Burnout e transformação: relatos de três mulheres que tiveram a síndrome

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Burnout e transformação: relatos de três mulheres que tiveram a síndrome

Juliana Ferraz, Izabella Camargo e Marcela Bazaglia são profissionais de destaque com histórias inspiradoras diferentes, mas que têm em comum situações de esgotamento no trabalho. Leia os relatos de cada uma


28 de setembro de 2022 - 17h26

Juliana Ferraz, Izabella Camargo e Marcela Bazaglia compartilham suas histórias com o burnout (Crédito: Leca Novo/Divulgação/Lucas Tomaz Neves)

Esta matéria faz parte do “Especial Burnout”: uma série de três reportagens que traz histórias, contexto e soluções para a crescente onda de esgotamento entre as profissionais mulheres.

 

Os dados sobre saúde mental no Brasil não mentem: vivemos um período de grande estresse e desgaste emocional. Ansiedade, depressão, estresse, burnout — estamos no topo da lista em todos. De acordo com a OMS, o Brasil é o país mais ansioso do mundo. No quesito depressão, ocupamos o quinto lugar no ranking mundial. Quando falamos de burnout, somos o segundo país do mundo com mais casos, conforme o International Stress Management Association (ISMA-BR). Segundo a associação, 72% dos brasileiros sofrem de alguma sequela do estresse, sendo que 32% deles têm burnout.

Outro estudo, desenvolvido pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, constatou que um a cada cinco brasileiros sofre de burnout. Entre os que apresentam algum sinal da síndrome, a taxa sobe para metade da força de trabalho nacional. Se entrarmos em indicadores sociais, o fator gênero indica que 60% dos casos de burnout ocorrem em mulheres, segundo a pesquisa da USP.

Ouvimos as histórias de três mulheres diferentes que sofreram burnout: Izabella Camargo, ex-jornalista da Globo e palestrante sobre saúde mental, Juliana Ferraz, sócia e diretora de negócios e relações públicas da Holding Clube, e Marcela Bazaglia, sócia da produtora Pepita. Apesar de trabalharem em áreas diferentes, elas compartilham de detalhes semelhantes em suas histórias: acúmulo de carga de trabalho, pressão pela entrega, aparecimento de sintomas físicos, demissão e a necessidade de renovação. O burnout não ocorre da noite para o dia. Ele é um processo, com diferentes estágios, mas que dá sinais de que o esgotamento está logo na esquina.

Confira o relato dessas mulheres, o que elas sentiram, como lidaram com a síndrome e como conseguiram dar a volta por cima.

 

IZABELLA CAMARGO: “A MÁQUINA DEU CURTO-CIRCUITO”

Em 14 de agosto de 2018, a jornalista Izabella Camargo virou notícia quando sofreu um “apagão” ao vivo, enquanto apresentava a previsão do tempo. Após o ocorrido, ela foi afastada do trabalho com um diagnóstico de burnout. Para os espectadores, a jornalista parecia sofrer um “branco”, quando uma pessoa esquece uma palavra. No caso era “Curitiba”, a capital. Porém, por dentro, Izabella sentia a visão turva, o coração acelerado, falta de ar, enjoo, sudorese, formigamentos e as mãos frias. Ela estava colapsando.

Nesse dia, ela saiu do trabalho e foi direto ao psiquiatra, sob risco de convulsão. “Eu me lembro de passar por três momentos, em que eu fechava e abria os olhos e pensava que eu poderia ter batido o carro facilmente”. Esse foi o primeiro diagnóstico de burnout que recebeu. Meses depois, veio o segundo: “tive novamente quando já estava trabalhando em Brasília e foi bem pior do que a primeira vez”, recorda a jornalista.

Entretanto, há pelo menos dois anos antes do episódio ao vivo, Izabella já acumulava uma dezena de sinais de alerta. As principais razões que levaram seu corpo ao ponto de desequilíbrio, ou como Izabella chama, “à gota que entornou o copo”, eram a quantidade de trabalho e o turno da madrugada no qual trabalhava: “foram muitos anos trabalhando em um horário muito estressante e a responsabilidade de preparar três jornais ao mesmo tempo fez com que a máquina desse um curto-circuito”, explica.

“Comecei a sentir o que muitas de nós vivemos e é atribuído ao glúten, à lactose, à idade, à menstruação”, diz. A lista de sintomas aumentava conforme o tempo passava: “era dor de cabeça frequente, enjôo, problemas no intestino, desregulações hormonais, queda de cabelo, manchas na pele, até a coisa ficar um pouco mais grave e eu começar a ter falta de ar, taquicardia, bruxismo, e visão turva”, lembra.

Para conseguir dormir e levantar nos horários em que precisava, ela começou a tomar remédios indutores de sono e medicamentos à base de anfetamina que a ajudavam a acordar, sob orientação médica. O corpo humano, em geral, tem um ciclo circadiano que é regido pelo sol: horas de vigília de dia, descanso pela noite. O estresse de dormir cedo para acordar de madrugada deixava Izabella irritada ao menor barulho na casa ou nos vizinhos. A jornalista já acordava estressada.

