Inclusão desde o início: Por que é essencial inspirar meninas nas áreas STEM
Falta de representatividade feminina na tecnologia, ciências, engenharia e matemática é um problema com raízes ainda na fase escolar
Inclusão desde o início: Por que é essencial inspirar meninas nas áreas STEM
BuscarFalta de representatividade feminina na tecnologia, ciências, engenharia e matemática é um problema com raízes ainda na fase escolar
Lidia Capitani
18 de julho de 2023 - 8h27
Até 2025, 797 mil empregos na área de TI serão gerados no Brasil, porém, não formamos profissionais suficientes para preenchê-las, de acordo com a Brasscom. As mulheres, por sua vez, representam 23,6% da força de trabalho na área de tecnologia, em comparação aos homens que são 76,4%, segundo pesquisa da Catho.
A falta de representatividade feminina no mercado de tecnologia é um problema estrutural, que se inicia ainda na escola. É o que diz o estudo “Meninas curiosas, mulheres do futuro”, da Força Meninas, plataforma de formação de meninas até 18 anos para atuação nas áreas STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). De acordo com o relatório, existe uma falta de visibilidade para o tamanho do problema em relação às crianças. 62% das meninas não conheciam nenhuma mulher que trabalhasse numa área STEM.
“Muitas mulheres não têm modelos femininos em posições de sucesso em áreas STEM, e consequentemente têm dificuldade em se enxergarem nessa jornada”, relata Jhenyffer Coutinho, fundadora da Se Candidate, Mulher!, startup de impacto social que busca inserir mulheres no mercado de trabalho.
Escutando histórias de 230 meninas, a pesquisa da Força Meninas identificou os principais obstáculos que afastam as alunas das exatas. Dentre eles estão a perpetuação de estereótipos e violências de gênero, o aprendizado deficiente em matemática, falta de encorajamento, de oportunidades e de referências femininas. “Meninas desistem dessas áreas ao longo do tempo porque acham que aquele ambiente não é para elas, mesmo sendo boas alunas nessas disciplinas. As poucas que permanecem, relatam solidão por serem as únicas nesses espaços”, destaca Deborah De Mari, fundadora da Força Meninas.
“Sabemos que ainda existem muitos estereótipos de gênero associados a esse universo, incluindo a ideia de que esse é um ambiente profissional ‘para homens’. Esses estereótipos podem afetar a autoconfiança das mulheres, fazendo com que elas se sintam menos capazes de iniciar no ramo, se candidatar para vaga e participar de capacitações”, explica Jhenyffer Coutinho.
Por meio das brincadeiras ditas “de meninas” que seus interesses e habilidades são moldados, reforçando estereótipos de gênero que dizem que mulheres pertencem ao lar e homens ao mundo. Outro aspecto importante dessa conta, é a atribuição das tarefas do lar e de cuidados às meninas ainda cedo, tendência que não se aplica aos meninos. “O que isso tem a ver com essas carreiras? Essas áreas falam sobre métodos e técnicas para desenvolver soluções para os problemas da humanidade”, explica Deborah.
O relatório destaca algumas crenças que devem ser combatidas ainda na infância, como por exemplo “meninos são bons em matemática e meninas em português”, “meninos são elogiados por suas habilidades, meninas por sua aparência”, ou ainda “existem esportes e brincadeiras de meninos e meninas”. São estereótipos como esses que podam as possibilidades de futuro dessas meninas e que impactam diretamente suas decisões e comportamentos.
Além dos estereótipos, a violência de gênero é outro fator que afeta os caminhos das meninas. Ainda na idade escolar, as razões que levam homens e mulheres à evasão escolar são distintas. 23,8% das meninas que saem da escola o fazem por conta da gravidez e 11% para cuidar dos afazeres de casa e de pessoas, de acordo com dados do PNAD/IBGE 2020.
Gravidez precoce, trabalho doméstico, pobreza menstrual e casamento infantil são alguns dos obstáculos perversos que interrompem a educação das meninas, principalmente as mais pobres e negras, de acordo com o estudo. Em entrevistas pessoais, o Força Meninas ouviu relatos de assédio sexual e físico entre estudantes, assédio moral e até proibições por parte dos familiares e professores, sem mencionar as violências em que elas são expostas dentro do ambiente familiar.
Além disso, o estudo também destaca a negligência de cuidados, ensino e proteção que essas meninas enfrentam, tanto na escola, quanto em casa. Em conversas, a Força Meninas identificou que as estudantes demonstraram interesse por disciplinas fora de seus currículos como defesa pessoal e educação sexual como forma de prevenção a violências, assédios e gravidez precoce.
