ambiente corporativo estarem mudando, com demandas dentro das próprias empresas e os funcionários ajudando a moldar a cultura; a necessidade de fazer algo bom para as pessoas não como obrigação, mas oportunidade; e se uma empresa é inovadora, vai olhar meios de fazer seus consumidores felizes, ter melhores produtos, melhorar sua produção. E tudo isso passar pela expectativa social dos consumidores em relação às marcas.

Parcerias com organizações

A executiva do Lyft considera que os setores público e privado têm papeis diferentes. Ela contou que a abordagem da empresa, nas parcerias com ongs, é ajudar pessoas de baixa renda a terem mobilidade para ações relevantes e com impacto, como votar (ajudou a fazer isso nas eleições de 2016), ir a uma entrevista de emprego ou se vacinar (o que teve maior peso especial durante a pandemia). E as ongs, mais do que ninguém conhecem as suas comunidades e ajudam a empresa a detectar para quem dar esses créditos e medir o impacto, o que está ou não funcionando.  Com isso, é possível construir programas que possam ter escala e duração.

Latosha pontuou o quanto os projetos que fazem ajudam a trazer valor também às marcas: “Alguns parceiros veem que não estão apenas ajudando uma organização, mas sendo ajudados por elas”, disse. Um desses parceiros é a citada Ben&Jerry’s.

Habitante da Georgia, LaTosha diz que o estado deveria ser considerado um estudo de caso por ser um microcosmo dos EUA. Para ela, é um lugar que está ficando mais jovem e diverso e essa luta por poder acontecerá porque as coisas estão mudando. “Há pessoas que podem ligar ou não para justiça social, mas se preocupam com dinheiro”, sapecou.

Comentou a mobilização feita em torno de uma lei retrógrada que o estado, que é sede de empresas como Coca-Cola e Delta Airlines, tentava passar sobre eleições e as reações a isso cobrando posicionamento das marcas com o questionamento “a democracia é boa para os negócios?”. Um anúncio no New York Times foi usado para isso e, depois da repercussão, outras marcas se juntaram ao movimento, como a Patagonia.

Clareza de visão

A Blockbuster e a Netflix ofereciam basicamente a mesma coisa, mas, a partir de certo ponto, uma pensou mais na conveniência para o consumidor, destacou a fundadora do Black Votters Matter, para lembrar que as marcas devem evoluir seu pensamento e prestar atenção ao que ocorre, caso contrário, ficarão para trás. E no que diz respeito à agenda social, o silêncio é visto como cumplicidade, emendou Tracy.

E quanto atuam, observou Lisa, do Lyft, é preciso ter embasamento, com respaldo em investimento financeiro e ações efetivamente. Isso já caminha para outro ponto da discussão sobre a diferença entre “social responsibility” e “social accountability”, com esta sendo algo de mais longo prazo e o que faz uma empresa se tornar confiável em relação a determinado assunto, enquanto o primeiro, muitas vezes, se reflete em ações mais pontuais que muitas empresas fazem para elas se sentirem melhor. E os investidores estão cada vez mais de olho nessa diferença, disseram as palestrantes.

Ao final, LaTosha exortou também o engajamento do público presente, boa parte dele de profissionais da publicidade: “Vocês que trabalham como criativos nas agências são peça-chave, a cola que vai unir essas coisas, porque adicionam valor, ajudam a traduzir mensagens de comunidades para corporações e o contrário”.

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