“Eu me lembro de ouvir o barulho da descarga do vizinho do prédio, e isso me acordava e já me deixava irritada. Isso às oito da noite. Para você ver como depois de um certo nível, a sua sensibilidade fica tamanha que é difícil controlar. Uma vez, em casa, minha mãe estava mexendo nos garfos e eu pensei: ‘já acordei assim’”.

O estresse crônico levou o corpo da jornalista a um mau funcionamento, que desencadeou uma série de problemas incluindo insônia e complicações hormonais e vasculares, que resultaram numa cirurgia para corrigir a renovação venosa.

Hoje, Izabella virou palestrante, mestre de cerimônias e apresentadora do Jornal Primeira Hora, na Rádio Bandeirantes 90.9 FM, e do Zencast, o podcast do Zenklub, plataforma de cuidados com a saúde mental. Ela já escreveu o livro “Dá um tempo! Como encontrar limites em um mundo sem limites”, além de já ter dado diversas entrevistas sobre saúde mental, burnout e “produtividade sustentável”, movimento e curso criados por ela sobre equilíbrio entre trabalho e vida. Seu propósito agora é abordar o burnout com as empresas e clientes, de forma a prevenir, tratar e reabilitar.

JULIANA FERRAZ: “A MARCA DO BURNOUT EXISTE EM MIM”

“Apesar de estar curada, de seguir produzindo, transformando e construindo, existem momentos em que me lembro o que é perder o tom”. Esse é o relato de Juliana Ferraz, hoje sócia e diretora de negócios e relações públicas da Holding Clube. Antes disso, trabalhou como diretora comercial em outra empresa e, nesse período, passou por dois burnouts: o primeiro aos 31 anos e o segundo oito anos depois, de maior intensidade e que culminou na sua demissão.

Da primeira vez, ela não compreendeu a gravidade da situação pela qual estava passando: “eu não entendi que eu estava tendo um burnout, apesar do médico verbalizar isso. Na minha cabeça, achava que era uma quantidade de estresse absurda por excesso de trabalho. Então, fiz um tratamento mais profundo, dei uma equilibrada na mente e segui adiante como se não tivesse passado por aquilo”. O resultado? Um segundo episódio. “Repeti todos os padrões e a prova disso é que, oito anos depois, fui afastada psiquiatricamente do trabalho por 43 dias.”

Naquela época, Ju sentiu que havia perdido suas habilidades de cognição. Ela não conseguia falar, entender, ouvir e articular frases. “Minha cabeça não funcionava. As pessoas falavam coisas para mim e eu não conseguia verbalizar ou contra argumentar”.

Foi apenas no segundo burnout que ela compreendeu que não poderia continuar naquele ritmo, que precisava mudar. “Durante esses 43 dias, eu entendi verdadeiramente que estava passando por um problema muito sério. Fiquei muito assustada e, mais do que isso, precisei me afastar de tudo”.

Ela desenvolveu crises de pânico e teve que se distanciar da vida social. A viagem para a Europa que havia marcado com as amigas teve que ser cancelada, porque o seu médico a proibiu de subir em um avião. Quando pediu demissão, ela não conseguiu retornar ao escritório para assinar o distrato, porque havia desenvolvido uma espécie de aversão ao trabalho, muito comum entre pessoas que passam por um burnout. A responsável pelos recursos humanos teve que descer para que ela assinasse o documento.

Juliana conta que foi um momento muito duro da sua vida, em que ela precisou parar e realmente cuidar de si. “Muito psicólogo, psiquiatra, ferramentas de autoconhecimento como thetahealing, hipnose, tudo para que eu pudesse sair daquele processo”. Foi um período de “reabilitação de vida”, como ela relata.

Quando perguntada sobre o que a levou ao burnout, Ju diz que foi o desespero em vender: “queria entregar mais, bater mais metas, para ganhar mais dinheiro”. Ela sentia uma grande cobrança, tanto da empresa quanto de si mesma. “A gente acaba virando hamster dentro da caixinha, porque estamos correndo tanto para chegar nos resultados que perdemos o prazer das vitórias, não conseguimos viver o hoje. Estamos sempre vivendo no amanhã”, reflete.

Parte da razão pela qual Juliana não entendeu o significado do diagnóstico foi a falta de conscientização sobre o assunto. “Eu procurava na internet e não existiam caminhos. A única pessoa que tinha passado por isso, na minha época, era a Izabella Camargo”, conta.

Ela se sentia solitária e isolada do mundo. Quem a apoiou na época foram o marido, o filho e a mãe. Em seu momento de maior vulnerabilidade, recorreu às redes sociais e encontrou uma rede de apoio de outras pessoas que se identificavam com ela. Ao abordar temas como saúde mental e o movimento corpo livre, seu perfil no Instagram cresceu e hoje @juferraz acumula 112 mil seguidores na plataforma.