De acordo com o Sistema de Avaliação do Ensino Básico de 2021, 95% dos alunos do ensino médio se formam sem conhecimento adequado de matemática. Apesar das entrevistadas entenderem a importância da matéria, elas ainda enfrentam dificuldades de aprendizagem, e não porque se trata de uma disciplina difícil, mas por conta de um ensino deficiente, falta de didática e paciência por parte dos professores e familiares.
Na avaliação do estudo, 44% das meninas consideram a matemática como a disciplina mais difícil, em comparação a 28% dos meninos. Em entrevistas com as estudantes, a pesquisa descobriu um interesse pela educação financeira como um caminho prático do ensino da matemática e uma forma de manter as alunas mais engajadas.
A pesquisa também descobriu que mães, tias e avós são as pessoas mais citadas entre as meninas quando perguntadas sobre quem são suas inspirações. Entretanto, em escolas públicas, 62% das meninas não conhecem ninguém que trabalhe em áreas STEM, número superior aos 42% dos meninos. “Vemos as meninas ainda muito distantes de entender que essas áreas podem ser aspirações para o futuro delas”, relata Deborah.
Existe uma grande falta de referências de mulheres nessas áreas: elas são apenas 3,53% dos ganhadores do Prêmio Nobel de ciências, por exemplo. “Todo mundo sabe contar a história de um homem que foi importante na ciência ou de um homem que é fundador de uma empresa de tecnologia. Mas o movimento do lado oposto ainda é muito pequeno”, reflete De Mari.
“Devemos encorajar essas mulheres, apresentar referências inspiradoras, levando em conta recortes diversos – mulheres negras, mulheres maduras, mulheres com deficiência. Mostrar que é possível alcançar sucesso na área independentemente do seu gênero, raça ou condição”, defende Jhenyffer.
Quando perguntadas sobre as profissões que desejam ocupar no futuro, as meninas citam carreiras como médica, advogada e policial. Em comparação, um a cada três meninos dizem querer trabalhar com engenharia ou ciências. No sentido contrário, a pesquisa encontrou algumas escolas em que o interesse feminino pelas ciências era mais predominante. Dentre elas, duas instituições particulares que possuíam aulas orientadas a essas disciplinas e incentivo à participação dos alunos em olimpíadas de conhecimento, e também em institutos federais de educação, ciência e tecnologia.
“O que a gente observa na Força Meninas é que as meninas que continuaram desenvolvendo habilidades e interesses nessas áreas, foram as que durante a sua socialização receberam vários tipos de estímulos que não são comumente dados a todas”, explica Deborah. “Então, quando meninas são expostas aos mesmos estímulos, elas podem sim desenvolver desejo, habilidade e vontade de trabalhar nessas áreas”, continua.
Como propostas de soluções para esses problemas, o relatório elenca caminhos para destravar o potencial dessas meninas: combater estereótipos de gênero, melhorar a infraestrutura das escolas e o acesso à internet, apoiar e reconhecer os interesses das meninas, estimular a curiosidade, ampliar seus repertórios e ajudar as meninas a reconhecerem essas áreas como ferramentas para modificar o futuro.
O incentivo é uma das ferramentas bases para aumentar a representatividade feminina nas exatas, não somente no ambiente escolar, como também dentro das empresas. “Na prática, é fundamental estar disposta a capacitar pessoas, pois infelizmente as oportunidades chegam de forma desigual para mulheres. Além disso, é preciso cuidar para que o ambiente de tech seja amigável para elas. Falta de representatividade, desigualdade salarial e preconceitos podem ser combatidos com uma sólida cultura de diversidade, que encoraje mulheres e pessoas plurais”, reforça Coutinho.
Porém, o relatório da Força Meninas reforça a importância de desenvolver ações com as meninas ainda na infância. “As meninas perdem o interesse ainda no ensino fundamental. Já quando completam 13 e 14 anos, perdem de vez o interesse”, afirma Deborah De Mari. “É importante que consigamos trabalhar esses símbolos ao longo da jornada de desenvolvimento dessas meninas, a fim de trazer mudança e repensar o papel da família e da escola para desenvolver esse interesse e incentivá-las”, continua.
Além de estimular a curiosidade, os responsáveis pela socialização dessas meninas precisam reconhecer suas habilidades e não apenas seus atributos estéticos. “É interessante o movimento de empresas que fazem treinamentos de vieses inconscientes com os seus colaboradores, mas ninguém faz treinamento de viés inconsciente com professores ou com pais, para entender como é que eles estão educando essas crianças para o futuro”, provoca De Mari.
A Força Meninas possui iniciativas para levar palestras e oficinas sobre STEM para meninas em idade escolar pelo Brasil. Mas Deborah ressalta a necessidade de um esforço integrado da sociedade, das empresas e do poder público para incentivar meninas a estudarem ciências, engenharia, tecnologia e afins. “Meninas curiosas serão mulheres de futuro se tiverem a oportunidade de sonhar mais longe e ver o mundo de outra forma”, reflete.
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