Autoconfiança, uma habilidade mágica
Precisamos correr para não vermos gerações acanhadas em suas posições sem a certeza de que podem e devem ir além, por si próprias e pelas próximas mulheres que virão depois de nós
Precisamos correr para não vermos gerações acanhadas em suas posições sem a certeza de que podem e devem ir além, por si próprias e pelas próximas mulheres que virão depois de nós
19 de abril de 2022 - 8h45
Minha esposa, que é psicoterapeuta, chegou em casa esses dias me contando uma história, uma dinâmica de grupo de que ela tinha participado. A mecânica do troço era que cada um precisava fazer um pitch, uma venda em 3 minutos do seu principal defeito.
Fiquei intrigada. Ela me contou como vendeu o seu, e como sua colega vendeu magistralmente a preguiça. Sim, a preguiça. E, vejam, difícil não comprar. Quem tem preguiça pode não fazer absolutamente nada, pode criar inclusive mecanismos sofisticados para não precisar nem mesmo falar. Com o corpo deitado e apenas a mão estendida no ar para um desavisado que estiver passando, pode estabelecer sinais de simples entendimento, como polegar e indicador em formato de C no tamanho de 10 centímetros para água, de 2 centímetros para um cafezinho…
Muitas gargalhadas depois, e pensando em quanto nos apegamos aos nossos defeitos, me vi pensando como venderíamos as qualidades que mais desejamos. Vou precisar voltar no tempo, porque tudo isso me fez pensar em como notei pela primeira vez a habilidade que tanto quis.
Eu tinha por volta de 10 anos, estava na quinta série do primeiro grau, e existia uma disputa velada pelo protagonismo de desempenho na minha sala. Por um acaso, nesse ano, essa disputa era entre mim e o Sebastião. Digo por um acaso porque antes disso, por vários motivos emocionais, eu não estava nem perto do círculo dessa disputa, mal concluía os anos letivos.
E, então, sem nenhuma preparação prévia, de um dia para o outro, eu me vi no centro das questões estudantis. Uma “guerra dos sexos” completamente involuntária e casual, que eu e Sebastião agora travávamos.
E tudo teve sabor e cheiro de “guerra dos sexos” mesmo. Minhas colegas que não falavam muito comigo me impulsionavam para o centro do palco, ou melhor, da lousa verde.
Eu era a típica aluna tímida. Como a maioria das meninas, era puxada para um comportamento mais comedido. Já o Sebastião, não, ele era empurrado para dentro e para fora da classe para se expor, falar, se expressar de algum jeito — fosse falando alto, gargalhando, brincando ou sonhando alto.
E aí, nas batalhas veladas e públicas, o Sebastião saía na vantagem. Ele entrava no ringue completamente seguro, defendia o seu trabalho para o público com toda tranquilidade de alguém que foi criado como ele. Já eu começava a suar quando o professor ou professora anunciava que teria trabalho a ser defendido em sala. Eu sabia que seria escolhida para a representação do grupo e, senhor! Meu coração palpita só de lembrar da angústia. Eram dias de preparação, sofrimento, insônia, tremedeiras solitárias… afinal, a timidez não se desfez como num passe de mágica.
Na verdade, nessa parte da história não teve nenhuma mágica. Foi sofrido, fez feridas profundas, mas me fez ver que aquela segurança que o Sebastião exibia a ombros largos era algo que eu desejava. Nossa, como eu queria aquilo!
E, depois de muitos anos, muitos mesmo, eu senti que tinha conquistado o que ele tinha de graça. Finalmente me senti autoconfiante de verdade, não porque eu achava que não erraria, mas por entender que não importava se eu errasse. Não era isso que era posto à prova, mas sim a ousadia de ir lá e fazer.
Por muitos anos, antes de me sentir de fato autoconfiante, eu simulei aquilo, aquela segurança de quem sabia o que fazia e não era nada real, mas eu disfarçava bem e seguia nos meus trabalhos de classe e nos meus desafios profissionais.
Depois que meu coração se acomodou com minha própria agonia, tive a oportunidade de observar os meus pares, as minhas colegas, as mulheres que trabalharam comigo, ou mesmo as mulheres que passaram por perto de mim. Em algumas delas, eu sentia que um pouco da magia da autoconfiança seria suficiente para elas voarem, flutuarem até.
Caminhar a ombros largos alarga os passos, dá velocidade nas conquistas, e eu queria muito alargar com a mão os ombros daquelas mulheres incríveis que aos meus olhos já eram largos, mas que insistiam em se sentir encolhidos.
E, se estivermos atentas aos relatórios de equidade salarial e de posição profissional da ONU, precisamos correr para não vermos gerações acanhadas em suas posições sem a certeza de que podem e devem ir além, por si próprias e pelas próximas mulheres que virão depois de nós.
Então deixe-me te vender a autoconfiança! É uma habilidade que faz com que você se sinta forte, capaz, eloquente, firme e segura. E, a despeito de errar, duvidar e titubear, você se levanta e faz de novo, quantas vezes for preciso. Não vou te enganar, dá trabalho trazê-la para sua vida, mas quando ela chega, te leva para onde você quiser. Vale a pena!
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