Juliana entendeu que tinha uma função ali: compartilhar sua história para que outras pessoas não passassem pelo mesmo. “Acho que tenho um papel social como líder e influenciadora de compartilhar o meu conhecimento. Quanto mais a gente fala, mais educamos, e quanto mais educamos, mais as pessoas ficam em estado de alerta”.

A empreendedora ama o que faz hoje, mas, ainda assim, segue com uma rotina acelerada: “Hoje já fiz três reuniões, fotografei, me maquiei, fiz campanhas, tenho mais quatro reuniões. Minha vida é assim, mas eu aprendi a ter respiros no meio do caminho”. Porque caso contrário, diz, ela sabe que pode escorregar novamente. “Estou o tempo inteiro em estado de alerta, para não entrar de novo no modus operandi do processo que me leva ao burnout”.

Mas, depois de um longo processo de ressignificação e terapias dos mais diversos tipos, Ju Ferraz não é a mesma mulher. Ao menos, não é aquela que se doava 90% para o trabalho e apenas 10% para si. “Há quatro anos atrás, eu era uma executiva. Hoje, eu sou uma empreendedora dona de seis empresas e com muitos funcionários. A gente precisa saber dizer não, saber parar e dizer ‘não vou dar conta disso’”.

Quanto aos respiros, ela não aplica somente para si. Como líder, ela fala abertamente sobre o que sente para que toda a sua equipe esteja atenta a sua própria saúde e possa expressar suas vulnerabilidades e limites. “Não quero que ninguém que trabalhe comigo não consiga dizer ‘preciso sair mais cedo para buscar meu filho na escola’, porque isso é viver. Sou muito a favor do equilíbrio para mim e para os outros.”

MARCELA BAZAGLIA: “RELUTAVA EM RECONHECER QUE ALGUMA COISA ESTAVA ERRADA”

Marcela hoje é sócia e fundadora da sua própria produtora, a Pepita, mas antes de empreender, ela trabalhava no mundo corporativo, mais especificamente com comércio exterior — e também sofreu um burnout. Os sintomas começaram por uma exaustão que se prolongava até nos finais de semana, os quais ela permanecia deitada para tentar descansar.

Logo, a aversão ao trabalho começou a bater na porta. “Eu acordava de manhã pedindo para que não tivesse que ir trabalhar. Chegava no escritório e me entupia de café o dia inteiro, para me manter de pé, e almoçava em quinze minutos. Tudo porque eu precisava entregar, entregar e entregar. E o meu corpo foi parando”, conta.

Os sintomas emocionais se transformaram em físicos e Marcela começou a frequentar recorrentemente o hospital que ficava do outro lado da rua do seu local de trabalho. “Eu ficava muito doente e fui para o hospital várias vezes. Mesmo quando apresentava diversos sintomas, o médico me falava que não havia nada de errado, que era estresse.”

Ao mesmo tempo em que se sentia insatisfeita, ela relutava em aceitar que algo estava errado. “É só uma fase… é só porque tem muito trabalho agora”, ela tentava se convencer. Até que em certo ponto, Julio Santi, seu marido, hoje também sócio da Pepita, disse que ela não poderia mais continuar naquela situação e precisava sair daquele emprego: “eu não consigo mais conviver com você. Você só quer ficar na cama, você está sempre doente”, ele dizia.

Ela relutou muito, mas eventualmente decidiu sair da empresa. Os chefes até tentaram oferecer outras posições, mas ela estava decidida a sair. Em resposta, Marcela dizia que tinha outros objetivos, mas, na verdade, não fazia ideia do que faria a partir dali. Com o apoio do marido, ela pôde pedir demissão e decidiu estudar psicanálise. “Acho que a psicanálise me ajudou muito. Foi uma busca pessoal para eu me encontrar no meio de tudo aquilo que eu estava passando”, reflete.

Assim como Ju Ferraz, Marcela não tinha informações suficientes sobre burnout. “Era numa época em que o assunto não era tão recorrente, não tínhamos acesso. Então, quando eu passei pela síndrome, não sabia o que era, e provavelmente as pessoas ao meu redor também não”.

Por vezes, a correria do dia a dia nos impede de olhar para o lado e perceber que o colega não está bem. Para a empreendedora, essa experiência foi fundamental para mudar o modelo de trabalho e as prioridades do seu negócio. “Minha experiência de burnout me levou para um lugar muito diferente. Agora, como gestora de uma empresa, estou sempre preocupada com o bem-estar das pessoas”.

Após a demissão, o estudo da psicanálise e alguns meses de descanso, Marcela e Julio decidiram empreender e criar a Pepita, uma produtora que explora maneiras de expressar o que há de mais humano em nós. Eles descrevem sua atuação assim: “humanizamos empresas, traduzimos essências e investimos em projetos multiplataforma que geram impacto humano”.

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